Intérprete do policial Robson em Reality Z, Pierre Baitelli mostra que as consequências do apocalipse zumbi da ficção não estão tão distante assim da vida real. Confira entrevista com o ator
Primeira série nacional de zumbis da Netflix (e talvez a primeira do Brasil), Reality Z não é só fantasia. É claro que a gente não espera que as criaturas invadam as cidades e saiam mordendo as pessoas, como acontece na série. O que une a ficção e a realidade são as discussões que tal apocalipse desperta nos personagens e no público.
“O ar pode ser de fantasia, mas as questões políticas e sociais abordadas na série são muito reais e atuais. Corrupção, abuso de poder, violência contra a mulher, contra as minorias, o individualismo e egoísmo do ser humano. Sem contar o isolamento obrigatório dos personagens por uma questão de sobrevivência. Tudo isso tem um paralelo muito real em relação ao que estamos vivendo hoje”, afirma Pierre Baitelli, intérprete do policial Robson na série, ao Próximo Capítulo.
Robson é um personagem complexo, que tem um arco dramático interessante: começa mostrando a truculência de uma polícia despreparada, capaz de abusar de drogas e de violência durante o expediente; passa por um período de recuperação e o poder acaba subindo à cabeça dele.
“Todos os personagens da série estão extremamente vulneráveis. No caso do Robson, cujos valores morais já são distorcidos, o abuso das drogas e a posse de armas só aumentam suas tendências paranoicas e sua noção distorcida de poder. Não acho, tenho certeza que isso acontece na realidade. Agora, por exemplo, com a recente onda de protestos, estamos podendo testemunhar como a força policial, em grande parte, usa da crueldade e truculência para poder se impor sobre os cidadãos”, reflete o ator.
Orgulhoso de fazer parte de uma produção marcante para o audiovisual brasileiro, Pierre conta que não sabe bem como reagiria no caso de um apocalipse zumbi. A única coisa de que tem certeza é de não sairia por aí atirando, como faz Robson. “Não sou policial e jamais teria uma arma. Não tenho o preparo e nem a experiência do Robson. Talvez, ironicamente, eu ficasse trancado em algum lugar, ou seja, exatamente como estamos fazendo agora”, afirma.
Entrevista// Pierre Baitelli
Reality Z é um projeto ambicioso por exigir efeitos visuais, como maquiagem, caprichados, além de ter que contar com um grande número de figurantes. Como foi a experiência de fazer parte disso?
Reality Z é a primeira produção de audiovisual brasileira do gênero. Estávamos todos aprendendo, mas o trabalho da equipe de caracterização e de efeitos especiais, na minha opinião, foi excepcional e não deve, em nada, às produções estrangeiras. É muito especial poder fazer parte disso.
O Robson de Reality Z acaba trazendo a discussão da violência policial e do uso de drogas e da corrupção na corporação. Como foi abordar temas tão atuais numa série que tem um ar de fantasia?
Bem colocado. O ar pode ser de fantasia, mas as questões políticas e sociais abordadas na série são muito reais e atuais. Corrupção, abuso de poder, violência contra a mulher, contra as minorias, o individualismo e egoísmo do ser humano. Sem contar o isolamento obrigatório dos personagens por uma questão de sobrevivência. Tudo isso tem um paralelo muito real em relação ao que estamos vivendo hoje… Retratar isso, por meio da metáfora do apocalipse zumbi, chega a ser assustador tamanha a proximidade com a realidade que vivemos hoje.
Quando tem o poder em mãos o Robson muda completamente de comportamento, o que o acaba deixando vulnerável. Acha que isso pode acontecer na realidade também?
Todos os personagens da série estão extremamente vulneráveis. No caso do Robson, cujos valores morais já são distorcidos, o abuso das drogas e a posse de armas só aumentam suas tendências paranóicas e sua noção distorcida de poder. Não acho, tenho certeza que isso acontece na realidade. Agora, por exemplo, com a recente onda de protestos, estamos podendo testemunhar como a força policial, em grande parte, usa da crueldade e truculência para poder se impor sobre os cidadãos.
Você aparece em Reality Z com um visual diferente do que estamos acostumados a te ver. Essa mudança foi para o personagem?
Sim. No início do processo de ensaios, eu tinha uma preocupação grande em me aproximar esteticamente dessa figura violenta e ameaçadora. Entendi que, para me sentir convincente no papel, eu deveria me distanciar da minha imagem para me aproximar da imagem do Robson, ou seja, eu deveria me aproximar, corresponder ao temperamento dele. Foram 3 meses de alimentação e exercícios pesados que, junto à caracterização, fizeram com que me sentisse mais distante de mim e próximo do Robson.
O que você faria no caso de um apocalipse zumbi, além de atirar na cabeça deles, como aprende seu personagem?
Não sei. Não sou policial e jamais teria uma arma. Não tenho o preparo e nem a experiência do Robson. Talvez, ironicamente, eu ficasse trancado em algum lugar, ou seja, exatamente como estamos fazendo agora.
Antes de Reality Z você fez Vítimas digitais, série do GNT. Hoje, quando estamos em casa por causa do isolamento, estamos também mais expostos aos perigos digitais. Sente que Vidas digitais pode servir como um alerta?
Vítimas digitais é um alerta. Cada episódio trata de um crime digital diferente e todos eles são baseados em histórias reais. A informação, via internet e redes sociais, cresce exponencialmente junto com casos de abuso sexual, violência contra mulher, contra LGBTs, racismo, golpes financeiros, crime de difamação de imagem, entre outros.
Na televisão você aparece mais em séries e seriados do que em novelas. Tem vontade de fazer mais novelas?
Tenho, sim. Apesar de me sentir mais bem amparado em séries, cujo roteiro já vem definido do início ao fim, assim como a curva dramática das personagens, a novela tem esse diferencial de ser uma obra aberta, de não sabermos para onde as tramas se encaminharão. Isso também é um desafio interessante.
Em Jesus você viveu um dos 12 apóstolos. Como foi essa experiência? Sentiu a responsabilidade de lidar com um assunto que desperta tanta paixão, como a fé?
Ajudar, minimamente, a contar uma história tão importante foi muito gratificante. Ver que esse trabalho tem alcance em tantos países só confirma a universalidade da fé e como ela move o ser humano. É bonito de ver.
Você tem experiência em teatro musical, gênero que, por ter alto custo, já vinha sido atingido pela mudança na legislação. Como o musical e o teatro em geral poderá ser transformado pela pandemia de covid-19?
Não acredito que o alto custo seja uma razão plausível para o corte em musicais porque estudos apontam que o retorno aos cofres públicos é maior do que o investimento. É um mercado grande, que gera muitos empregos, movimenta o setor de serviços, direta e indiretamente. Acho, sim, que tem que haver uma maior responsabilidade e transparência das produções ao lidar com valores tão altos. Quanto à pandemia, infelizmente, o setor teatral está se mostrando como um dos mais afetados, visto que não há uma administração federal comprometida com o setor cultural. Inacreditavelmente, a preocupação, agora, é com reabertura de shoppings, praias, restaurantes… Há teatros no mundo que estão voltando com monólogos e plateias em menor número. Aqui no Brasil, vemos um movimento de peças no formato live para Instagram, espetáculos no YouTube, etc. É um momento difícil não só para os artistas, mas para todas as equipes técnicas envolvidas em um espetáculo. Algumas campanhas não governamentais estão acontecendo visando a viabilização de fundos para auxiliar essas famílias. Estamos resistindo, mas precisamos do apoio do público.
Como você está passando por esse momento?
Tentando manter a serenidade. Sou grato por ter o privilégio de poder estar em isolamento enquanto a grande maioria das pessoas não tem essa opção. É muito duro acompanhar a forma como as autoridades que comandam nosso país tem lidado com a pandemia e os reflexos dela na população mais carente. A desigualdade, que já era escancarada, agora se torna obscena aos nossos olhos. É muito triste…
Já tem algum plano para quando isso passar?
Viabilizar a montagem de O coração normal, do premiado autor americano Larry Kramer, um projeto de teatro com o também ator e produtor Arlindo Lopes; e retomar as filmagens de O Anjo de Hamburgo, dirigido por Jayme Monjardim, uma coprodução entre Globo e Sony Internacional.