Quando foi anunciado que a protagonista de Vai na fé (nova novela das 19h) seria evangélica logo instalou-se o receio e o zum zum zum de que a Globo estava se rendendo às tramas bíblicas, consagradas na Record e marca registrada da emissora capitaneada pelo bispo Edir Macedo. Bastou a primeira cena da estreia para entendermos que não correríamos esse risco.
A Sol criada pela autora Rosane Svartman e tão bem defendida por Sheron Menezzes vende quentinhas na rua fazendo paródia de letras do funk carioca para atrair a freguesia. Blasfêmia! O grande trunfo de Vai na fé é que Sol e a família dela ー a mãe, Marlene (Elisa Lucinda, numa composição acertadamente mais contida do que o de costume), o marido Carlão (Che Moais) e as filhas Jenifer (Bella Campos) e Duda (Manu Estevão) ー são evangélicas, mas não é só. Eles vão ao culto, Sol canta no coral da igreja e frases como “não faça isso que é pecado” ou sermões do pastor estão inseridas em cenas.
Mas os personagens, especialmente Sol e Jenifer, vão além. Sol retoma a carreira de dançarina para pagar as contas de casa, trabalha fora e duro para sustentar a família e se orgulha de Jenifer estudar direito numa boa universidade particular como bolsista. A menina não se faz de rogada: o discurso feminista está na ponta da língua, principalmente se for direcionado ao pai.
Sol reencontra Vitinho (Luís Lobianco) e entra para o time de backing vocals e dançarinas de Lui Lorenzo (José Loreto). O encontro deles dois dispara uma série de flash backs que também envolve Theo (Emílio Dantas), Ben (Samuel de Assis), Lumiar (Carolina Dieckmann) e Simas (Marcos Veras). É interessante a maneira como a novela encaixa essas cenas ao longo dos capítulos, no meio das cenas, e não numa didática e, às vezes, chata primeira fase.
A parceria entre Sol e Lui ainda promete render mais. Até agora, o saldo são cenas divertidas, uma atriz no melhor momento da carreira e músicas chiclete daquelas que acaba a cena e você se pega cantarolando “Joana me enganou, mas não me engana mais, me fez de gato e sapato, tirou minha paz…”. Só falta José Loreto render nas cenas em que Lorenzo não está no palco. O ator esbanja sensualidade e graça nas apresentações e logo vai entregar isso também nas outras cenas.
Enquanto isso não acontece, o núcleo sobrevive da inspirada dobradinha Renata Sorrah (Wilma, mãe de Lui Lorenzo) e Lobianco. O texto de Renata é pra lá de divertido e a dupla deita e rola.
Quem também se destacou na semana foi Samuel de Assis. O ator mostrou que com pouco ー um sorriso, um olhar ー é possível dizer muito. Carolina Dieckmann, Bella Campos, Emilio Dantas e Jean Paulo Campos também fizeram bonito. A segunda semana promete bons momentos para Regiane Alves e Caio Manhente, Clara e Rafael.
A obra de Rosane Svartman, autora também das bem sucedidas Totalmente demais e Bom sucesso, tem uma marca que se repete em Vai na fé. A autora escreve novelas leves, propícias para a faixa das 19h, mas não bobas. Temas importantes não ficam de fora. Vai na fé promete tocar, por exemplo, em relacionamento abusivo, machismo, depressão e outros. Começou com o pé direito em ótimas cenas sobre racismo.
Depois de sair de um bar transtornado por ter ouvido absurdos do colega no curso de direito Fred (Henrique Barreira), Yuri é abordado pela polícia, detido e erroneamente reconhecido pela vítima como autor de roubo e estupro. Preso, o rapaz, assim como Jenifer bolsista, conta com a ajuda da professora Lumiar (Carolina Dieckmann) para sair da delegacia. Mas é pelas mãos de Ben, no meio da audiência, que Yuri fica sabendo que o verdadeiro culpado havia sido pego e a queixa contra ele, retirada.
A cena emocionou e, no olhar trocado entre os dois, havia muito mais do que um “obrigado”, havia cumplicidade entre Jean Paulo e Samuel e boa parte do público, identificada com aquela situação. No dia seguinte, ao se despedir do pai para ir para a faculdade, Yuri ouviu a real (recadinho para quem ainda não queria ouvir): “Não passou. Infelizmente, a gente vai ter que fazer sempre mais do que todo mundo.”
O recado de Vai na fé estava dado. A nova novela das 19 vem divertida, alegre, colorida. Merecia uma abertura à altura e um José Loreto mais à vontade ー questão de ajuste, nesse caso. Mas também vem forte, decisiva. A expectativa é que não morra na praia, como as antecessoras Salve-se quem puder, Quanto mais vida melhor e Cara e coragem. Tenhamos fé!
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