A cada temporada Stranger things avança em sua narrativa. Na primeira, o arco da história girou em torno do desaparecimento de Will (Noah Schnapp) e da chegada de Eleven (Millie Bobby Brown), uma menina com superpoderes, a Hawkins, dois acontecimentos que culminavam no aparecimento de uma força misteriosa e no conceito do mundo invertido. A segunda leva de episódios se passou um ano após a narrativa anterior e mostrou um Will ainda perturbado pelos fragmentos do mundo invertido e do devorador de mentes. Na terceira sequência, Stranger things segue seu caminho crescendo na história, agora, focada numa evolução do devorador de mentes para dominar o mundo — ou, ao menos, Hawkins.
A terceira temporada de Stranger things se passa no verão de 1985. Apesar disso, o primeiro episódio mostra momentos de 1984 quando as forças russas estão tentando abrir um portal, semelhante ao que foi fechado por Eleven na segunda temporada. A produção não explica o verdadeiro interesse dos russos nisso, mas fica claro que os estrangeiros farão de tudo para reabrir o portal, seja na Rússia, seja nos Estados Unidos.
Depois dessa introdução, Stranger things volta para Hawkins e estabelece como está a vida de cada personagem nesse novo contexto: Eleven namora com Mike (Finn Wolfhard) e continua a morar com Hopper (David Harbour), que não está nada feliz com a aproximação dos jovens; Joyce (Winona Ryder) permanece de luto pela morte do amado na temporada anterior; Will sente um não pertencimento ao lado dos amigos; Nancy (Natalia Dyer) e Jonathan (Charlie Heaton) estão trabalhando no jornal da cidade; Dustin (Gaten Matarazzo) também sente a distância dos colegas após uma temporada em um acampamento; Max (Sadie Sink) e Lucas (Caleb McLaughlin) engataram o romance iniciado nos episódios passados; Steve (Joe Keery) está trabalhando numa sorveteria do novo shopping da cidade, já que não conseguiu entrar na faculdade; e Billy (Dacre Montgomery) parece mais calmo atuando como salva-vidas na piscina comunitária da cidade.
Os dramas pessoais dos personagens não são a única coisa que preenche a narrativa de Stranger things. Pelo contrário, eles são um recurso paralelo e interessante. No entanto, o grande enredo da temporada é a volta do devorador de mentes a Hawkins, graças a interferência dos russos, que começam a reabrir o portal fechado por Eleven. Com isso, parte dessa força sobrenatural é reativada e volta a ameaçar a pequena cidade em Indiana.
É nesse momento que Stranger things estabelece um novo jeito de introduzir o vilão. Tudo que foi usado na primeira e na segunda temporada, aqui ganha uma evolução. Que num primeiro momento pode causar estranheza. A série, com mais cores e efeitos visuais ainda mais elaborados, ganha ares de filme de ação dos anos 1980. A correria, os confrontos de luta e a forma com que o devorador de mentes escolhe para sobreviver lembra muito produções como Alien. A série perde um pouco daquele terror do que não se vê, indo para um suspense em que o vilão está bem estabelecido na cara do espectador.
Por ter muitos personagens, Stranger things opta por trabalhá-los em núcleos. O que é um acerto, mas ao mesmo tempo um risco. Há núcleos legais e que funcionam, como o formado por Dustin e Steve, a dupla que virou queridinha na temporada passada, ao lado de Erica (Priah Ferguson), a irmã de Lucas, e Robin (Maya Hawke), a companheira de trabalho de Steve na sorveteria. O quarteto entrega cenas engraçadas e as mais legais da terceira temporada. Cabe aos quatro descobrir o envolvimento russo na principal ameaça de Hawkins depois de decifrar um código captado por Dustin e que vem do shopping Starcourt.
Do outro lado, temos Nancy e Jonathan investigando o misterioso comportamento dos ratos em Hawkins, que até é interessante, pois traz discussões da função da mulher na sociedade nos anos 1980 e desenvolve a narrativa, mas, ao longo da temporada, é repetitivo; a interação entre Joyce e Hopper, que é a mais sem graça da temporada, pois vende-se um romance de gato e rato, ao mesmo tempo que tem uma correria para descobrir se há ou não uma ameaça novamente à cidade, num enredo pra lá de cansativo; e o grupo formado pela maioria dos jovens, com Mike, Eleven, Lucas, Max e Will, que vive os dramas de um término em meio a Will voltar a sentir a presença do devorador de mentes e se sentir afastado dos amigos. É legal ver a interação entre os casais e o estabelecimento da amizade entre Eleven e Max, mas Will parece perdido no núcleo.
De modo geral, Stranger things tratou bem seus personagens. A maioria deles cresceu na terceira temporada. Os novatos da segunda, por exemplo, Erica e Billy ganharam merecidos tempo de tela. Ela na interação do melhor núcleo; e ele assumindo de vez um papel de vilão, já que o devorador de mentes escolhe o irmão de Max para ser o hospedeiro na terceira temporada. Também é interessante a escolha da série de mostrar mais do passado do personagem, introduzindo o motivo de sua revolta e violência constante.
Apesar disso, dois personagens do elenco principal ficam à mercê do roteiro. Will é o principal deles. Era melhor ter matado o jovem na temporada anterior. O menino ficou completamente sem objetivo nos novos episódios, sendo usado apenas para repetir a mesma frase “ele está aqui”. É compreensível e até correto que não se decidisse incluir novamente o personagem no drama do devorador de mentes. Mas ele poderia ter tido um papel muito mais interessante e bem explorado. A série também perdeu a oportunidade de explorar uma possível descoberta da sexualidade de Will, já que Mike, em um dos diálogos, até joga na roda. No entanto a produção não segue para esse caminho.
O outro personagem que também tem defeitos nesta temporada é Hopper, outro que, como Will, foi destaque na segunda temporada. O xerife está chato e rabugento, o que, nos primeiros momentos, é engraçado. Só que depois serve para criar um ranço do personagem. A relação dele com Joyce é infantil e cansativa, tanto que há até um diálogo dentro da série que explica isso: “essa briguinha de vocês no começo era legal, mas já passou da graça”. Pelo menos nos episódios finais, a série se redime e entrega um personagem bem melhor.
Como dito anteriormente, Stranger things escolhe explorar de forma diferente a narrativa dos novos episódios. O que é interessante, pois repetir a fórmula é um erro constante em outras produções. A decisão causa estranhamento inicial, mas depois e, principalmente, com os últimos episódios, dá para entender a escolha do roteiro.
A questão dos russos como parte da vilania é dúbia. Ao mesmo tempo que é uma repetição de enredos norte-americanos de sempre colocar os russos como vilões, serve para entregar as melhores cenas, já que a invasão do núcleo encabeçado por Steve e Dustin às instalações russas garante as melhores cenas da temporada.
Também é muito legal que Stranger things decide em sua terceira temporada seguir um rumo de despedida — é preciso saber a hora de terminar. A sequência poderia facilmente ser um término e seria um encerramento ainda no auge. Há uma cena pós-créditos que dá a entender que vem mais uma sequência aí, mostrando uma outra evolução dos monstros do mundo invertido que poderia ser explorada em novos episódios explicando o motivo pelo qual os russos têm tanto interesse nessa questão.
A terceira temporada de Stanger things mostra que a série mudou e se desenvolveu. Ganhou mais ação e menos terror. Explorou bons personagens e se descolou de vez do tributo ao passado — há referências óbvias, mas não é um recurso constante, como anteriormente. Entretém e agrada aos fãs, mesmo que em uma temporada mais inconsistente que as demais.
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