PEC 241: uma análise prospectiva

Compartilhe

Marcio Pereira Nunes*

A PEC não é o melhor dos mundos. Porém, encontramo-nos, hoje, em uma situação bem complicada. Nesse ano, juntando déficit primário (R$ 170,5 bilhões), pagamento de juros (cerca de R$ 360 bilhões) e amortização do principal (entre R$ 600 e R$ 720 bilhões), o governo federal precisará captar cerca de R$ 1,2 trilhão, com lançamento de títulos públicos. No ano que vem se projeta um pouco mais.

Isso, em parte se explica, devido aos elevados juros reais existentes no país e, em outra parte, ao elevado montante da dívida pública brasileira (R$ 3 trilhões de dívida líquida e cerca de R$ 4,2 trilhões juntando todos os entres – União, Estados e Municípios).

A solução seria reduzir drasticamente o gasto público e elevar a carga tributária, para ontem. O problema que, em uma recessão, isso agravaria, ainda mais, a situação complicada porque passa nossa economia.  Uma resposta a essa situação, sem elevar impostos ou reduzir gastos públicos, foi a PEC 241. Nela, projeta-se que o gasto público continuará crescendo, em termos nominais (corrigido pela inflação do período), mas mantendo-se o gasto público real constante.

Por outro lado, a receita ficará corrigida pelo PIB nominal (inflação mais o aumento da produção). No início, com um PIB decrescente ou baixíssimo, isso pouco irá afetar as receitas. No entanto, com o passar dos anos, a produção irá crescer, com a retomada dos investimentos e consumo na economia brasileira. Deste modo, a receita terá forte impacto.

Assim, a PEC 241, de certo modo, é um acordo implícito proposto pelo governo atual, junto ao mercado financeiro. Do tipo: dê-me um crédito hoje que, no futuro, eu garanto um elevado superávit primário, o qual servirá para saldar o que devo e reduzir a dívida bruta total.

Quanto à PEC 241, não entendo muito como podem questionar tanto gastos com saúde e educação. Ambos estão protegidos. Isso porque os gastos com o FUNDEB (recursos federais para a educação básica e média) estão fora do teto da PEC 241. Quanto aos gastos com saúde, a Constituição Federal garante um gasto mínimo com os mesmos.

No entanto, e esse sim, aos meus olhos, é um problema sério da PEC 241, os investimentos públicos não estão protegidos. O teto garante uma limitação ao crescimento dos gastos, não diz como irá se dar o mesmo, entre as diferentes despesas. Deste modo, se uma despesa é elevada para além da inflação, outra despesa terá que ser reajustada aquém do crescimento inflacionário. Portanto, grupos de pressão irão se formar em prol de defenderem seus respectivos direitos. Em outras palavras, a luta política vai ficar mais clara nos futuros orçamentos públicos. Logo, os grupos com maior poder de reivindicação, como funcionários públicos com sindicatos bem arregimentados e atuantes, pressionarão por seus direitos de ganhos reais em seus salários. O que pode reduzir as despesas em outras áreas, como as despesas sociais.

Não dá para expandir o gasto público “ad infinitum“. O que torna a proposta da PEC 241 salutar. No entanto, não seria necessário criar uma emenda constitucional, bastaria elaborar uma lei. No entanto, dada a precariedade da situação presente, o impacto e a rigidez de uma emenda constitucional, geram uma sensação de confiança junto aos mercados financeiros que concederão esse crédito ao governo, ao financiar sua dívida.

Todavia, como dito alhures, o mais complicado não é isso. O maior complicador está no tempo alongado, de 10 anos (a mesma pode ser revisada ao fim desse prazo), isso irá gerar um elevado superávit primário, já que a receita será atrelada ao PIB nominal, enquanto as despesas, à inflação. Com um superávit primário de 5 a 6% do PIB, poderemos ter investimentos públicos que impeçam a qualidade da infraestrutura para escoar futuros crescimentos produtivos. O que pode criar gargalos inflacionários e limitadores de ganhos em produtividade, dada a precariedade presente na infraestrutura atual do país.

Quanto à possibilidade de emissão monetária, seria um caminho a monetização desses déficits públicos, o problema pode ser dividido em duas partes. Primeiro, o governo precisa de algo superior a R$ 1 trilhão por período de 12 meses, hodiernamente; assim, R$ 170,5 bilhões representam menos de 20% desse total. Segundo, uma vez atingido certo ponto, suficiente para reaquecer a economia, quem nos garante que o sistema político aceitaria abrir mão da emissão monetária, dado que a alternativa seria conter o gasto público e, portanto, limitar os interesses políticos.

* Marcio Pereira Nunes é professor de economia da Faculdade Mackenzie Rio

Sobre o Mackenzie
A Universidade Presbiteriana Mackenzie está entre as 100 melhores instituições de ensino da América Latina, segunda a pesquisa QS Quacquarelli Symonds University Rankings, uma organização internacional de pesquisa educacional, que avalia o desempenho de instituições de ensino médio, superior e pós-graduação.
Vera Batista

Posts recentes

  • Governo federal
  • Serviço público
  • Servidor
  • Servidores públicos

Evento sobre administração pública terá Marina Silva e Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile

A transformação do estado e da administração pública será o tema de um congresso nacional…

4 dias atrás
  • Governo federal
  • Serviço público
  • Servidor
  • Servidores públicos
  • STF

CLT substituirá concursos? Especialista explica decisão do Supremo

  Por Raphaela Peixoto e Renato Souza — O Supremo Tribunal Federal (STF) validou nesta…

2 semanas atrás
  • Governo federal
  • Serviço público
  • Servidores públicos

Entidades de servidores públicos se unem para debater gestão pública e previdência

Mais de 150 entidades que integram o Instituto Mosap (Movimento dos Servidores Públicos Aposentados e…

1 mês atrás
  • Serviço público
  • Servidores públicos

STJ aprova convocação temporária de 100 juízes para a Terceira Seção

Por Raphaela Peixoto — O Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou, nesta quarta-feira (11/9), uma…

2 meses atrás
  • Curso
  • Educação
  • Servidores públicos

Enap oferta palestras e oficinas gratuitas para servidores públicos

A Escola Nacional de Administração Pública (Enap) está com inscrições abertas para 199 atividades, incluindo…

3 meses atrás
  • Governo federal
  • Serviço público
  • Servidores públicos

Lula: governo está inovando na maneira de contratar servidores

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou que o governo federal está…

3 meses atrás