Sucesso com comédias nos palcos, o brasiliense Bernardo Felinto se esbalda como o vilão Kaara em Órfãos da terra

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Bernardo Felinto não deixa Brasília sair dele. O Kaara de Órfãos da terra mantém um curso de teatro na capital federal e se apresenta ao lado da companhia Os melhores do mundo. Confira entrevista com o ator!

Vinte e quatro horas. Esse foi o tempo que o ator Bernardo Felinto teve para criar o vilão Kaara, personagem que defende em Órfãos da terra, novela das 18h da Globo. “Do momento do convite à primeira gravação, eu tive praticamente dois dias”, conta Bernardo, em entrevista ao Próximo Capítulo.

O nome de Bernardo passa longe de ser desconhecido do público brasiliense mais atento à cena do teatro local. Mais em específico, às comédias da cidade. O ator é um dos fundadores da cia De quatro é melhor e hoje dá expediente na cia. Os melhores do mundo quando o titular Victor Leal não pode cumprir a temporada.

Mas não pense que fazer drama na telinha assusta Bernardo. Pelo contrário: o ator jura que está à vontade no desafio. “Eu sempre gostei muito de personagens dramáticos. Como fiz comédia durante muitos anos, queria me arriscar em personagens mais densos, principalmente na TV e no cinema. Para os personagens mais complexos dramaticamente, faço sempre um mergulho na construção da personagem. Trabalho muito uma coisa que ensino para os meus alunos, o estudo da cena. É um trabalho de mesa, pré-cena”, explica.

Ex-aluno de artes cênicas tanto na UnB como na Faculdade Dulcina de Moraes e professor do curso de teatro que leva o nome dele há 10 anos, Bernardo Felinto é cria dos palcos e se alimenta deles para continuar atuando. Por isso, ele lamenta a crise que nossa ribalta enfrenta “há muito tempo”, com fechamento de espaços tradicionais em várias capitais brasileiras. Indignado, ele reclama do “absurdo” e da “negligência” com que o setor é tratado em Brasília também: “O governo atual querer tirar recursos do FAC para reformar a sala Martins Pena é totalmente incoerente. Claro que queremos a reforma do Teatro Nacional, mas não nesses termos. A cultura é sempre a primeira prejudicada, mesmo quando apontamos os índices reais de geração de empregos e a propagação de arte para as cidades menos favorecidas.”

Na entrevista a seguir, Bernardo Felinto fala sobre a novela Órfãos da terra, política cultural, formação de plateia e de atores e muito mais. Confira!

Leia entrevista com Bernardo Felinto

Crédito: Danilo da Mota/Grupo Magneto. Bernardo Felinto em cartaz na peça Tudo sobre nossa vida sexual.

Como você foi parar no elenco de Órfãos da terra?
Eu já venho fazendo testes na Globo há alguns anos. Já fiz dezenas de participações e fui contratado da emissora duas vezes. Com o tempo, acabei ficando conhecido de alguns produtores de elenco. Uma das produtoras me chamou para fazer um papel depois de ver o meu último teste na Globo, feito há um mês. Ela me explicou o personagem, falou que tinha o meu perfil. Fiquei muito feliz com o convite, estava fora da tevê há um tempo e achei muito importante ter conseguido o papel, tanto pela visibilidade quanto pelo exercício da atuação.

Você entrou na trama com a novela em andamento. Isso atrapalha o desenvolvimento do personagem?
Eu tive que criar o personagem em 24 horas. Do momento do convite à primeira gravação, eu tive praticamente dois dias. A desvantagem de entrar numa novela em andamento é que o elenco já está muito entrosado. Levei uns dias pra entender o tom da novela, o ritmo das gravações e a forma como os diretores queriam contar essa história. Tive a sorte de poder trabalhar com os quatro diretores da novela, todos muito prestativos e competentes. Os atores me receberam super bem e, do segundo dia em diante, já estava bem confortável. O ator com quem mais contraceno, o Carmo Della Vechia, foi sensacional comigo. Conversávamos bastante sobre a atmosfera das cenas e sobre a carreira do ator…Foi uma experiência muito bacana.

Interpretar um vilão como Kaara era um sonho?
Não diria que um sonho. Mas um desafio grande. Na minha opinião, interpretar um vilão é sempre mais divertido que interpretar o mocinho. O antagonista tem camadas mais densas, tem uma motivação mais interessante por trás, é geralmente um personagem com muitos conflitos internos. Eu gosto de personagens que exigem busca e aprofundamento. O meu personagem era um bandido, alguém que precisava daquilo para continuar vivendo, ao mesmo tempo que era um rapaz que buscava algo melhor, uma vida mais justa. Um reflexo interessante da nossa sociedade atual. Na minha concepção, como ator, não podemos julgar o personagem. Nenhum personagem é simplesmente bom ou mau. O que interessa para a composição é saber o que o levou a chegar até aquele momento presente, as circunstâncias prévias, o contexto daquela trajetória.

Nos palcos, você fez muitas comédias, como Não durma de conchinha e Tudo sobre nossa vida sexual. Como faz nos personagens mais densos que vive na tevê?
O teatro é a minha base como ator. Tenho 17 anos de carreira nos palcos. E posso afirmar com certeza absoluta que, se não fosse a experiência que tenho no teatro, teria muita dificuldade em fazer TV. No teatro, aprendi a criar personagens do zero, em questão de segundos, ou a fazer 10 personagens diferentes durante uma peça. Isso te prepara como ator, te dá confiança. Quem faz teatro, faz qualquer linguagem com mais facilidade. Eu sempre gostei muito de personagens dramáticos. Como fiz comédia durante muitos anos, queria me arriscar em personagens mais densos, principalmente na TV e no cinema. Para os personagens mais complexos dramaticamente, faço sempre um mergulho na construção da personagem. Trabalho muito uma coisa que ensino para os meus alunos, o ¨estudo da cena¨. É um trabalho de mesa, pré-cena.

Você é formado em teatro em Brasília. Qual é a sua relação com a cidade?
Eu sempre estudei teatro, fiz muitos cursos livres. Depois entrei em artes cênicas na UnB, fiz um tempo na Faculdade Dulcina e, em 2018, fiz um curso de atuação para cinema em Nova York. Sempre recomendo se formar em teatro, antes de partir para cursos de TV ou cinema. A minha relação com Brasília é a melhor possível. É a minha casa, meu porto seguro, minha base. Posso passar um tempo fora, viajando, gravando ou estudando, que sempre volto pra cá. Já morei no Rio, em São Paulo, mas sempre volto pra casa. Não sei se um dia isso mudará. Gosto muito de morar aqui. Fora que aqui estão os meus melhores amigos, minha família, meu curso de teatro…

Como você vê as mudanças feitas nas leis de incentivo tanto pelo GDF como pelo Governo Federal? Isso pode significar uma crise no teatro brasileiro?
Sinceramente, vejo que o teatro brasileiro está em crise há muito tempo. É impressionante a quantidade de teatros fechando. Em São Paulo, por exemplo, um dos teatros mais tradicionais da cidade acabou de fechar as portas, o Teatro Augusta. Justamente o teatro que iria me apresentar no segundo semestre. No Rio, o teatro Leblon (com 3 salas de média porte), um dos mais tradicionais da cidade, também fechou. Em Brasília, tivemos recentemente a reabertura do Espaço Cultural Renato Russo, que foi uma coisa maravilhosa. Contudo, o principal palco da cidade, o Teatro Nacional, já está fechado há mais de 4 anos. Acho um absurdo, pura negligência. O governo atual querer tirar recursos do FAC para reformar a sala Martins Pena é totalmente incoerente. Claro que queremos a reforma do Teatro Nacional, mas não nesses termos. A cultura é sempre a primeira prejudicada, mesmo quando apontamos os índices reais de geração de empregos e a propagação de arte para as cidades menos favorecidas. Quem faz teatro comercial hoje, pode ser considerado um herói. Ainda mais sem patrocínio. E me coloco nesse meio. Já fiz teatro com patrocínio, sem patrocínio, mas nunca deixei de fazer. Devo estrear uma peça em São Paulo no segundo semestre, chamada Enquanto estamos juntos. É realmente um movimento de resistência. É uma pena que seja uma linguagem tão desvalorizada, tanto pelo grande público quanto pelas políticas públicas. No Rio, até meados deste ano, os artistas estavam sem praticamente nenhum edital de patrocínio. É um momento muito delicado.

Você dá cursos para atores iniciantes. Como vê a nova geração que vem chegando aí?
O curso de Teatro Bernardo Felinto já existe há 10 anos em Brasília. Lá, formamos mais de mil atores. Eu acho muito prazeroso dar aulas e ver a evolução dos alunos. É um grande aprendizado pra mim também. Acho que vem uma geração muito forte por aí. Eu, por exemplo, tenho alunos talentosíssimos, que já estão prontos para entrar no mercado de trabalho. Tenho alunos que, após se formarem no meu curso, se mudaram para São Paulo ou para o Rio, ou até mesmo para fora do Brasil, para tentar a carreira. Mas é importante ressaltar que o aluno deve ter uma base antes de entrar no mercado para aproveitar bem as oportunidades. No meu curso, o aluno tem a oportunidade de fazer o curso iniciante e depois fazer o curso avançado, em que as técnicas de interpretação são mais desenvolvidas. Mas é válido também lembrar que ser ator é uma carreira e não um momento isolado. Quem quer ser ator/atriz, deve se dedicar durante anos, se preparar para quando as oportunidades chegarem.

Suas peças levaram mais de 70 mil pessoas ao teatro. Como renovar esse público? Você acha que essa é um dos grandes desafios do teatro hoje em dia?
Quando eu criei o De 4 é melhor, com meus companheiros Fabianna Kami e Flávio Delli, tínhamos um propósito: Viver do palco. Conseguimos viver somente dos palcos durante muitos anos, mas tínhamos que ser uma máquina de fazer peças. Fizemos dez peças diferentes em 6 anos, éramos muito focados naquele propósito. Com isso, conseguimos levar um público grande ao teatro. Mas foi muito difícil no início. Fora que, inspirados na Cia de Comédia Os Melhores do Mundo, éramos um grupo de humor. Peças de comédia em Brasília têm maior facilidade de trazer o grande público, assim como os musicais em São Paulo. De uns anos pra cá, venho fazendo peça com Os Melhores do Mundo, substituo o ator Victor Leal (que devido a outros trabalhos, como o Porta dos Fundos, não pode se apresentar em períodos específicos). Vejo que eles têm uma capacidade de renovação do público impressionante. É um grupo consolidado. As pessoas de todas as idades estão na platéia. A renovação do público é diretamente proporcional ao seu incentivo. As pessoas têm que se sentir motivadas a sair de casa para ver uma peça. Não somente de artistas consagrados, mas de artistas locais. Acredito que a mídia pode ajudar muito nisso também.

Você tem o canal Só 1 minuto na internet. A rede é uma boa vitrine para atores mostrarem seu trabalho?
Acredito que sim. Porém, o Canal Só 1 Minuto demorou para ter visibilidade. Como tudo na carreira, é um caminho difícil e exige muita organização. Depois de 2 anos de Só 1 Minuto, já tínhamos mais de 18 milhões de visualizações e mais de 180 mil inscritos. Foi uma vitória. Até hoje, o Só 1 Minuto é o trabalho que me rende mais visibilidade. As pessoas me abordam mais pelo canal, do que pela própria Globo. Fora que me ajudou a conseguir testes na emissora e propagar o meu trabalho no teatro. Quando já estávamos mais estruturados, tínhamos uma produtora por trás, o que nos ajudou muito. Nos estruturamos para fazer o canal crescer. Havia uma pessoa responsável só pela divulgação dos vídeos, outra por marcar agenda de gravações, tínhamos até eletricista no set, era muito bom! É possível que o canal volte a produzir vídeos, estamos analisando. O tempo de dedicação de todos os sócios era muito grande, essa decisão ainda está sendo amadurecida. O artista que quiser abrir um canal hoje para mostrar seu trabalho, tem que pesar que milhares de canais estão sendo abertos a cada hora e que a concorrência no Youtube é gigantesca. Não é fácil criar um vídeo viral hoje em dia. Ressalto a importância de divulgar o produto, em blogs, fazer parcerias com canais que falem a mesma língua, não deixar somente o produto na rede e pronto. Dificilmente o vídeo irá se impulsionar sozinho. De qualquer forma, é uma maneira democrática de ser visto. E nesta profissão, se auto-produzir é fundamental.

Vinícius Nader

Boas histórias são a paixão de qualquer jornalista. As bem desenvolvidas conquistam, seja em novelas, seja na vida real. Os programas de auditório também são um fraco. Tem uma queda por Malhação, adorou Por amor e sabe quem matou Odete Roitman.

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