Será que toda série com uma grande estrela pop vai necessariamente ser ruim? Only murders in the building prova que não. O preconceito que cerca produções com um grande nome — e em consequência uma grande base de fãs (e telespectadores) — não tem vez na nova série da Star+ (originalmente produzida pela Hulu norte-americana).
Antes mesmo de ter concluído a primeira temporada (que está sendo exibida semanalmente, e inclusive, no episódio da última terça — 28/9 — teve um episódio mudo!), Only murders in the building já ganhou até uma segunda, é não para menos: a produção é realmente boa. No enredo, o público acompanha o que até então são três estranhos: Charles (Steve Martin), Oliver (Martin Short) e Mabel (Selena Gomez).
O trio acaba se encontrando após uma morte que ocorre no prédio em que moram, o Arconia (um residencial imaginário no Upper West Side de Nova York). O que liga os três é a paixão pelos podcasts de “true crime”, ou “crimes reais”. O trio tem uma obsessão pelo gênero e, como bons entusiastas, acabam encarando aquela morte como um assassinato digno de ser investigado — por eles mesmos.
Apesar da obsessão em comum pelos true crimes, a grande verdade é que Charles, Oliver e Mabel são bem diferentes e a grande fonte de comédia da série nasce exatamente daí: a excentricidade de Oliver, do “Dom Casmurro” de Charles e da diferença de idade entre os dois e Mabel.
Por fora, os três parecem comuns, mas no íntimo eles jogam entre segredos e mentiras. Oliver é um diretor de teatro falido, que esconde as inseguranças perante o perfil bem extrovertido. Charles é uma estrela de TV já esquecida, que sofre por um relacionamento fracassado e uma vida de solidão. Mabel… bem, ela é a que mais tem segredos no trio.
À primeira vista uma garota inocente e curiosa, aos poucos, o público vai entendendo que Mabel, na verdade, está no centro de todo o mistério envolvendo a morte do “desconhecido” em Arconia.
Nesta primeira temporada, Only murders in the building apresenta duas vertentes bem afiadas: a comédia inteligente e a história em blocos. Vamos a cada um. A principio, pode ate parecer que a maior parte das piadas vão ficar na diferença de idade entre os personagens, mas até que não. Naturalmente, essa é uma das nascentes de vários risos, mas é importante pontuar o quanto elementos quase dramáticos (como o envenenamento de um cachorro ou até uma morte) são contextualizados para o humor. É revigorante rir de situações tão fora da curva.
Não menos importante é a revelação dos segredos dos personagens (e do roteiro em geral), que é feito com muita calma, mas sem ser monótono, pelo contrário, até com certo embalo. Em um episódio o público entende que o morto não era desconhecido de Mabel, no outro é explicado a relação entre eles, no próximo episódio é indicado as possíveis razões para sua morte e assim por diante. Existe um desenrolar pensado estrategicamente, não é algo jogado, é um mistério construído (no caso desconstruído).
É possível que isso tudo leve a um grande “nada” no final? Sim, claro. Tudo é possível. Mas com essa noção de uma história pensada, o telespectador tem mais chances de não se decepcionar no final.
Outro acerto de Only murders in the building é o tom atual. A própria existência de um podcast (a série inclusive usa de “narradores de podcasts” reais dos Estados Unidos) já dá um tom de factualidade e o roteiro sabe usar bem isso.
Escrever sobre a vertente técnica seria quase como chover no molhado. Tanto Martin, quanto Short, dão um show de atuação digno das carreiras que ambos têm na indústria do entretenimento. De certa forma, é até seguro indicar que os dois estão em um dos melhores momentos nas telas — afinal, Only murders in the building é um palco bem maior (e mais confortável) para eles do que para Selena.
Em síntese, alguns podem até ter torcido o nariz para a sinopse de Only murders in the building, mas na verdade, episódio após episódio, a série vai além de qualquer preconceito e apresenta uma história muito bem construída, com um humor muito bem calibrado.
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