Foi publicado ontem no Diário Oficial da União (DOU) o Decreto nº 9.527 que cria a força-tarefa de inteligência para o enfrentamento ao crime organizado
A iniciativa, dizem especialistas, é aparentemente boa, mas pode ser mais uma sem efeito na prática, já que não traz inovação e não amplia o raio de ação dos órgãos envolvidos. O decreto determina que a força-tarefa tem “as competências de analisar e compartilhar dados e de produzir relatórios de inteligência com vistas a subsidiar a elaboração de políticas públicas e a ação governamental no enfrentamento a organizações criminosas”. E será composta por representantes de vários ministérios, polícias e Forças Armadas, que serão indicados em 10 dias.
Para João Paulo Martinelli, criminalista do IDP-São Paulo, a composição do grupo levanta, no mínimo, dúvidas sobre o compartilhamento de dados sigilosos entre órgãos que, por imposição legal, não falam entre si sobre determinados assuntos. “Em processo penal ou criminal, qualquer modificação é regulamentada por lei federal, aprovada pelo Congresso, e não por decreto presidencial. De outra forma, pode ocorrer uma burla nas atribuições. E pelo que veio descrito no Decreto, a força-tarefa terá um papel meramente consultivo, sem atuação determinante para conter o crime organizado”, criticou.
Martinelli explicou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que órgãos “com dever de sigilo podem compartilhar entre si informações de investigados, mas a discussão sobre provas emprestadas para uso em denúncias criminais ainda dá margem a debates”. Além disso, o Decreto é muito vago, não discrimina as funções, bases de dados, os limites do uso ou como cada órgão vai solicitar informações. Para o criminalista Getúlio Humberto Barbosa de Sá, do escritório Barbosa de Sá e Alencastro, diante das restrições ao uso de provas e evidências, a criação da força tarefa foi equivocada. “Essa ação governamental vai apequenar o escopo de atuação da Polícia Judiciária, encarregada desse tipo de investigação. Outros órgãos de inteligência servem para aparelhar o Estado de informações relevantes para a proteção e segurança institucional dos cidadãos. Não são para o enfrentamento do crime comum, organizado ou não”, detalhou Sá.
Pedro Delarue, diretor do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) esclareceu que o Código Tributário Nacional (CTN), ao pé da letra, determina que o compartilhamento de informações fiscais pode ser feito ao Poder Judiciário, outras autoridades tributárias (estaduais ou municipais) e ao Banco Central, por solicitação ou intercâmbio previamente estabelecido. “O CTN, de 1966, foi modificado em 2001 e ampliou a entrega para outras autoridades, quando houver prática de infrações administrativas. Em nenhum momento são citadas organizações criminais”.
Jordan Alisson, presidente do Sindicato Nacional do Banco Central (Sinal), reforçou, que o mecanismo de fiscalização das contas bancárias já existe e é muito eficiente. “Se alguém faz um depósito em valor incompatível com seu padrão de renda, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coafi) analisa o ilícito e faz um relatório de inteligência. Ou seja, temos um órgão de vanguarda, elogiado fora do país”, sintetizou Alisson.
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