Não seria exagero dizer que as séries nacionais 3% e Onisciente, ambas da Netflix, são irmãs. Pedro Aguilera é um dos roteiristas e diretores das duas produções. E isso não é um problema, ainda mais porque a “irmã mais nova” Onisciente chega mais madura, com roteiro (algo problemático em 3%) bem delineado e com pitadas de Black mirror, o que dá nova cara à trama que poderia se repetir.
De cara, a série começa mostrando do que se trata a onisciência do título. Não estamos falando de um deus ou de religião, mas, sim de tecnologia. Um sistema de segurança implantado na cidade onde se passa a ação chamado onisciente disponibiliza um drone para cada pessoa. Ali, ficam registradas todas as ações envolvendo os cidadãos, sem falhas, como gostam de alardear os criadores. O resultado disso é que, em cinco anos, foram registrados 4 homicídios na cidade e os assassinos foram presos em todos os casos. “É privacidade com segurança e não versus”, defendem os que acreditam no sistema.
Uma das defensoras do sistema é a protagonista Nina (Carla Salle), que está prestes a passar por um processo seletivo para ser efetivada na empresa que desenvolveu o sistema, sonho alimentado desde a infância, já que o pai dela, Inácio (Marco Antônio Pâmio), é um dos implantadores das ações na cidade e agora está aposentado. Com “provas” bem próximas às feitas em 3% e com propósitos e segregações parecidos, Onisciente mostra sem medo o parentesco com a série anterior. Fica aí uma nota ruim: assim como Bianca Comparato não imprime força à personagem Michelle de 3%, falta vigor à protagonista de Onisciente.
É interessante que somos apresentados aos personagens principais por meio dos drones deles. Enquadrados numa tela menor, eles têm registrados batimentos cardíacos, estado de humor, além de informações básicas, como nome e profissão. Assim, de forma criativa, somos situados em cada uma das relações apresentadas. E, de forma invasiva e polêmica, alguém pode estar tendo acesso a essas informações. Black mirror em suas melhores temporadas.
Às vésperas do tal processo seletivo, porém, Nina descobre que o sistema não é tão infalível como ela pensa. A menina encontra o pai assassinado dentro de casa e se desespera ao descobrir que o drone dele não registrou o que aconteceu porque as imagens deveriam estar, na verdade, no drone do assassino, cuja identidade não foi registrada.
Nina e o irmão dela, Daniel (Guilherme Prates), resolvem investigar por conta própria ー primeiro isoladamente, depois em dupla ー o que aconteceu com o pai, já que os gestores do sistema, Ricardo (Marcelo Airoldi) e Carolina (Fernanda Viacava), não estão muito dispostos a expor um erro do onisciente.
A jovem, tentando não se afastar da empresa para continuar a ter acesso a informações, não vai medir esforços para conseguir o que quer. É interessante notar que estamos diante de uma mocinha que está disposta, inclusive, a ir contra a lei, com a ajuda da funcionária da prefeitura Judite (Sandra Corveloni), ou a brincar com os sentimentos do superior dela na empresa, Vinícius (Jonathan Haagensen), para chegar a seu objetivo.
Essa dualidade dos personagens movimenta Onisciente: Judite, Vinícius e Olívia (Luana Tanaka), melhor amiga de Nina, se mostram bem mais complexos do que traria um simples maniqueísmo. Isso faz com que Sandra Corveloni, Jonathan Haagensen e Luana Tanaka se destaquem no elenco, além de Marcelo Airoldi.
Muitas séries de suspense pecam por duas coisas: entregam muita coisa de uma só vez (geralmente no final), deixando um bom espaço sem que aconteça nada; e não têm um bom gancho de um capítulo para outro, propiciando o abandono da atração pelo público. Onisciente não faz nem uma coisa nem outra. As descobertas de Nina e Daniel são surpreendentes e vão sendo apresentadas aos poucos, como deveria ser sempre. E um capítulo não acaba sem que o público se pergunte “e agora?”. Isso vale também para o último, que deixa o caminho aberto para mais uma temporada, que também pode explorar segredos do passado de Ricardo.
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