Orlando Caldeira: “A TV tem um papel muito importante no combate ao racismo”

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Orlando Caldeira, ator que vive o jornalista Anthony Verão em Vai na fé, defende o jornalismo de fofoca praticado pelo personagem e mostra que a arte dele ultrapassa a fronteira dos palcos

A arte tem a capacidade de movimentar a sociedade. É assim que Orlando Caldeira age, seja quando vive o engraçado Anthony Verão de Vai na fé, seja quando encara temas mais árduos nos palcos ao lado do Coletivo Preto. “A TV tem um papel muito importante e necessário no combate ao racismo, no compromisso em retratar a vida de uma forma um pouco mais real”, afirma o ator, em entrevista ao Correio.

Orlando também defende que Anthony Verão supera a simples comédia. E comemora que a autora Rosane Svartman o construa assim. “Eu tenho uma preocupação para que o Antony Verão não seja raso. Esse cara que é um personagem de si mesmo, que cria uma forma ali para estar no mundo. Ele por trás daquilo tem várias camadas, várias dores”, afirma.

Na entrevista a seguir, Orlando Caldeira fala sobre jornalismo de fofoca, Vai na fé, teatro, racismo e a marca de saias masculinas que criou, a Galo Solto. Confira!

Entrevista // Orlando Caldeira

Como você definiria o Anthony Verão, de Vai na fé?
É alguém que, no momento que precisava, agarrou a primeira oportunidade e se dedica a ela, mas não abre mão da ética para desenvolver o seu trabalho.

Viver um jornalista em Vai na fé mudou sua relação com a imprensa ou o modo de ver o trabalho jornalístico de alguma forma?
Mudou completamente. Antes eu já tinha uma breve ideia da importância do jornalismo que se dedica à fofoca. Não estou falando do jornalismo esportivo ou político, porque acho que eles cumprem um outro papel e não precisamos justificar a importância deles. Mas o de fofoca é importante porque ele retroalimenta esse lugar do showbusiness. É como se a gente pensasse assim: na vida de uma planta, o jornalismo de fofocas é o adubo — ele faz com que a planta cresça. E quando falo crescer é porque você ser assunto é poder. Estar na boca do povo, circular nos ouvidos. Infelizmente quando falam mal é ruim, mas tudo tem seu valor. Por isso há de ter ética.

Novelas costumam retratar o jornalista de fofoca de uma maneira mais estereotipada. Como não cair nessa armadilha?
Primeiro, eu acho que precisamos discutir sobre os estereótipos. Eles existem na sociedade. A gente conhece pessoas que são um tom acima e está tudo certo. Eu falo isso porque tem muitas pessoas que eu conheço que penso: “se em uma novela tivesse um personagem assim, a gente ia falar que está over”. Mas essa pessoa existe e está aqui do meu lado, vivendo. Eu tenho uma preocupação para que o Anthony Verão não seja raso. Esse cara que é um personagem de si mesmo, que cria uma forma ali para estar no mundo. Por trás daquilo, ele tem várias camadas, várias dores.

Que dores são essas?
Acho que ele tem uma certa frustração da vida e projeta isso no trabalho, tentando combater as injustiças sociais da forma dele — “ué, você não é uma celebridade famosa, que ganha milhões do nosso dinheiro? Então, temos o poder de consumir a sua vida porque você usa sua vida para se monetizar” — e ele usa essa justiça social. Essa questão de ele ser fofoqueiro parece que a todo momento diminui o fato de ele ser um jornalista e ele sempre deixa claro que é um jornalista. Isso é muito importante porque faz com que ele saia desse lugar do fofoqueiro que faz fofoca e tenha camadas que façam ele se impor na sociedade, lutar contra o que ele acha ser uma injustiça, usar as frustrações para o trabalho, enfim.

O Anthony viveu um romance no passado com Vitinho (Luís Lobianco). Como essa relação será retratada na novela?
Uma coisa genial que eu acho nessa novela é que ela não espetaculariza a relação homoafetiva. Assim como temos relações heterossexuais na trama, temos essa que é homossexual e isso não é uma questão. A questão é, por exemplo, o Anthony se sentir deixado de lado pelo Vitinho. Essa naturalização das relações. E a Rosane Svartman escreve brilhantemente essa relação e esses dois personagens, que são duas pessoas que têm suas diferenças, mas que, por terem vivido uma história, se conectam quando querem chegar a algum lugar. Então, eles têm suas diferenças, mas se unem para conquistar algo.

Nos palcos, você é um dos diretores do Coletivo Preto. Como é esse trabalho? É mais fácil chegar às pessoas com um assunto tão importante pela comédia?
O Coletivo Preto pensa o protagonismo negro nas artes e temos uma série de ações voltadas para esse propósito, de criar dramaturgias em que o homem e a mulher negra estejam em lugar de protagonismo e criar caminhos possíveis para que, além das cenas, tenhamos cada vez mais profissionais negros nas artes. O novo projeto do coletivo, que se chama Pelada, vai usar as narrativas do subúrbio pelo humor. O espetáculo faz parte do projeto Trilogia do Subúrbio, em que a gente usa a entrega e as relações suburbanas para explorar essas situações a partir do olhar da arte. No primeiro, que é o Pelada, pensamos em trazer o humor para conduzir essa história, e a gente acredita que o humor, por meio da condução desse espetáculo, é interessante porque conseguimos conectar mais pessoas, e ao mesmo tempo acreditamos que precisamos rir, como um ato político.

Você é do subúrbio. Vai na fé tem um grande núcleo de pretos e que também são de lá. Qual a importância dessa representatividade numa novela?
A questão da representatividade negra nas telas precisa ir além dessa questão do corpo preto relacionado à precariedade, ao subúrbio, à favela. Não é só sobre isso. A questão da presença do corpo preto na tela é porque estamos falando num país onde mais da metade da população é negra, onde a cada 23 minutos um jovem negro é morto. Então, a TV tem um papel muito importante e necessário no combate ao racismo, no compromisso em retratar a vida de uma forma um pouco mais real. É claro que estamos falando ali de uma ficção, mas se estamos em um país que é majoritariamente negro, não faz sentido a escalação não corresponder a esse propósito.

Quando você era criança, isso não era tão comum. Quem te representava nas telas?
É em cima desse pensamento que toda essa discussão sobre representatividade negra e a falta dela mostra o quanto isso é drástico e catastrófico em uma sociedade. Eu tinha pouquíssimas representações negras positivas. Hoje, reconheço o Mussum, mas, na época, era o apelido que usavam quando queriam me ofender. Então, hoje eu tenho discernimento de entender o grande artista que o Antônio Carlos Bernardes, o ator que fez o Mussum, era. Hoje, eu consigo ter essa noção. Mas, na época, por causa do racismo e de ter poucas pessoas interpretando personagens que estão além do estereótipo, os que tinham eram usados contra nós mesmos. Outro exemplo era o Jorge Lafond, a Vera Verão. Eu sou um homem negro e gay e, na minha infância, quando queriam me ofender, me chamavam de Vera Verão. E olhar para a Vera Verão e toda a trajetória do Jorge, que foi o primeiro “Rainho” de Bateria de uma escola de samba do Brasil, e o único que teve até hoje, me enche de orgulho. Se hoje ainda se tem muito preconceito contra o corpo negro e gay, nos anos 1980, então, nem se fala.

Você é criador da marca Galo Solto, de saias masculinas. Como surgiu essa ideia? A moda também é um meio de expressão de sua veia artística?
Sim, sem dúvida. A Galo Soltou surgiu do interesse de poder usar saia, e pensar uma saia que se adequasse. Eu e meu sócio, quando queríamos usar uma saia, tínhamos que usar uma que fosse pensada e feita pela modelagem feminina e torcer para que ela coubesse na gente. E entendemos que precisávamos fazer algumas adaptações na saia, coisas simples, como bolso, ou que não marcasse muito as nossas partes íntimas. Então, começamos a desenvolver, demorou mais ou menos um ano. A minha família trabalha com moda, minha irmã é professora de modelagem, minha mãe tem um ateliê. A gente desenhava e minha família fazia a modelagem. Fizemos o protótipo primeiro, e vimos que ali tinha um produto e criamos a marca.

Não houve estranhamento no início?
É muito interessante a gente pensar essa discussão, de saia para homem, quando, na verdade, a saia sempre esteve presente no vestuário masculino. Hoje, se a gente for ao Oriente Médio, os homens usam túnica, um vestido, uma saia. Enfim, vários ícones da história estavam de saia, e a sociedade moderna criou um tabu diante da saia, quando é uma peça de roupa que te potencializa, te deixa mais bonito, expande as possibilidades, é prática. Enfim, a moda, sem dúvidas, é uma forma de dizer algo para o mundo, e quando a gente pensa em um homem de saia, estamos dizendo muitas coisas.

Vinícius Nader

Boas histórias são a paixão de qualquer jornalista. As bem desenvolvidas conquistam, seja em novelas, seja na vida real. Os programas de auditório também são um fraco. Tem uma queda por Malhação, adorou Por amor e sabe quem matou Odete Roitman.

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