Impossível acompanhar a atual temporada de Malhação — Vidas brasileiras, sem se encantar com o casal Kavaco (Gabriel Contente) e Amanda (Pally Siqueira). Os jovens estudantes do Sapiência conquistaram o público com a simpatia e a luta contra a doença dela.
Portadora de ELA, Amanda passou por maus bocados recentemente, quando desmaiou na escola e em capítulos passados, quando os pais delas voltaram para Pernambuco e ela teve que morar com Kavaco e a avó dele.
“O Gabriel é um parceiro maravilhoso, temos uma ótima troca e isso faz com que o público sinta essa conexão dos dois”, afirma Pally, em entrevista ao Próximo Capítulo.
A doçura de Amanda e de Pally dá lugar a um tom mais sério, quase combativo quando o assunto é feminismo, tema de várias cenas de Malhação e, em especial, da quinzena protagonizada por Verena (Joana Borges). “Fomos criados em uma sociedade patriarcal onde a figura do homem sempre foi o sujeito do privilégio, colocando nós, mulheres, sempre em segundo plano. O surgimento do feminismo possibilitou o início de uma luta por igualdade, respeito e liberdade”, afirma a atriz.
Pally sabe que avanços foram feitos, mas ainda reclama mais espaço para as atrizes na arte. “Queremos, sim, mais produções lideradas por mulheres, protagonizadas por mulheres e com questões pertinentes a nós. Somos a maioria da população e já estamos fartas de ocupar o segundo plano”.
O cenário político brasileiro também tira o sono de Pally, que classifica nossa situação como confusa. “O que me assusta tem sido ver a onda fascista que tem se levantado, eles agem de uma forma muito organizada e bélica”, avalia.
Em entrevista ao Próximo Capítulo, Pally Siqueira fala sobre Malhação, sobre a estreia num filme polêmico de Claudio Assis e sobre o preconceito que uma atriz pernambucana sofre na tevê. Confira!
Você chegou a estudar neurociência. Como isso a ajudou na composição da Amanda?
Eu cursei até o sexto período de psicologia e acredito que isso foi um ganho enorme na minha carreira de atriz, pois as duas profissões têm o mesmo sujeito de estudo, que é a complexidade do ser humano, as diversas manifestações das emoções, as relações interpessoais, tudo isso me ajuda na composição dos personagens.
O casal Amanda e Kavaco é um dos poucos que estão juntos desde o início desta temporada de Malhação. Sente, nas ruas, a torcida por eles?
Simmmmmm! O Gabriel (Contente, ator que vive Kavaco) é um parceiro maravilhoso, temos uma ótima troca e isso faz com que o público sinta essa conexão dos dois.
Esta temporada de Malhação tem na discussão do feminismo um traço muito forte, desde a quinzena da Verena. É um assunto que o jovem precisa discutir?
É um assunto que todos precisamos discutir. Fomos criados em uma sociedade patriarcal onde a figura do homem sempre foi o sujeito do privilégio, colocando nós, mulheres, sempre em segundo plano. O surgimento do feminismo possibilitou o início de uma luta por igualdade, respeito e liberdade. Através dele temos avançado em várias questões no decorrer da história, mas nossa luta está longe de acabar temos várias conquistas pela frente, e essa nova geração está chegando cada vez mais empoderada e segura do seu potencial e seus direitos, compreendendo de fato do que se trata o feminismo e percebendo o quão o sistema patriarcal é opressor para ambos os sexos e orientações sexuais.
Não sente falta de que produções destinadas ao público adulto também tratem do tema?
Acredito que seja uma batalha diária, estamos avançando em vários aspectos e o audiovisual tem seguido o mesmo fluxo dos avanços. Em várias produções destinadas ao público adulto, conseguimos identificar personagens femininos empoderadas e donas da própria história. Queremos, sim, mais produções lideradas por mulheres, protagonizadas por mulheres e com questões pertinentes a nós. Somos a maioria da população e já estamos fartas de ocupar o segundo plano.
Você é pernambucana. É mais difícil para uma atriz nordestina encontrar espaço na televisão? Acha que esse cenário está mudando?
Normalmente, as produções se passam no eixo Rio / São Paulo. Por isso a incidência de atores sudestinos é majoritária. As produções têm se aventurado cada vez mais por diversas regiões do país e isso tem feito com que atores de outros estados tenham uma maior possibilidade de trabalho, podendo manter as características regionais como o sotaque. Acredito eu que, quanto mais variedade tivermos, mais rico e real o produto fica, pois independente do lugar onde se passa a trama há pessoas de várias regiões morando e trabalhando fora do seu município de origem. Afinal, o Brasil é feito dessas misturas e culturas.
Para Totalmente demais, você teve que “neutralizar” seu sotaque porque a personagem era carioca. Isso te incomodou?
De forma alguma, isso me deu possibilidade de aprender e desenvolver uma nova forma de falar, um novo tempo, um novo sotaque. Desde o princípio dos teste eu sabia que a personagem seria carioca, foi um desafio como atriz, da mesma forma que cariocas interpretam nordestinos.
O Nordeste ainda é mostrado de forma estereotipada na tevê?
Esse esteriótipo tem diminuído, mas ainda está distante da realidade.
Além de atriz, você é artista plástica. Seus personagens influenciam nos temas ou nas técnicas de sua pintura? E o contrário, acontece?
Tudo me influencia, o espaço que eu estou, os encontros pelo caminho, as cores, as personagens, as músicas…. tudo isso faz parte do leque da criação. Eu não consigo conceber uma coisa separada da outra, tudo está interligado.
Seu primeiro grande trabalho foi logo um filme de Claudio Assis, um dos nossos cineastas mais viscerais. Isso não te assustou?
Foi de fato o meu primeiro trabalho como atriz. Eu não tinha experiência alguma na área, só vontade e certeza de querer aprender e dar o meu melhor. Tomei um susto no início porque se tratava de algo novo e completamente inusitado na minha vida. O convite para o teste surgiu através de uma ligação que uma amiga me fez perguntando se eu conhecia o Claudão e se eu queria fazer um teste para o filme dele. Eu comecei a rir, incrédula daquilo, mas aceitei fazer o teste, passei e minha vida mudou completamente. Começar a carreira com uma produção do cinema pernambucano dirigida por Claudio Assis é de uma felicidade e orgulho gigantescos.
Você tem ligação muito forte com o cinema, tendo produzido um documentário. Quais são seus planos para a sétima arte?
Não só produzi como dirigi esse documentário que teve um primeiro corte para uma exibição especial, mas que agora estou trabalhando a montagem desse longa. Eu sou uma apaixonada por cinema, tenho vários planos que envolvem a sétima arte, aguardem!
Em suas redes sociais, é comum que você se posicione politicamente. Como vê o atual cenário nacional?
Confuso. As pessoas em sua maioria se sentem perdidas, cheias de dúvidas, eu me enquadro muito nessa porcentagem. Mas o que me assusta tem sido ver a onda fascista que tem se levantado, eles agem de uma forma muito organizada e bélica. Quando perdemos a capacidade da empatia algo está errado ー não é possível que fechemos os olhos para uma criança em situação de rua, para um LGBT+ que foi espancado, para tantos feminicídios, para uma pessoa com fome. Acredito que quando as pessoas entenderem que dar condições e direitos dignos para o outro não anula os seus, as coisas podem começar a caminhar para uma sociedade mais igualitária e justa. A política do abandono, do cárcere e do simples fechar os olhos não anula as mazelas sociais atuais. E ser só consciente do problema não resolve o problema, o que você está fazendo para resolver o problema?
O jovem brasileiro precisa ser mais politizado?
Todos nós precisamos. Vejo um onda muito mais retrógrada em pessoas mais velhas do que nos jovens, vejo mais a negação da ditadura e de fatos históricos como o racismo e o fascismo em pessoas mais velhas, e menos plasticidade de ideias e ideais. É tão bom poder rever as coisas, os comportamentos, pensamentos, quando enrijecemos nossas ideias, elas nos aprisionam, sempre é tempo para tudo.
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