“É um humor de constrangimento, no qual as pessoas se expõem mais do que deviam, as situações são desenhadas para isso”. É dessa forma que o ator Rafael Pimenta define a websérie Confessionário online, que estreia nesta sexta-feira (2/10), nas redes sociais dele (@orafapimenta) e no canal oficial da produção no YouTube.
Pimenta é o protagonista da trama que gira em torno de Padre Esteves, um sacerdote que se apaixona por uma fiel, a personagem Mariana (Rita Batata), e, por isso, decide continuar atuando no ofício longe da amada. Assim, constrói um projeto de confissões virtuais para se esconder e, ao mesmo tempo, atender aos fiéis da igreja.
O projeto nasceu na quarentena encabeçado por Tomás Fleck, roteirista e diretor da trama. Ao lado de Pimenta e outros artistas do elenco, como Paula Silvestre, Fleck era um dos nomes por trás do espetáculo Mal de família, que, antes da pandemia de covid-19, estava em cartaz no Teatro Cacilda Becker, em São Paulo. A peça, inclusive, é uma das inspirações para a websérie.
“Posso dizer que o projeto surgiu como uma solução artística durante o período de quarentena. A proposta de abordar a igreja foi alimentada desde o espetáculo Mal de família, que ele escrevia e eu dirigia. Nós nos divertíamos muito com as cenas que aconteciam dentro da igreja. Como Tomás é bastante atento ao mercado de séries e audiovisual, assim que entramos em quarentena, ele pensou numa proposta que pudesse ser realizada durante esse período e, inspirado num episódio de Modern family, elaborou esse formato que une confissão e linguagem de telas de computador”, explica o ator.
Gravada remotamente, a série utiliza a linguagem que o público já se adaptou na vida pandêmica: a das telas de aplicativos de videoconferência. “Acho que o público vai se identificar com esse formato “entre telas”, pois essa linguagem já faz parte da nossa rotina. É legal de ver a tela do computador, a dinâmica dos aplicativos, os problemas de transmissão se transformarem em história”, avalia Paula Silvestre, que interpreta Laís, uma fanática religiosa que acredita ter recebido um chamado de Deus para acelerar o apocalipse e busca no confessionário virtual um modo de certificar que está seguindo os passos corretos.
Laís é apenas uma das personagens que interage com Padre Esteves. Ao longo da narrativa, o protagonista se depara com fiéis que transformam a experiência num pesadelo. “O público pode esperar confissões bizarras, conflitos estranhos, discussões, trolagens, tem um pouco de cada”, adianta Paula. “As personagens que povoam a série são um pouco reflexo desse contexto: um troll de internet, uma fanática, um padre conservador, uma paixão e um policial linha-dura. São sujeitos obcecados pelos seus problemas que desafiam a carreira e a fé do Esteves”, completa Pimenta.
O projeto foi todo gravado na quarentena. Quais foram os desafios desse trabalho remoto?
Rafael Pimenta: Em um set estamos acostumados a conviver com várias pessoas. Cada uma responsável por uma tarefa — produção, direção, fotografia, direção de arte, som, figurino, etc. Durante a gravação, a nossa casa virou um set. Ela foi habitada por várias presenças virtuais. Mas, a maior parte das tarefas tiveram de ser cumpridas por mim e pela Paula Silvestre, que é minha esposa. Então, além de atores, viramos operadores de câmera, assistentes de arte, de captação de som, de figurino. A equipe ficava em contato pelo computador e fazia o controle de cada tarefa. Na parte da atuação havia a dificuldade de contracenar com a colega de cena sem a sua presença física. O tempo do diálogo muitas vezes ficava comprometido, por isso repetimos muitas vezes para oferecer o máximo de versões possíveis.
Paula Silvestre: O primeiro desafio foi entender a nova linguagem, pois gravaríamos sozinhos, falando com a câmera. Os ensaios eram realizados pela plataforma Zoom, e não tínhamos muita ideia do que estávamos fazendo, de como o trabalho ficaria. Até que o diretor, Tomás Fleck, começou a gravar os ensaios. Depois, foi assistindo o que havíamos feito, que fui entender um pouco mais de qual que era esse jogo. Dava para ver que funcionava, o que passava a mensagem da personagem e o que faltava. Aí, durante as filmagens veio um segundo desafio: operar a câmera para o meu companheiro, Rafael Pimenta. Passei três dias lutando para acertar o foco da câmera. Eu filmava, na sequência a diretora de fotografia, a Luciana Baseggio conferia se eu tinha acertado o foco ou se teríamos que refazer. Foi uma loucura, qualquer movimento mínimo que o Rafael fizesse ele saía do foco, e eu tinha zero experiência com câmeras. Foi tenso, mas gostei bastante do resultado.
Como tem sido para vocês esse período na pandemia? Tiveram muitos trabalhos afetados?
Paula Silvestre: No começo foi bem frustrante. Tínhamos esse projeto no Teatro Cacilda Becker, Cacilda Toda Terça, no qual uma das programações era Mal de família. A peça teria 10 capítulos e haviam mais de 20 pessoas envolvidas no trabalho. Lotamos a casa nas apresentações dos dois primeiros capítulos e nem começamos a ensaiar o terceiro, a pandemia chegou antes. Foi muito triste. O roteiro era sensacional, toda equipe técnica, atores e atrizes estavam super envolvidos, numa conexão que é difícil de chegar. O público estava adorando e acompanhando. O Cacilda Toda Terça seguiu no formato de lives, mas foi impossível dar sequência a peça. Desde então, fizemos algumas lives dirigidas pelo Rafael Pimenta. Paralelo a isso, filmamos o Confessionário online logo no começo da pandemia. Cheguei até a gravar um comercial em casa – filmado totalmente remoto. Enviaram pra minha casa câmera, luzes, caixas e caixas de objetos, figurinos, cenário… Deu super certo! Além disso, a minha sorte é que eu trabalho desde 2013 como locutora publicitária. A carreira de atriz acabou me levando pra esse lado também. Eu já tenho home studio desde que comecei a trabalhar com isso. E o lado positivo é que foi um trabalho que não parou. Pelo contrário, a demanda durante a pandemia tem sido alta. O mercado de voz já estava em ascensão e acredito que a pandemia acelerou alguns processos, como podcasts, assistentes virtuais… Além de inúmeros vídeos com avisos, alertas, posicionamentos das marcas em relação à covid-19, fechamento dos estabelecimentos, e agora, reabertura e procedimentos de segurança para esse momento.
Rafael Pimenta: O espetáculo Mal de família que foi interrompido pela pandemia fazia parte de uma ocupação de coletivos de humor no Teatro Cacilda Becker. O espetáculo foi encerrado, mas a programação dos grupos, que se chama Cacilda Toda Terça, continuou por meio de lives. Nos próximos dias, meu grupo fará uma transmissão de dentro do teatro a partir das histórias do meu podcast. Faço parte do elenco do espetáculo Improvável, da Cia. Barbixas. Tínhamos apresentações marcadas durante o ano, que foram canceladas. Além disso, costumo trabalhar como ator em campanhas publicitárias. Até consegui participar de uma campanha, gravando de dentro de casa, junto com a Paula, aquela do Pipoca e Guaraná, do Guaraná Antártica, mas esse mercado foi bastante prejudicado e os atores ficaram muito fragilizados.
Rafael, você está com dois projetos de podcast. Como eles surgiram?
Rafael Pimenta: O podcast talvez tenha sido a linguagem com a qual me senti motivado a produzir na quarentena. É resultado de uma longa parceria que tenho com o ator e radialista Eduardo Mendonça, que é o Padre Jesus no Confessionário online, e também dono da produtora Papier Podcast. A Enciclopédia do Teatro Impossível foi o primeiro. Me proponho a narrar histórias de fracassos do teatro brasileiro, e conto com convidados do meio teatral. O projeto se relaciona muito com aquela ideia de permanecer fazendo teatro. A escolha de reunir fracassos é uma forma de representar o momento do teatro hoje, um pouco fruto da frustração geral, mas também um esforço de entender e valorizar que o teatro é feito de inúmeras tentativas que quase nunca dão certo e dificilmente serão reconhecidas – como as produções canceladas, os ensaios, as lives. Já o Saúde, Bem Estar e Zumbis é um podcast de humor. Foi uma maneira de levar a experiência da improvisação teatral. Me juntei com o Eduardo Mendonça e o comediante Erick Clepton e propus uma situação engraçada onde poderíamos criar de maneira espontânea: que tal um programa com dicas de bem estar realizado por sobreviventes de um apocalipse zumbi? Nós atuamos de forma remota, por meio de ligação, e por enquanto tem dado certo. Nos divertimos muito.
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