Já é motivo de preocupação entre especialistas da área jurídica a ideia do futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, de investigar a origem de quase R$ 175 bilhões que estavam irregularmente no exterior e foram regularizados por brasileiros em função dos programas de incentivo à internalização de recursos editados nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer. Os Programas de Regularização de Recursos mantidos no exterior anistiam crimes como evasão de divisas e sonegação fiscal, mediante mera declaração de posse dos valores e de sua licitude, sem qualquer tipo de análise sobre a origem dos recursos ou da capacidade econômico-financeira de seus beneficiários
Segundo o tributarista Igor Mauler Santiago, sócio fundador do Mauler Advogados, a investigação é possível, “mas caberá ao Estado provar que os recursos são ilícitos, e não ao contribuinte provar que são lícitos”. Mauler acrescenta que esta é a regra geral no Estado de Direito, “ainda mais aplicável aqui porque se tratava de valores não declarados à Receita, cuja origem por definição não foi documentada. E esse crime foi anistiado pela lei”.
Opinião semelhante tem o criminalista Armando Mesquita Neto, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados. Segundo ele, o artigo 9º da Lei nº 13.254/2016, prevê que o contribuinte-declarante perde todos os benefícios fiscais quanto os relacionados às questões criminais caso tenha declarado inveridicamente que os recursos mantidos no exterior tinham origem lícita. Portanto, caberá ao Estado provar que a declaração — de origem lícita — é falsa.
Já o também tributarista André Menescal Guedes, do Nelson Wilians e Advogados Associados, considera “louvável a iniciativa do futuro ministro, que não se distancia dos parâmetros norteadores do Programa de Repatriação, concluído com recorde mundial de arrecadação pelo governo brasileiro em 2016 e 2017”. Guedes explica que “recursos ilícitos nunca fizeram parte do escopo da lei de repatriação e não estão livres de investigação”.
Mas o tributarista do NWADV faz uma ressalva: “É preciso cuidado na escolha das medidas a serem adotadas, para que não firam as garantias dadas pela lei e não criem mais uma crise de segurança jurídica para aqueles que, longe de ocultar a origem espúria de recursos no estrangeiro, só desejavam acertar suas contas com o Fisco”, afirma.
Compatibilização com leis estrangeiras
Para Luciano Santoro, doutor em Direito Penal pela PUC-SP e sócio do Fincatti Santoro Sociedade de Advogados, as declarações do futuro ministro trazem insegurança jurídica. “Quem participou do processo, o fez confiando nas instituições federais, prestou todas as informações e atendeu os requisitos do Programa. Portanto, entendo que, a essa altura, falar em investigar os recursos repatriados é um verdadeiro desserviço. Caberá ao ministério provar se houve algum tipo de irregularidade, não ao contribuinte”, afirma. Ele lembra, ainda, que a Lei da Regularização, “apelidada de ‘lei da repatriação’, indevidamente — uma vez que não foi necessário trazer de volta os bens, mas apenas declará-los —, não foi uma simples opção, mas uma imposição, que compatibilizou as leis estrangeiras de combate ao crime organizado com as recentes leis brasileiras que apontam no mesmo sentido”.
No entender do criminalista e constitucionalista Adib Abdouni, a proposta de Moro de abrir uma investigação acerca de ativos financeiros repatriados por programas de incentivo fiscal de governos anteriores resultará “em desvirtuamento da finalidade da Lei 13.254/16, uma vez que o texto legal já impunha como condição da legalização de sua internalização em território nacional a comprovação, por parte do aderente, da licitude da origem dos recursos e a não condenação em ação penal pelos crimes listados no parágrafo 1º do artigo 5º dessa lei”. Para Abdouni, não é crível que os órgãos de controle responsáveis pelo deferimento da repatriação desses capitais tenham, indiscriminadamente, “contribuído para burlar o texto legal, tampouco que o crime organizado tenha exposto à Receita Federal seu poderio financeiro de origem manifestamente ilícita”.
Por sua vez, a advogada Nathália Peresi, especialista em Direito Penal Tributário e sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados destaca que a disposição do futuro ministro Sérgio Moro de investigar as chamadas operações de repatriação deverá, por certo, “observar as garantias tributárias e penais ofertadas pelo próprio Programa aos contribuintes, sob pena de ser considerada ilegal. “De qualquer sorte, não se perca de vista que este Programa não contempla os valores considerados como de origem ilícita, que parecem ser alvo agora de Moro. O debate por certo estará nos elementos de comprovação de tal origem”, conclui.
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