Com menções a Warhammer, Sifu, Mega Man, Concord e muitos outros jogos, a série antológica de Tim Miller na Prime Video poderia ter sido melhor polida; leia a crítica
Por Khalil Santos
Diretor de Deadpool e cabeça principal de Love, Death & Robots, Tim Miller traz uma nova série antológica, dessa vez para a Prime Video, com temática voltada para o mundo dos games. Com grandes produtoras como PlayStation, Capcom e Bandai Namco, mas também representantes dos jogos independentes, como a Sloclap, com episódios próprios, o comentado lançamento é Secret Level — Ou Nível Secreto — e apresenta as histórias como forma de influenciar o espectador a conhecer novos jogos. Todos os episódios de Secret Level estão disponíveis na plataforma de streaming da Amazon.
Dividido em 15 episódios e em duas semanas separadas de exibição, Secret Level tenta ser como sua série irmã mais velha, produzir narrativas que tragam o casamento da curiosidade com a criatividade, com o principal fator de gerar o desejo de que existam séries completas de cada episódio que o espectador acabou de assistir. Para atrair o público fora da bolha dos games, Secret Level ainda trouxe astros das telonas tanto para dublar quanto para fazerem a captura de performance dos personagens. O elenco estelar tem nomes como Keanu Reeves, Arnold Schwarzenegger e Kevin Hart.
É possível dividir Secret Level em dois tipos de conteúdo, vídeo promocional e episódio de série. Diferente da indústria dos filmes, muitos jogos costumam ter conteúdos anunciados e divulgados com uma animação em 3D bem renderizada que conta alguma coisa (às vezes nem isso). Em Secret Level, existem muitos episódios assim, com histórias brandas que funcionam facilmente como uma propaganda. O mais odiado entre os críticos foi o último, intitulado Playtime: fullfilment, que é sobre as propriedades intelectuais da Sony PlayStation e conta com aparições dos Helldivers, de Kratos e de um colosso de Shadow of The Colossus. Fora os bons personagens, o capítulo é nulo, realmente parece uma propaganda que a marca faria em eventos. O enredo do episódio até tenta espetar uma classe dentro dos jogos, falando de “gemas” e recompensas fúteis, mas fora isso é de longe o mais fraco da produção. Nessa classe de propaganda disfarçada, Crossfire, Exodus, Spelunky e de Dungeons and Dragons são as decepções, com uma história previsível, e, em alguns desses, até vazia mesmo.
Na segunda parte da série, estão os episódios que querem ser episódios. O mais impactante, mais por nostalgia do que qualquer outro motivo, foi Mega Man: Iniciar, que é extremamente curto, mas sintetiza a história do primeiro jogo do robozinho da Capcom em 12 minutos. Mostrando os Robot Masters do primeiro jogo, como Bombman e uma origem para Mega Man. Isso não só me remeteu ao videogame, mas também a Astro Boy que ganhou uma animação muitos anos depois do lançamento original do anime e do mangá. Não custa nada para a Capcom fazer uma boa animação do Mega Man, principalmente no mundo que Mario e Sonic já provaram que videogame pode ter sucesso em adaptações.
Logo atrás desse curta de Mega Man, vem o episódio que mais gera curiosidade sobre o jogo explorado, New World: O Único e Futuro Rei. O enredo traz um monarca egocêntrico em busca de poder em uma terra onde todas as pessoas são imortais. Derrota após derrota, ele não desiste de seus objetivos. A criatividade mora no fato do capítulo saber aproveitar a temática do jogo New World, um RPG de exploração em uma terra de fantasia, onde existem recursos mágicos e progressão de nível. A história que o episódio propõe consegue instigar a curiosidade de quem nunca jogou o game. Ainda mais, por conta do desenrolar da trama. Vale notar uma performance bem esquisita de Schwarzenegger, a versão dublada agrada mais.
Warhammer 40 mil também foi outro que chamou a atenção. O jogo um enorme lore — termo utilizado para história pregressa que compõe a trama da narrativa — que mistura guerra, religião e doutrina. Contudo, o que instigou foi a narração do sargento Metaurus ao longo do episódio. O personagem fala sobre “O soldado perfeito” e mostra os perigos reais do mundo futurista de Warhammer. A religião é um elemento muito presente na luta contra as criaturas alienígenas, e a crença cega criou soldados de elite. É impressionante como a crítica descobriu Warhammer através desse curta, o jogo já tinha ganhado uma relevância forte graças a sua nova interação, Warhammer 40,000: Space Marine 2, e o episódio talvez tenha sido a centelha final para o desenvolvimento de uma série que adapta o game e que será estrelada por Henry Cavill. A produção está a cargo também da Prime Video e não tem data de estreia definida.
Inspirado em uma franquia de jogos extinta, Unreal Tournament: Xan, traz um episódio bem relevante com uma discussão muito pertinente em tempos de Inteligência Artificial. Xan é um robô que ganha consciência e decide se opor à opressão dos seres humanos em cima das máquinas. Conforme os robôs vão se revoltando, uma parcela deles é capturada para participar de uma batalha em coliseu para a diversão dos humanos. O protagonista decide participar da batalha e vencer. Este episódio é um primor técnico, com os detalhes sendo muito bem feitos. Ele aposta na simplicidade, e daria um filme excelente se fosse feito por Neil Blomkamp de Distrito 9 e Chappie.
O episódio de Sifu lembra muito a animação de Arcane, com um traço primoroso e passando muito bem o sentimento que o jogo traz de um filme de artes marciais, com velocidade e brutalidade. Diferente da maioria dos conteúdos que tentam inovar em história, Sifu apostou no seguro, optando por fazer um recorte de uma fase que tem no jogo e utilizando sua principal característica na narrativa do episódio. Por conta dessa segurança em que Secret Level apostou com Sifu, o episódio agrada. Mesmo com tão pouco, é possível acreditar que seria interessante ver a trama do jogo como uma minissérie em algum lugar no mundo dos streamings.
O último que vale destaque, é um episódio de um jogo morto, o qual circulam rumores de que a Sony investiu 200 milhões de dólares para durar apenas duas semanas existindo. Esse game é Concord. Era dito, na época em que o jogo saiu, que Concord ganharia toda semana uma nova cena, contando e aprofundando sua história. O jogo era um Hero Shooter pago, que seria o primeiro grande jogo por serviço da Sony, feito nos moldes similares a Overwatch. Só que o resultado foi fraco, chegando ao incrível pico de 660 jogadores em seu lançamento. Ironia à parte, um número extremamente baixo. O apelo de marketing era tanto, que meses antes do lançamento já havia sido anunciado um episódio em Secret Level e agora a discussão é sobre o desastre que foi Concord. O episódio em si mostra uma dinâmica interessante entre os personagens. Vale constar que nenhum deles está no jogo. Portanto, a suposição é de que eles fossem adicionados ao elenco depois do lançamento da animação. Mas, um jogo que foi chamado pela internet de “Guardiões da Galáxia do ChatGPT” não tem muito o que se esperar. É triste ver o último prego no caixão de Concord, mas ele foi necessário para lembrar que em algum momento, nem tão longínquo assim, existiu esse jogo.
Secret Level já tem sua segunda temporada confirmada. Talvez, com novas produtoras confirmadas e com um pouco mais de vontade para arriscar tanto na trama, quanto na execução de seus episódios, dê para fazer o que Love, Death & Robots não tinha medo no ano um da produção.