Predestinado, série sobre o camisa 9 do Flamengo, reflete a história de diversas crianças da periferia que sonham com uma oportunidade no futebol e vale ser assistida mesmo por torcedores de outros times — mais ainda pelos rubro-negros
Por Fernando Jordão
Um jovem de 24 anos merece ser objeto de um documentário? Depende. Se esse rapaz conseguiu, nas menos de três décadas de vida, entrar para a primeira prateleira de ídolos do clube de maior torcida do mundo, a resposta é sim. Gabriel Barbosa Almeida, o Gabigol, ou Gabi — como pediu para ter escrito na camisa no ano passado — é o personagem central de Predestinado, série documental que chegou ao catálogo do Globoplay no último domingo (28/2), com direção e roteiro de Gustavo Gomes e Marcelo Pizzi.
Para os flamenguistas, nem é preciso expor razões para que conheçam melhor a história do homem que virou lenda ao marcar, em três minutos, os dois gols que garantiram o título da Libertadores da América ao rubro-negro — que só havia conquistado a taça continental uma vez, sob a batuta de Zico, 38 anos antes.
Mas para os demais torcedores, também há bons motivos para querer saber mais sobre Gabriel Barbosa. Por mais que Gabigol seja o típico jogador “ame ou odeie”, a trajetória do menino nascido no morro do Montanhão, em São Bernardo do Campo (SP), reflete a de milhares de crianças brasileiras que sonham em virar jogador ou jogadora de futebol. Da infância na periferia às glórias no gramado, muita coisa aconteceu.
Primeiro episódio de Predestinado
O primeiro episódio da série (outros três serão disponibilizados, sempre aos domingos) mostra as primeiras batalhas de Gabi. E não apenas no campo. As vitórias vêm desde o parto, feito a fórceps, o que acabou por machucar a cabeça do recém-nascido.
As lutas do garoto só são menores que as dos pais, Lindalva Barbosa e Valdemir Almeida, estrelas desta primeira parte. É possível ver que, apenas graças à perseverança deles, o rapaz prosperou. O documentário é farto em imagens, já que Lindalva filmava cada passo em campo do pequeno atleta. Alguns desses registros mostram a inusitada imagem de Gabigol com a camisa do São Paulo. Foi o tricolor quem primeiro lhe abriu as portas.
A distância entre o Montanhão e o Morumbi, contudo, é grande. Não apenas a geográfica, mas a social. Além de ter que pegar três ônibus por dia — sendo que o clube só fornecia dinheiro para dois, o que, muitas vezes, obrigava os pais a percorrerem um trecho a pé com o garoto —, Gabigol tinha que lidar com a desigualdade econômica, que rendeu uma curiosa história relacionada ao isotônico Gatorade, para o qual, ironicamente, o atleta viria a estrelar uma campanha publicitária anos mais tarde.
Além dos pais, aparecem no episódio inaugural algumas das pessoas que acompanharam o início de Gabriel no futebol profissional, como o jornalista Cahê Mota, que cobriu um torneio juvenil no qual o garoto chamou a atenção, e o técnico Muricy Ramalho, responsável pela promoção das categorias de base ao time principal do Santos — onde, na estreia, Gabi saiu da arquibancada para marcar o gol da vitória.
O documentário não se furta de discutir e explicar polêmicas, a exemplo do episódio em que ele teria pedido para não ser chamado de Gabigol, e, é claro, o comportamento impulsivo que, até hoje, lhe rende muitos cartões vermelhos em campo e o ódio dos adversários. Uma das hipóteses levantadas para o jeito marrento — sustentada pelo atual companheiro de elenco Filipe Luís, única referência ao Flamengo no primeiro episódio — é a de que Gabriel gosta de pressão. Predestinado desde o nascimento, é na dificuldade que o garoto brilha.