Recém-lançada no serviço de streaming, O preço da perfeição acompanha os jovens de uma companhia de balé
O complicado dia a dia de um bailarino é o mote da nova série da Netflix, O preço da perfeição (Tiny pretty things, no título original). A obra tem como inspiração o livro de Sona Charaipotra e Dhonielle Clayton lançado em 2015.
A história tem início a partir da chegada de Neveah Stroyer (Kylie Jefferson), uma jovem simples e talentosa dançarina, à luxuosa academia de balé Archer School of Ballet, em Chicago. A garota consegue a vaga após Cassie Shore (Anna Maiche), uma das promissoras bailarinas, ser empurrada do telhado da instituição.
Como tem acontecido com muitas tramas do formato teen, O preço da perfeição aposta no mistério que envolve o “acidente” de Cassie. Mesmo que a personagem tenha pouco tempo de tela, os fatos sobre a noite da queda da bailarina permeiam toda a narrativa da temporada. Entretanto, o seriado não se limita a apenas isso, apesar de essa acabar sendo uma linha que prende o espectador para descobrir o que de fato aconteceu.
O grande trunfo é conseguir mostrar a rotina extenuante dos bailarinos. O título em português, inclusive, define bem um dos aspectos mais importantes da série. Todos ali estão, sim, em busca de um ideal de perfeição. Do mais magro corpo, da melhor execução dos passos e da garantia de conquistar os solos das apresentações. Para isso, ultrapassam barreiras. O que fica ainda mais preocupante, já que são apenas adolescentes.
Também é partir daí que o seriado apresenta os conflitos entre os personagens. Como todos estão em busca do auge, há muitas tramoias. Bette Whitlaw (Casimere Jollette), filha de Katrina (Michelle Nolden), importante figura Archer School of Ballet e irmã da prestigiada solista Delia (Tory Trowbridge), é a mestre nesse sentido. A jovem não mede esforços para chegar ao topo. Até por isso, aparece em vários momentos como suspeita de tudo que acontece de ruim com os colegas. Mas ela não prejudica só aos outros, acaba também prejudicando a si.
E não é a única. O ambiente tóxico perpassa por todos os personagens. Muito por causa da atmosfera de concorrência na academia atenuada pela situação de Cassie e a chegada de Neveah, vista como uma ameaça. Isso faz com que muitos personagens sejam dúbios, como June Park (Daniela Norman), que divide o quarto com Neveah e é a melhor amiga de Bette. Sendo, em geral, uma bailarina genérica e sofrendo pressões da mãe, ela começa a ter que colocar as mangas de fora.
Nessa linha há Nabil (Michael Hsu Roseh), namorado de Cassie, e, pelo menos entre os bailarinos, o principal suspeito do “acidente”. O jeito estranho do garoto também não ajuda a diminuir as desconfianças. Outro personagem que deixa o espectador em alerta é o coreógrafo Ramon Costa (Bayardo De Murguia), que passa a ensaiar os alunos para um apresentação inspirada na história de Jack, o estripador.
Os personagens, inclusive, são um mérito da produção. Todos são interessantes, levantam discussões atuais e são vividos por atores jovens e novatos em ascensão. Um dos mais carismáticos é o bailarino Shane, interpretado por Brennan Clost. Ele se mostra como único “mais puro” entre os colegas, sem estar preocupado com as trapaças. Shane parece querer só aproveitar a vida, dançar e viver os pequenos momentos de paixão que tem com Oren Lennox (Barton Cowperthwaite), namorado de Bette, mas que se relaciona sexualmente com Shane, segundo ele, para melhor aproveitar o corpo.
Por ser uma série teen, é claro que O preço da perfeição abusa de clichês em alguns momentos, com situações que não seriam críveis dentro de um contexto juvenil. Mas nada que atrapalhe a condução da narrativa. São os absurdos já rotineiros desse tipo de série, como os personagens sendo abordados pela polícia sobre o caso de Cassie sempre sem o acompanhamento de um adulto, só para citar um exemplo.
Da mesma forma que O gambito da rainha explorou um nicho, o mundo dos enxadristas, O preço da perfeição busca um segmento que nem todo mundo conhece a fundo. Não se surpreenda se as buscas pelo balé aumentarem, assim como aconteceu com o xadrez após a minissérie protagonizada Anya Taylor-Joy. Isso pode acontecer porque mesmo que O preço da perfeição mostre o lado ruim e competitivo do cenário, ele enche a tela de cenas lindas proporcionadas pelos passos da dança, sob uma ótima trilha sonora.