O novo ano de The handmaid’s tale abre novos ciclos e, como nunca, olha para o futuro de forma vigorosa
Todo fã de série já deve ter reparado que as produções funcionam em ciclos. Óbvio que não é uma receita fechada, mas existe uma espécie de “linha criativa” que dita rupturas ou mudanças ao longo das temporadas. Nesse sentido, os primeiros anos são aqueles em que o enredo rola fácil, os plots são quase sempre efetivos. Já a terceira e a quarta temporadas são a prova de fogo. Um chão precisa existir, a história tem de achar uma base, e é exatamente na linha de encontrar a estabilidade ou ficar chata que muitas se perdem. The handmaid’s tale tropeçou por essa linha, mas não se perdeu.
A história principal da produção da Hulu nos Estados Unidos — e que é transmitida no Brasil pelo streaming Paramount+ — é longa e cheia de camadas. É importante voltar a um fato fundamental (que é a base da série): a relação entre June (Elisabeth Moss) e Gilead.
No fim da terceira temporada, a grande sensação era de que The handmaid’s tale não tinha entendido o sentido abstrato dessa relação. Na prática, o público se frustrou com mais uma “derrota” de June, que simplesmente não conseguia se livrar do lugar — algo que já tinha ocorrido na segunda e primeira temporadas. Até aí tudo bem. A série baseada na obra literária de Margaret Atwood não seria a primeira a tropeçar na linha do “ficar chata”. O impressionante mesmo foi como ela se levantou no ano seguinte.
Construção e coesão
Cuidado, spoilers à frente
O episódio de estreia da quarta temporada, chamado Pigs, mostrou um degrau abaixo em toda a barbárie de Gilead. Novos personagens se misturaram aos antigos. Tragédias eram esperadas, e chegaram. Desde o começo, ninguém pode alegar que June se transformou no “monstro” visto no último episódio, The wilderness, de uma hora para outra. Desde os primeiros momentos da temporada, com a execução do olho algoz da Sra. Keyes (Mckenna Grace), June já estava alimentando o ódio que lhe levaria ao ápice da vingança logo mais à frente.
Sair de Gilead, algo que antes parecia tão impossível, chegou no meio da temporada, sem muito escândalo, no sétimo episódio, Home. Antes, é claro, alguns traumas se acumularam na vida da mulher. Ela “perdeu” a filha novamente em Nightshade. Perdeu as amigas (agora literalmente, sem aspas), em The crossing — o primeiro episódio dirigido por Elisabeth em toda a série —, e percebeu que a vida fora de Gilead não seria tão perfeita assim em Chicago.
Nos nove primeiros episódios da nova temporada (que soma 10 no total), The handmaid’s tale deu um show de narrativa. Elementos “quase esquecidos” voltaram para explicar mais daqueles personagens tão singulares (como o flashback da mutilação de Alexis Bledel e o do aborto de Janine). E por falar em personagens singulares, The handmaid’s tale se voltou a cada um deles com merecida atenção. As pontas das histórias se amarraram. Os personagens tinham um propósito, entravam e saíam da história nos momentos certos, de forma organizada (tanto no núcleo Gilead, quanto no núcleo Canadá).
E se no roteiro tudo andou bem, o elenco deu show à parte. Desafiando-se, Elisabeth Moss entrega uma June que beira a perfeição. Ela não precisava provar mais nada (temos três temporadas de exemplo), mas com a personagem beirando a loucura, uma nova camada de atuação apareceu aos fãs — o monólogo de Home com Serena (Yvonne Strahovski) certamente ficará marcado na história da televisão.
Mas nem só de Elisabeth Moss The handmaid’s tale vive. O. T. Fagbenle finalmente ganhou o merecido tempo de tela para explorar as nuances de Luke. Bradley Whitford volta com um mais ousado Lawrence. Até Sam Jaeger consegue um destaque com o “justo” Tuello.
The wilderness
O décimo e último episódio da quarta temporada de The handmaid’s tale, o The wilderness, teve um objetivo claro: a catarse. June ressignificou a palavra “sofrer” ao longo da série, e entre tantos culpados por isso, eventualmente a justiça deveria ser feita, certo? Bem, não exatamente.
Um fato importante (que a série já tinha pontuado antes) sobre o assunto, é que mesmo sendo uma democracia, a justiça no Canadá não é perfeita. A liberdade de Fred (Joseph Fiennes) — mesmo com tantos crimes que o homem cometeu — foi uma dura possibilidade para June. Tão dura que, para derrotá-la, a mulher resolve apelar para a justiça à la Gilead.
A cena final talvez não tenha sido uma unanimidade entre os fãs, mas dificilmente não despertou nenhum senso de catarse, de prazer, de recompensa. Além de abrir importantes portas para os possíveis próximos episódios da produção: afinal, quem será o novo vilão?
Em síntese, a trajetória deste novo ano de The handmaid’s tale se apresenta como um dos melhores da produção até então (ao lado da temporada de estreia), onde a série não só corrigiu os tropeços do passado, como evoluiu de forma prazerosa.