luisa festival do rio 1 Luisa Arraes | Crédito: Catarina Ribeiro

O hibridismo e a autencidade de Luisa Arraes

Publicado em Comportamento, Entrevista, Minissérie, Novela, Perfil, Programas, Séries

Filha de dois grandes artistas nordestinos, a carioca de raiz pernambucana leva para a carreira a sua vivência de vida e faz uma grande mistura entre sotaques, gêneros e estilos

 

Patrick Selvatti

 

O ditado popular “filho de peixe, peixinho é”, muitas vezes, pode amedrontar. Luísa Arraes conta que ser filha do diretor Guel Arraes e da atriz Virgínia Cavendish sempre foi a sua vida e, desde criança, entendeu que a profissão deles era muito séria. Hoje, a atriz de 30 anos acredita conseguir se divertir mais do que no início da carreira. “Eu consigo deixar mais essa criatividade vir menos rígida, de poder estar aberta por ter encontrado também a minha turma no teatro, no cinema, na televisão. Ter encontrado também alguma assinatura minha”, avalia.

A atriz — que está loira para interpretar Darlene Glória em um filme — pôde ser vista recentemente na tevê como a Francisca, de Cine Holliúdy (2022), e chegou a admitir que ela é o seu xodó. Carioca de raiz pernambucana, ela não nega que gosta de interpretar personagens nordestinas, como também a Manu, de Segundo Sol (2017), e a Débora, de Justiça (2016). “Eu tenho esse hibridismo”, conclui a artista, que poderá ser vista, em breve, no cinema, interpretando um personagem clássico, o Diadorim, em Grande Sertão: Veredas, de Guel Arraes, baseado no clássico de Guimarães Rosa.

Em entrevista ao Próximo Capítulo, Luísa fala sobre os desafios que superou, ao lado do marido, Caio Blat, durante a pandemia, o momento político recente que o Brasil vivenciou, feminismo e o show intimista que criou, intitulado Comes & Bebes, na companhia dos músicos Arthur Braganti, Thiago Rebello e Gabriel Guerra.

Luisa Arraes declarou que a Francisca de Cine Holliúdy é os eu xodó | Foto: Estevam Avelar/ TV Globo

ENTREVISTA/ LUÍSA ARRAES

Você declarou que a Francisca de Cine Holliúdy é seu xodó na TV. Ser nordestina pegou bastante nessa escolha, mas a Manu de Segundo Sol também era…

Eu tenho esse hibridismo, me sinto muito pernambucana. Mas a Francisca foi um gênero novo que eu fiz, no ano passado, de comédia. Eu já tinha feito comédia, mas o Cine Holliúdy é uma espécie de farsa, e foi onde eu pude ir ainda além nessa palhaçaria. A Manu era novela, então a gente tem um realismo maior nela. Agora, eu penso muito de onde a personagem está vindo para compor. A Manu vem de Salvador, Francisca vem do Ceará e a Débora veio de Pernambuco. Fico muito feliz de poder fazer essas nuances nas personagens, porque, muitas vezes, pensam que a personagem é nordestina e ponto, mas não, são mundos diferentes.

Em 2015, você estreou nas novelas vivendo uma adolescente às voltas com uma família que misturava política, religião e corrupção. Naquela época, você acreditava que viveria o que representou o filme Transe, de 2022, que abordou a eleição de 2018? Passava pela sua cabeça acontecer esse momento turbulento que vivemos três anos depois da Laís?

Dois trabalhos muito importantes da minha vida. Estreei fazendo Babilônia nas novelas, e você imagina que o primeiro capítulo teve aquele beijo da Fernanda Montenegro com a Nathália Thimberg. A gente não imaginava que ia ser aquilo, mas já era o início da bolha, porque foi um escândalo por uma coisa que era absolutamente natural. Eu fazia parte de uma família evangélica e me apaixonava por um cara filho de duas mães. E esse tema esteve tão em voga em 2018, quando a gente fez o Transe. Eu nunca tinha feito esse link, mas é muito louco, eu não imaginava de jeito nenhum, em 2015, que eu fosse viver o que aconteceu em 2018. Transe foi um roteiro escrito por todos nós que participamos do filme e estávamos muito chocados com o quanto a gente estava distante do que estava acontecendo no Brasil. São duas histórias que furam a bolha: uma através do amor de dois jovens e a outra através do amor pela política, do amor pelo país, de tentar entender e ter alguma esperança no país e nas pessoas.

 

Luísa Arraes e Caio Blat protagonizaram e assinaram o texto de um episódio de Amor e sorte | Crédito: Sérgio Zalis/ Globo.

 

Você e Caio Blat produziram e estrelaram o especial Amor e sorte, que retratou o período de isolamento no comecinho da pandemia. Na vida real, como vocês lidaram com essa fase tão difícil?

O especial Amor e sorte (2020) foi o remédio da pandemia, foi a única maneira que a gente encontrou de sobreviver. Muito mais assustador que a pandemia era o negacionismo, a forma como ela estava sendo regida aqui no Brasil. E poder trabalhar e escrever uma ficção dentro do que estava acontecendo — não era uma ficção sobre outro assunto, não foi um escapismo — era uma forma de tentar encarar a realidade através da ficção. Foi o que salvou: o trabalho que a gente escreveu, dirigiu, e tudo filmado aqui na nossa casa. Fora que me impulsionou muito nas outras coisas que eu fiz depois. Foi uma espécie de faculdade de cinema. Logo depois, escrevi uma peça, que é um monólogo que eu fazia on-line, e eu acho que só tive coragem também de enfrentar porque tive essa experiência na série de fazer tudo em casa.

Ter protagonizado o filme Duetto (2022) te estimulou a uma carreira internacional?

Duetto não foi exatamente internacional porque a gente filmou muito aqui. Tivemos atores e atrizes italianos, e foi superlegal, mas eu achei de igual importância contracenar com Marieta Severo, Gabriel Leone, Maeve Jinkings, Rodrigo Lombardi. Atuar em outra língua tem um barato muito interessante, que, isso sim, eu tenho sempre vontade de fazer. Era italiano, que é uma língua que eu nem falo muito — se fosse inglês, seria até mais fácil — , mas é o barato de você estudar o jeito que fala, estudar a cultura daquele país para poder entender de onde vem aquela língua. Você, como estrangeira, presta atenção em coisas que, às vezes, não presta na sua própria língua.

 

Com Marieta Severo, Michele Morrone e Gabriel Leone em filme na Itália

 

Você começou como atriz, herdando o talento e seguindo os passos da mãe. Agora, mostrou que também é escritora, diretora e produtora, trilhando uma jornada mais próxima do pai. Essa linha mais criativa e realizadora pode pesar mais em algum momento que a atuação?

Eu não acho que pesa mais, que é uma coisa contra outra. Eu sempre digo que é tudo a mesma coisa: escrever, atuar, dirigir, esse show agora que eu faço, que canto e mistura também trechos de peças. Tudo, para mim, é a mesma coisa, faz parte da criação. Quando eu sou atriz, eu também me sinto escrevendo; quando estou escrevendo, estou como atriz. E gosto muito que seja assim, que vá alternando. Aprendo muito de atuação dirigindo e assistindo aos outros atores fazendo, e aprendo muito a dirigir também sendo atriz e pensando nas intenções da personagem. Eu gosto muito dessa mistura.

Ser filha de dois grandes artistas te amedrontou no início por algum tipo de cobrança?

Essa sempre foi a minha vida, desde criança. Ao mesmo tempo que me parecia uma coisa muito natural de fazer, me deu a entender desde o início que era uma profissão. Ou seja, que aquilo era um trabalho seríssimo. Eles dois têm uma responsabilidade muito grande com o trabalho, então isso realmente eu vi desde pequena. Mas, no início da minha carreira, diria que sim, que me divertia pouco, porque era tanta tensão, tanta necessidade de provar alguma coisa. Mas, quando a gente está começando, eu acho que é sempre assim. Sinto que hoje eu consigo me divertir mais. Eu tenho um rigor ainda muito grande, mas consigo me divertir, deixar mais essa criatividade vir menos rígida, de poder estar aberta. Eu me sinto muito mais aberta de ter encontrado a minha turma no teatro, no cinema e na televisão, ter encontrado também alguma assinatura minha. Com isso, eu consigo ser uma profissional melhor.

O que o feminismo representa para você?

Eu já nem acredito muito nessa coisa de mulher. Acho muito interessante a discussão de gênero hoje, de não binariedade, porque eu realmente não me identifico muito com esse termo mulher. Vivo uma experiência de ser mulher desde que eu nasci, mas acho muito forçado. Você não nasce mulher, se torna mulher, como diria Simone de Beauvoir. Você faz muitas perguntas sobre a experiência desse corpo feminino no mundo. Como também eu imagino que seja um corpo negro. Por quê? Por que existe essa cultura da branquitude? Por que existe essa cultura de patriarcado? Eu acho que feminismo faz parte disso, de encontrar outras mulheres que também estavam com essas dúvidas, de companheiras de porquês e de estudo.

O que o seu Diadorim no cinema vai trazer de mais distante da que a Bruna Lombardi compôs em 1985?

O meu Diadorim é bastante diferente, com toda essa discussão de gênero que a gente está vivendo. Por mais que eu não goste de problematizar a palavra mulher, eu acho que todo mundo problematiza, e o Diadorim tem esse corpo, então o que eu, como atriz, poderia acrescentar a esse personagem? Diadorim é homem, é mulher, é trans, é não-binário? Diadorim é Diadorim. Não é uma mulher disfarçada, é muito mais, é um personagem que está questionando e enfrentando, com muita coragem, qual é o lugar que pode estar. Eu queria que ele fosse tão desafiador e tão corajoso na guerra como era nessa questão do gênero, de estar enfrentando esses homens ali ao redor dele, que têm menos coragem de lutar e menos coragem de assumir quem são de verdade.

Como tem sido a experiência de cantar?

Cantar tem sido realmente uma experiência nova, mas, volto a dizer, faz tudo parte da artista que quero ser. Mas tem uma coisa legal de fazer show, que junta um pouco de tudo: a gente dirige, a gente escreve. É uma personagem quando estou cantando, então tudo mistura. A gente quer cada vez mais que seja uma peça show, que seja um jeito dramatúrgico de fazer um show.

Você fez apenas duas novelas, ambas das 21h. É um gênero que não te pegou muito?

Fiz só duas novelas, mas eu adoro fazer. Tem uma graça de você viver uma coisa que é todo dia, mas acabei fazendo mais outras coisas, séries, filmes e peças.