Constituição não permite às Forças Armadas agirem como “Poder Moderador”, afirmam especialistas
Um artigo do professor Ives Gandra da Silva Martins publicado na semana passada continua tendo grande repercussão. De um lado recebeu aplausos dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e dele próprio. Mas, de outro, a interpretação de Martins, de 85 anos, ao artigo 142 da Constituição Federal recebeu duras críticas de especialistas. Segundo Martins, tal artigo confere às Forças Armadas o papel de “Poder Moderador”, o que permitiria a elas interferir nos conflitos atuais entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Daniel Gerber, criminalista com foco em gestão de crises e compliance político e empresarial, discorda da interpretação de Ives Gandra. “Com o devido respeito ao nobre professor, e sem nenhuma espécie de demérito ao papel das Forças Armadas, vale aqui o antigo ditado segundo o qual ‘as armas representam o fracasso da diplomacia’”, afirma Gerber.
Ele observa que no caso de conflitos internos entre poderes, a convocação das Forças Armadas se dá “exclusivamente quando o diálogo e a consequente negociação entre poderes se tornou inviável. Sem dúvida, ainda estamos longe de tal ponto, não obstante os evidentes abusos praticados na órbita dos três poderes que formam nossa República. Abusos, entretanto, integram a própria humanidade e suas respectivas instituições, motivo pelo qual sua simples existência não condiz com a conclusão pela falência do espaço dialogal entre todos”.
Por sua vez André Damiani, criminalista especializado em Direito Penal Econômico e sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados, entende que o artigo 142 da Constituição Federal não permite que as Forças Armadas façam uma intervenção que resulte no fechamento do Congresso ou do STF. “A Constituição não dá respaldo a qualquer ação desse tipo. A eventual tomada do poder pelos militares, ainda que temporariamente, representaria um golpe de Estado”, afirma. Para Damiani, é verdadeira falácia o argumento de que a Constituição teria alçado as Forças Armadas ao patamar de “Poder Moderador”.
O criminalista explica que a Constituição autoriza “de modo excepcional — condicionado à aprovação de lei complementar, conforme art. 142, parágrafo 1° — o apoio das Forças Armadas nas chamadas ‘ações de garantia da lei e da ordem’ (GLOs), cuja legalidade não se discute. Veja-se o exemplo da intervenção na Segurança Pública do Rio de Janeiro, no final do governo Temer”.
O especialista destaca, ainda, que a aprovação de uma lei complementar depende da sua aprovação por maioria absoluta tanto no Senado como na Câmara dos Deputados, conforme prevê o artigo 69 da Carta.
“Aliás, a interpretação sistemática da Constituição Federal sepulta a possibilidade de se instalar o tal ‘Poder Moderador’ como panaceia da sociedade civil. Nesse sentido, por exemplo, o artigo 5, inciso XLIV, define que ‘constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático’. Em resumo, o único agente público que merece desfrutar de poder, sem qualquer moderação, é o povo”, conclui Damiani.
Por sua vez Benedito Cerezzo Pereira Filho, professor de Direito da UNB e sócio da banca Marcelo Leal Advogados, afirma que a ideia lançada no texto (de Ives Gandra), “além de não ter pertinência com a democracia, é perigosa, principalmente para os dias atuais e diante das ‘ameaças’ de alguns de uma intervenção nos poderes Legislativo e Judiciário”.
Segundo o professor Benedito Cerezzo, não é demais lembrar que as Forças Armadas estão sob o comando do chefe do Poder Executivo. “Por isso, a intervenção delas, em certa medida, será a vontade dele. A Constituição é conquista do povo — civil —, é cidadã e, assim, não permite intervenção das Forças Armadas nos poderes constituídos, nem sobre a ‘especiosa capa de hermetismo’ de se preservar o regime democrático”, enfatiza.
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