VERA BATISTA
Servidores públicos do Distrito Federal não estão convencidos de que o presidente Michel Temer vai mesmo retirar o funcionalismo municipal, estadual distrital da reforma da Previdência (PEC 287/2016). Eles interpretaram o anúncio como uma armadilha para provocar uma cisão entre os trabalhadores e em seguida pegá-los desprevenidos. “A lei previdenciária é de competência da União e por isso ninguém estará livre dela. Na verdade, todos devemos nos preocupar mais ainda. O governo não é bobo. Está armando algum novo ataque”, alertou José Luiz da Conceição, presidente do Sindicato dos Servidores e Empregados da Administração Direta, Fundacional, das Autarquias, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista do Distrito Federal (Sindser).
O objetivo que está por trás desse artifício, na avaliação do sindicalista, é o desejo do presidente Temer de se proteger e a seus aliados da pressão contra uma possível retirada de direitos adquiridos. “Para se ter uma ideia, nenhuma manifestação distrital consegue caminhar com tranquilidade até o Congresso porque a polícia não nos deixa passar da Rodoviária. Porque sabem que estamos falando sério e, em conjunto, vamos cobrar uma ação concreta dos deputados que se elegeram com nossos votos”, destacou José Luiz. A especialista em direito previdenciário Thaís Riedel, do escritório Riedel Resende e Advogados Associados, disse ainda não está claro como Temer pretende manobrar para deixar a maior parte dos servidores de fora.
“O Artigo 40 da Constituição é claro ao tratar da Previdência para União, Estados e municípios e o Artigo 24 diz que as outras esferas podem fazer uma espécie de adaptação à sua situação específica. Há inclusive jurisprudência no Supremo Tribunal Federal (STF) defendendo regras iguais”, ressaltou Thaís. Ele lembrou que, quando o governo federal decidiu cobrar contribuição previdenciária dos inativos, estados e municípios tentaram estabelecer alíquotas diferenciadas, mas a Suprema Corte exigiu que o desconto fosse uniforme. Além disso, a estratégia de Temer, disse, desencadeou uma revolta ainda maior nos federais. “Eles estão se sentindo ainda mais injustiçados. Será difícil agora mantê-los dentro da PEC”, assinalou.
Outros especialistas em direito previdenciário entendem que a surpreendente decisão do governo federal foi política e uma tentativa “desesperada” de aprovar a PEC 287. Na visão de João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, a mudança “abala um dos principais pilares da reforma enviada ao Congresso, que era a universalização de regras entre os regimes previdenciários”. Além disso, estados e municípios não têm força para alterar seus próprios regimes. “Dificilmente conseguirão. Essa crença de mudanças será apenas uma ilusão”, afirma.
Para o advogado Murilo Aith, o objetivo foi preparar o terreno pra o pleito de 2018. “ Não há outro motivo para o governo federal, há um ano e meio das eleições, retirar os servidores da reforma a não ser o de fortalecer a base política, tentando passar a reforma”, opina. Ambos destacam que o trabalhador e segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) será o único a pagar a conta. “Vão perder direitos com as duras regras, como a idade mínima de 65 anos, tempo mínimo de contribuição de 25 anos, entre outras alterações que servidores estaduais, militares, políticos e outras categorias estarão cobertas”, alertam.
Mercado assustado
Até mesmo especialistas que defendem a reforma da Previdência discordaram da estratégia do governo federal. Eles entendem que colocar a responsabilidade de mudanças no sistema de previdência locais nos ombros de governadores e prefeitos, além de desfigurar o texto enviado ao Congresso, abre as portas para que outras categorias de servidores pressionem para ficar de fora. “O governo corre o risco de perder o controle da situação e prejudicar, ou pelo menos atrasar, o necessário ajuste fiscal. Abrir esse precedente dá espaço para que os funcionários federais deduzam que também não devem ser atingidos pelas novas regras”, destacou José Roberto Savoia, professor da Saint Paul Escola de Negócios.
Para os entes federados, que vão ficar sem o guarda-chuva da União, o perigo é de negociações lentas e sucessivos episódios de calotes de salários, aposentadorias e pensões. “Acho que precisamos aperfeiçoar alguns pontos, como os 49 anos de serviço, quando em outros países não chega a 43, e a cassação de benefícios ao pensionista que já tenha uma aposentadoria. Mas não podemos estragar uma reforma tecnicamente bem ancorada como a que foi apresentada ao Congresso. Não podemos ficar com uma reforma esvaziada”, reclamou Savoia.
No entender do especialista em contas públicas Luiz Fernando Camargo Prudente, professor da Faculdade de Direito do IDP-São Paulo, “uma meia reforma é muito pior para o país”. “Penso que um recuo a essa altura demonstra uma eventual fragilidade na governabilidade. Ou seja, um receio de que, sem ele, não conseguiria aprovar nada. O mercado já começa a perceber que as medidas para ajustar as contas não têm a densidade que se esperava”, destacou. A tentativa de compartilhar as dificuldades da União com os Estados foi desastrosa, na avaliação de Prudente. “O Brasil precisa de uma mudança efetiva no sistema previdenciário. As últimas reformas, tanto na gestão de Fernando Henrique, quanto na de Lula, foram paliativas”, reforçou.
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