Dois anos de reforma da Previdência e pouco a comemorar

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VERA BATISTA

FERNANDA STRICKLAND

A reforma da Previdência completou dois anos em 12 de novembro. Para o governo e apoiadores das alterações nas aposentadorias e pensões, a aprovação do texto foi uma vitória. Estava prevista inicialmente economia aos cofres públicos de mais de R$ 1 trilhão, em 10 anos, depois, caiu para R$ 855 bilhões. Os números oscilam, mas são sempre ressaltados os benefícios para o país, como a contribuição para o ajuste fiscal e a ampliação dos investimentos. Os críticos, no entanto, lembram que números robustos dizem pouco. O cidadão não se resume a um CPF e vive realidade diversa em um país como o nosso, de expansão continental.

O Ministério do Trabalho e Previdência entende que a Nova Previdência (EC nº 103) representou avanços significativos, sustentabilidade e equidade do sistema. A fixação de idade mínima, de contribuições por faixas de salário e a convergência de regras entre regimes são importantes conquistas e aproximam as regras brasileiras do resto do mundo, informa a nota do órgão. “Mesmo com os avanços, a despesa com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) deverá saltar de cerca de 8,6% do PIB, em 2022, para 13,9%, em 2060. Antes as estimativas eram de 16,4% do PIB em 2060”, confirma.

O aumento da idade média de aposentadorias por tempo de contribuição subiu de 55,3 anos para 55,85 anos entre 2019 e 2020, além de redução significativa na taxa de crescimento da despesa, apesar do forte impacto da pandemia de covid-19, aponta. “O resultado do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) da União, por exemplo, caiu de um déficit de R$ 53 bilhões, em 2019, para R$ 48,5 bilhões em 2020”. Em relação aos estados, 19 já fizeram reformas previdenciárias amplas (AC, AL, BA, CE, ES, GO, MG, MT, PA, PB, PI, PR, RJ, RN, RO, RS, SC, SE, SP), contabiliza o órgão.

Mas mesmo entre os que defendem as novas regras, há quem aponte pontos frágeis, Washington Barbosa, diretor de Relações Governamentais do Instituto de Estudos Previdenciários, Trabalhistas e Tributários (Ieprev), assinala que os mais pobres não foram prejudicados. E os impactos da reforma serão sentidos daqui para frente, “para a classe média”. Quem se aposentaria aos 55 anos, por exemplo, terá que adiar para os 62 anos ou mais. “Sentiu imediatamente no bolso quem recebeu (após a reforma) a pensão por morte. Os dependentes de quem morreu em 14 de novembro de 2019 já tiveram o valor reduzido”, diz. A a queda no orçamento foi brutal.

Se o falecido estava na ativa, o montante da pensão vai ser calculado com base na aposentadoria por incapacidade e os herdeiros vão receber menos da metade que for definido como “cota família”. “Ou seja, se recebia mensalmente R$ 4 mil, a cota corresponderá a R$ 2,480 mil. Com o abatimento previsto nas regras, de 50%, cai para R$ 1,240 mil. Se tinha um filho, acrescenta-se 10% (sobe para R$ 1,488 mil), se dois, serão 20% (R$ 1,984 mil). Ou seja, saiu de um valor mensal de R$ 4 mil para R$ 1,984. E não tem regra de transição”, explica Washington Barbosa. Essa regra era válida na década de 1970. “Foi um retrocesso”, admite.

Fabrício Silvestre, economista pleno do TC investimentos, assinala que a principal justificativa para a reforma foi de que a trajetória da despesa colocava em risco o orçamento público – resultaria no direcionamento de todo o orçamento para despesas obrigatórias. “Sob esta perspectiva, observamos que a quantidade anual de benefícios concedidos diminuiu em 6,2% em 2020 e 0,9% de outubro de 2020 a setembro de 2021”, afirma. Ele acha que o prazo ainda é curto para avaliar os impactos.

“Mas as questões sobre os precatórios e o teto de gastos sugerem que as reformas são necessárias para manter a saúde financeira das contas públicas, para permitir que o Estado faça os investimentos necessários em saúde, educação e infraestrutura”, considera Silvestre.

Pobres financiam ricos

João Badari, especialista em direito previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, ressalta que a obrigatoriedade da idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e de 62 para mulheres, imposta pela reforma, fará com que um grande número de pessoas, principalmente as mais pobres, contribuam com o financiamento de um sistema que não terão acesso. A população de periferias urbanas ou das zonas rurais precisa entrar no mercado de trabalho mais cedo e vive em situação precária, o que diminui a expectativa de vida. “Por outro lado, moradores de bairros nobres de grandes cidades, em melhores condições de renda, vivem cerca de 80 anos e contam com o benefício por mais tempo, com a contribuição dos mais necessitados”, diz.

Essa conclusão ficou clara, diz Badari, na edição de 2021 do Mapa da Desigualdade, da Rede Nossa São Paulo, e expôs como as novas regras colocaram uma boa parcela dos trabalhadores em um limbo previdenciário. “Segundo o documento, os moradores de 15 dos 96 distritos da capital paulista têm expectativa média de vida inferior a 63 anos. Na comparação entre extremos, o morador do bairro periférico Cidade Tiradentes, na zona leste, tem a menor idade média ao morrer, com 58,3 anos. Já no rico bairro paulistano Alto Pinheiros, a expectativa média de vida da população é de 80,9 anos, o que significa praticamente 16 anos de aposentadoria”, aponta Badari.

Thais Riedel, presidente do Instituto Brasiliense de Direito Previdenciário e da Associação Confederativa Brasileira da Advocacia Previdenciária (Acbrap), destaca que a reforma era necessária, em razão do envelhecimento da população e da inversão da pirâmide etária. Mas, infelizmente, centrou todas as discussões no aspecto econômico, sem um estudo atuarial prévio. “No entanto, quando se trata de direito social, fator que mexe na dignidade da pessoa, as mudanças não podem ser feitas tão somente com base na economia monetária. É preciso avaliar o impacto dessas medidas na vida do segurado”, alerta.

Alguns pontos mereciam mais melhor reflexão, diz Thais, como, por exemplo, o cálculo da pensão por morte, da aposentadoria por incapacidade, a idade mínima, a diferenciação entre a metodologia de cálculo da mulher servidora pública e da mulher segurada do regime geral, a imunidade tributária da contribuição dos aposentados e pensionistas portadores de doenças incapacitantes, a própria aposentadoria por incapacidade quando decorrente de doença grave, incurável ou contagiosa que não tem mais o cálculo diferenciado, aponta Thais.

“Os impactos para os servidores foram mais acentuados, em especial para o sexo feminino. Além da elevação da idade mínima, tempo de contribuição e da alíquota de contribuição previdenciária, perderam a possibilidade de cumulação integral de pensão e aposentadoria e por fim poderão arcar com contribuição extraordinária no futuro”, alerta Thais Riedel.

A advogada, Amanda Caroline, especialista em direito previdenciário diz que, passados dois anos, há pouco o que se comemorar. “A reforma representou um endurecimento criterioso das regras e o retrocesso de alguns direitos para quem sonha em se aposentar”. A especialista destaca que, “até o momento, não foram observadas melhorias, tampouco, vantagens para os contribuintes, que passaram a acreditar que o direito à aposentadoria é algo intangível”, comentou.

Previdência privada

De acordo com pesquisa da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprev), mais de 13 milhões de brasileiros tem previdência privada no Brasil. O cálculo indica que 6,5% da população brasileira fizeram esse tipo de plano. O economista Marcos Holanda explica que a covid-19 mudou o hábito econômico do brasileiro e trouxe a consciência da necessidade de planejamento do futuro. “Entre 2020 e 2021, a procura e contratação pelo serviço privado cresceu 16% em todo o Brasil”, diz Holanda.

Thais Riedel aponta que os fundos de pensão, embora tenham reduzido o montante de captação recentemente, não estão exatamente registrando perdas. “Na verdade, estão registrando custo de oportunidade. Importante registrar que a Taxa Básica de Juros (Selic) está subindo, o que melhora a rentabilidade dos títulos públicos, onde a maioria dos fundos tem aporte. Os fundos de uma forma geral têm alcançado a meta de investimento que são traçadas de forma conservadora. E mais, os investimentos dos fundos são feitos a longuíssimo prazo, logo referidas perdas podem ser recuperadas. Não há motivo para desespero”, informa.

Vera Batista

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