Segundo ex-ministro do Trabalho, é preciso incentivar as micro e pequenas empresas e coibir excesso de ações na Justiça trabalhista. “O que protege o empregado não é a lei, é a renda. Se tivermos um mercado de trabalho forte, com equilíbrio da oferta e da demanda, o trabalhador não tem o que temer”, disse. “Entre 2005 e 2015, passaram pela Justiça do Trabalho, somente em passivo oculto, R$ 143,6 bilhões. O Judiciário virou uma instância patológica. Isso cria um clima de insegurança jurídica que provoca a fuga do capital”, reforçou Pazzianotto
VERA BATISTA
Ex-ministro do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), antigo defensor de sindicatos e federações de trabalhadores e também um dos criadores e executores do Plano Cruzado, em 1986, e do seguro-desemprego, o jurista Almir Pazzianotto Pinto demonstra preocupação com os rumos da reforma trabalhista da maneira como está sendo discutida no Congresso.
Ele também considera um equívoco o governo ter começado as transformações estruturais pela reforma da Previdência, alvo de calorosas polêmicas. Seria preferível, diz, iniciar os ajustes na economia com estratégias que sinalizassem ao mercado que o empresário efetivamente passará a ter segurança jurídica.
Em consequência, as mudanças na CLT não terão o retorno desejado se pelo menos dois pontos não forem atacados: a alta tributação das micro e pequenas empresas, maiores empregadoras do país, e o fim do “passivo oculto”, mecanismo que permite que o trabalhador entre na Justiça e, por ser considerado a parte fraca, vença a causa.
“Entre 2005 e 2015, passaram pelas mãos da Justiça do Trabalho, somente em passivo oculto, R$ 143,6 bilhões. Nenhuma economia funciona assim. O Judiciário virou uma instância patológica. Isso cria um clima de insegurança jurídica que provoca a fuga do capital”, explica Pazzianotto.
Segundo ele, “o que protege o empregado não é a lei, é a renda”. Com um mercado de trabalho forte, o cidadão não tem o que temer. Até porque já não existe mais aquela velha e ferrenha oposição entre capital e trabalho, vigente em outros tempos. “Não como era no início do século passado”, argumenta. Ele não discute detalhes dos recentes escândalos que vieram à tona com a Lista do Fachin, mas lamenta: “Está todo mundo enrolado, e já não se sabe mais o que vai acontecer com esse Legislativo”.
Um dos principais argumentos do governo para fazer a reforma trabalhista, além de modernizar a legislação para acompanhar a evolução do mercado de trabalho, é reativar a economia. O senhor acha que essa meta será alcançada?
Se eles conseguirem reativar a economia será um grande sucesso, porque nós medimos o sucesso do mercado do trabalho pelo que acontece na economia. Não é uma coisa teórica. Esse é um desafio de muito tempo. Há meses, se discute o assunto. O que eu tenho receio é de que, como naquela peça de Shakespeare, se discuta muito para nada.
O que pode ser feito para evitar um discurso sem resultados práticos?
A questão fundamental é se o empresário vai se sentir seguro para voltar a investir. O empresário sempre faz seus cálculos. Ele vai fazer a estimativa levando em conta dados como: se temos 13 milhões de desempregados e mais de 13 milhões de subocupados, segundo o IBGE, quanto dinheiro será suficiente para criar, que seja, dois milhões de empregos? É a partir dessa resposta que a economia poderá começar a andar. Emprego não é uma coisa gratuita que brota após a chuva. É preciso que seja incentivada uma atividade realmente geradora de emprego.
Que ramos da economia deveriam ser incentivados?
Se investirmos em tecnologia, por exemplo, o resultado do mercado de trabalho poderá ficar aquém das expectativas. Temos que agir em outra direção, nas micro e pequenas empresas, que criam mais empregos que as grandes. Afinal, 60% a 70% do mercado brasileiro de trabalho está nas micro e pequenas. E cerca de 80% delas têm até cinco funcionários. E as micro, que têm maior potencial, estão sendo mais prejudicadas se olharmos a carga tributária e trabalhista que pesa sobre elas.
Mas a reforma trabalhista não as contempla?
A reforma não cogita a redução da carga tributária. Observe que a questão da prevalência do negociado sobre o legislado é, sem dúvida, uma parte boa da reforma trabalhista. Mas não chega às micro. Diz respeito às grandes. O microempresário não pensa em negociação coletiva. Não se sabe ainda, com certeza, quantos pontos da CLT serão modificados. Mas dois deles são podem ficar de fora. O governo sabe o que veio para fazer, que é algo ambicioso. Mas talvez não revele totalmente o conteúdo por causa da oposição, que é ferrenha.
Quais são os dois pontos que não podem ficar de fora?
Tem que tratar especialmente das micro e pequenas empresas, como já disse, e combater o “passivo oculto”, um item que às vezes é alimentado pela Justiça do Trabalho. Vou dar um exemplo: um empregado é demitido, recebe o que foi acertado entre as partes e o que ele acha que merece. Depois — e há sempre quem o alerte sobre isso —, ele entra na Justiça para buscar outros direitos que ele pensa que tem. Isso pega o empresário de surpresa. Surge uma conta monstruosa, às vezes uma condenação que o patrão nem sabe de onde e nem porque veio.
Mas o que o empregado faz, nesses casos, não é buscar o que deixou de receber por direito?
Às vezes, não. É fundamental que se dê eficácia plena ao recibo de quitação. O que não é feito, atualmente. Teve uma empresa de navegação do Pará, por exemplo, que contratou por temporada uma quantidade imensa de trabalhadores, supostamente dentro da lei. Ao serem dispensados, eles resolveram demandar o vínculo empregatício no período. Ganharam na Justiça o reembolso e a empresa, um passivo oculto de R$ 200 milhões.
Para o senhor, então, a lei atual superprotege o trabalhador?
A lei permite que ele abra infinitos processos porque relativiza o valor do recibo. A relação é insegura. Se alguém compra em uma loja em 10 prestações, quando acaba de pagar, o dono do estabelecimento não vai exigir mais duas parcelas. Isso não existe. Mas nas relações trabalhistas, o normal é que todo o empregado tenha na mochila um passivo oculto. Basta procurar um advogado que saiba cobrar.
E como se resolve esse dilema?
Dando ao recibo a validade que ele tem. Reconhecendo que o trabalhador não é incapaz. Que ele é responsável por seus atos. Na Justiça do Trabalho, de 2012 a 2016, portanto, em cinco anos, o número de processos cresceu de 8 milhões para 17 milhões. Em 2016, apenas, foram 3 milhões de processos novos. Pior: entre 2005 e 2015, passaram pelas mãos da Justiça do Trabalho, somente em passivo oculto, R$ 143,6 bilhões. Nenhuma economia funciona assim. O Judiciário virou uma instância patológica. Isso cria um clima de insegurança jurídica que provoca a fuga do capital.
O que produz essa litigiosidade?
Temos um problema gerado pela globalização, pela informatização, pelo excesso de população e pela litigiosidade. Sobre os três primeiros, não temos controle. Mas os problemas com a lei poderíamos ter enfrentado buscando maneiras de solução de conflitos que não fossem pelo Judiciário. Questões que poderiam ser resolvidas por comissões de conciliação, nas quais se estabeleça que o recibo tem validade plena.
Essa restrição do direito de ressarcimento futuro não poderá causar uma cultura de abuso de poder econômico?
A micro e a pequena empresa, nesse caso, não podem abusar do que não têm, que seria o poder econômico. O que protege o empregado não é a lei, é a renda. Se tivermos um mercado de trabalho forte, com equilíbrio da oferta e da demanda, o trabalhador não tem o que temer. Não existe mais a velha oposição entre empregado e empresário — não como era no início do século passado, quando o trabalhador começou a se politizar. Lá atrás, ele estava excluído.
Hoje é diferente? Por quais motivos o empregado teria mais força para negociar?
Não dá mais para fazer um paralelo com o século 19 ou com a primeira metade do século 20. Em nenhum lugar do mundo o trabalhador teve mais poder do que na União Soviética. E o que aconteceu com ele? Nada. Porque a economia não ajudou. Tem que ter mercado de trabalho. Em 2010, houve uma explosão dos gastos com salários do trabalhadores da indústria, da construção civil e do comércio porque havia mais procura do que demanda. Mudou a lei? Não. O que mudou foi o mercado. O que fragiliza o mercado, hoje, é a crise. E a CLT precisa ser renovada porque temos mais de 26 milhões de pessoas em dificuldade. Não adianta dar direitos, se não tem crescimento econômico.
Técnicos que apoiam a reforma trabalhista afirmam que as mudanças nesse mercado ocorrem no mundo inteiro.
Atualmente, é mais barato comprar roupa masculina na Inglaterra, pela internet, do que no Brasil. As gravatas de lá têm excelente padrão e estampa sofisticada. Mas o que tem a legislação brasileira a ver com a loja inglesa? É que o governo está tentando levar o Brasil a esse nível. Em certa medida, está no caminho certo. Mas começou pelo lado errado. Eu não teria iniciado as mudanças pela reforma da Previdência, porque é um assunto que causa muita polêmica. E a prova está aí. O Executivo está vacilante, já recuou duas ou três vezes.
Como o senhor começaria? Há esperança ainda de manter os ajustes no mercado de trabalho, diante dos últimos acontecimentos envolvendo políticos na Operação Lava Jato?
Eu seria um cirurgião visando a segurança jurídica. Sem isso, ninguém vai investir. Os empresários precisam de regras claras, objetivas e fáceis de entender. E quando o jurista quer, ele faz a coisa simples. Na Constituição de 1988, a época era de grande esperança. Achamos que o Brasil ia mudar. Porém, o que temos agora? Duzentos e cinquenta artigos e 94 Atos das Disposições Transitórias (que deveriam ser revisados). Mas, quase 30 anos depois, pouco foi feito. E não se sabe como esse Congresso vai atuar. O fato é que o parlamento brasileiro não se manifesta mais no conjunto. A reforma trabalhista está sendo feita por uma comissão. Enfim, o fato é que está todo mundo enrolado e já não se sabe mais o que vai acontecer com esse Legislativo.
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