Trama deu um salto de dez anos, mas temas continuam pesados e vingança precisa de um contraponto em O outro lado do paraíso. Leia crítica do primeiro mês da novela!
O paraíso é um lugar que nos acostumamos a imaginar cheio de coisas boas, passarinhos cantando, pessoas plácidas, paisagens estonteantes. Por isso não é de se estranhar que o outro lado do paraíso tenha o oposto de tudo isso. No ar há pouco mais de um mês, a novela O outro lado do paraíso exagera, porém, nessa visão e o autor Walcyr Carrasco nos apresenta uma trama onde só há o lado sombrio da vida e onde até os mocinhos são movidos a sentimentos torpes, como a vingança.
Apresentada nesta semana, a virada de O outro lado do paraíso trouxe Clara (Bianca Bin, sem e menor garra necessária para o papel) tirando forças sabe-se lá de onde para sair de um caixão de madeira lançado ao mar. Em terra, ela reencontra Duda (Glória Pires, grande atriz que merecia papel melhor, até agora), que ela conheceu como Elisabeth (saiba mais sobre essa nova fase da novela aqui).
Foi-se o tempo em que compaixão e amor eram combustíveis para as mocinhas dos folhetins. Hoje, elas estão mais para heroínas e lutam pelo que acham justo doa a quem doer, o que não deixa de torná-las mais críveis, o que é muito bom.
O que não é nada bom é esse excesso de coisas ruins e pesadas em O outro lado do paraíso. Se a trama de Clara é de difícil digestão ー as cenas da primeira fase em que ela era agredida pelo marido Gael (Sergio Guizé) trouxeram luz a essa importante questão, com serviço de incentivar que mulheres denunciem os agressores à polícia ー , era necessário que os núcleos periféricos dessem pelo menos um respiro ao pobre do espectador. Mas não.
Não é a primeira vez que uma mocinha vingativa dá o tom de uma novela. Pelo menos duas vezes isso foi feito com sucesso: em Quatro por quatro (1994) e em Avenida Brasil (2012). O primeiro caso era completamente diferente e a trama de Carlos Lombardi estrelada por Letícia Spiller, Betty Lago, Elisabeth Savalla e Cristiana Oliveira era uma comédia rasgada. As quatro atrapalhadas amigas passaram a novela inteira tentando se vingar dos maridos de maneiras nada convencionais.
Mas isso não acontecia com o mega sucesso Avenida Brasil. A novela de João Emanuel Carneiro tinha a espinha dorsal baseada numa trama dura e pesada, que envolvia a vingança tramada por Nina (Débora Falabella). Mas havia comédia e leveza em outros personagens. Até mesmo a vilã Carminha (Adriana Esteves, mais histriônica do que nunca) tinha momentos de graça. A mansão onde Tufão (Murilo Benício) morava era uma confusão só, liderada pelos pais dele, Leleco (Marcos Caruso) e Muricy (Eliane Giardini). O romance que envolvia Cadinho (Alexandre Borges) e suas três mulheres Verônica (Débora Bloch), Noêmia (Camila Morgado) e Alexia (Carolina Ferraz) é outro exemplo de comédia dentro da densidade de Avenida Brasil.
Dez anos depois, O outro lado do paraíso ainda é triste
Dez anos se passaram em O outro lado do paraíso e Gael não aprendeu e nem foi punido pela polícia, que sabe do que aconteceu, mas, corrupta, acoberta o rapaz mediante propina paga pela mãe dele, Sofia (Marieta Severo). Atriz como poucas, Marieta sabe dar a força necessária para uma vilã. As cenas delas maltratando a filha Estela (Juliana Caldas — leia crítica sobre a atuação de Juliana) são muito boas e o romance com Mariano (Juliano Cazarré) também deve decolar. Mas leveza, que é bom, nada!
Talvez a saída esteja no salão de beleza comandado por Nick (um irreconhecível Fábio Lago). A comédia, mesmo que caricata, dá o tom no local. É ali que as madames da sociedade de Palmas fofocam e falam abobrinhas com os funcionários. E que o afetado Nick se derrete pelos funcionários fortes e tatuados ー estereótipo total. Mas funciona (mais pela atuação de Fábio Lago do que por qualquer outra coisa) e diverte.
As cenas que envolvem Fernanda Montenegro e Lima Duarte como Mercedes e Josafá também podem ser uma saída. Se não para a comédia, para a beleza, para a pureza dos personagens. Fora que a dupla dá um banho em cena, especialmente Lima, na mesma forma dos velhos tempos, como você pode ler aqui.
Só que é muito pouco para uma trama que ainda tem uma mãe racista que proíbe o filho de ser feliz ao lado da mulher que ele ama porque ela é negra; e um médico que se rende ao preconceito da sociedade e se casa com uma mulher mesmo se sentindo atraído por homens. Isso sem falar em discussões que estão previstas, como assédio que Clara deve sofrer do patrão ao ir trabalhar na casa da neta de Beatriz (Nathalia Timberg, perfeita numa participação especial que mereceria ser estendida).
Os famosos (e temidos) grupos de discussão já alertaram: está faltando graça em O outro lado do paraíso. A virada, prevista para dali a cerca de 10 capítulos, foi adiantada. Vamos ver se funciona. Torcida daqui e talento de Walcyr não faltam. Mais amor, por favor!