Nikolas Antunes Crédito Márcio Farias Nikolas Antunes, ator | Crédito Márcio Farias

“O corpo do ator não deve ter limites”, afirma Nikolas Antunes

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Ator de 41 anos, que estará em Dona Beja, na HBO Max, tem carreira marcada por personagens que passaram por transformações físicas

Patrick Selvatti

 

Confirmado no elenco de Dona Beja, novela que está sendo revisitada pela HBO Max, com produção da Floresta, Nikolas Antunes vive um excelente momento na carreira. O ator pode ser visto no streaming em séries como Desalma (Globoplay) e Olhar indiscreto (Netflix), além das novelas em que atuou, da primeira à última, respectivamente, O rebu (2014) e Além da ilusão (2022) — todas disponíveis nas plataformas. Além disso, estará, em breve, na série Estranho amor, da Sony.

Pernambucano criado no Rio de Janeiro, Nikolas estava na escola quando se interessou pelo teatro. Adulto, mesmo formado em publicidade, cursou artes cênicas. Em 2008, Nikolas recebeu convite para fazer a oficina de atores da Globo. Após passar por um processo de quase um ano, foi convidado para fazer participações em produções da emissora na casa, como na sitcom Tapas e beijos, até que, em 2014, recebeu o primeiro personagem fixo: o Fininho, um cozinheiro ex-presidiário no remake de O rebu. E não parou mais.

Em cena com Cássia Kis, em Desalma, série no Globoplay que trata de ocultismo e bruxaria

Batismo de fogo

Logo nos primeiros trabalhos, Nikolas teve a oportunidade de contracenar com Fernanda Montenegro. Na série Doce de mãe, ele fazia um empregado do personagem de Matheus Nachtergaele. “Me impressionou muito que ela me transmitiu tanta segurança, tranquilidade e simplicidade para o tamanho dela, que é gigante. Fernandona tem uma presença no set assombrosa, mas que não amedronta, não te oprime. Ela te deixa presente também para executar da melhor forma possível, ela soma com você”, descreve.

Como se não bastasse o batismo de fogo com a grande dama da dramaturgia brasileira, o ainda novato em telenovelas precisou encarar outro gigante. No primeiro capítulo de Babilônia, no horário nobre, em 2015, Nikolas atuou em uma cena marcante com Glória Pires, a grande vilã da trama, Beatriz. Desta vez, uma cena de sexo pra lá de picante da ricaça ninfomaníaca com um marceneiro que surgiu para fazer um trabalho para ela. “A cena foi rápida, mas mexeu nesse lugar do estereótipo masculino e teve uma ressonância muito grande. Fiquei conhecido da noite para o dia como o marceneiro do rala-rola com a Glória Pires. E ela é outra pessoa incrível, simples, humilde, generosa. Me marcou muito”, conta.

Em Olhar indiscreto, série da Netflix, Nikolas Antunes contracenou com o português Ângelo Rodrigues

 

Transformações

À época dessa cena que o lançou como galã e sex symbol, Nikolas declarou que “a exposição do corpo do ator em cena não pode ter limites porque é a ferramenta de trabalho”. E ele — que é leonino — realmente atesta isso em seus trabalhos. Em O rebu, raspou a cabeça e deixou a barba crescer. Já em Espelho da vida (2018) e Além da ilusão (2022), ficou com o rosto limpo. Mas as transformações podem e são mais radicais que isso. No filme Loop, de 2019, por exemplo, em que o personagem Joaquim surge completamente nu, ele precisou emagrecer 15kg. “Não vejo limite algum. Nudez, para mim, não é um problema. Mas essa questão do emagrecimento, é preciso fazer com cuidado. Fiquei um pouco depressivo, à época, então, reforço que não há limites, mas também não pode fazer mal para a saúde física e mental”, observa.

Já na novela Liberdade, liberdade, o bonitão de 1,81m, corpo sarado e olhos azuis foi caracterizado para se tornar um homem horrível: o pau-mandado Simão. Antunes, entretanto, recorda que foi um processo maravilhoso. “O trabalho vem na frente da questão física, e é maravilhoso esse processo. O personagem era medonho, mas fez tanto sucesso que virou spin off. Após dez meses de novela, eu e o Marco Ricca, que vivia meu patrão, viramos protagonistas de A lenda do Mão de Luva, no Globoplay”, celebra, comentando que esse personagem tem similaridade com o futuro, para o qual ainda está se preparando. “Araxá, onde se passa Dona Beja, e Vila Rica, ambiente de Liberdade liberdade, são cidades vizinhas e as histórias reais se passam na mesma época”, destaca o ator, que deixa escapar que o novo papel — o peão Valdo — é um híbrido entre os dois. “Tem um pouco da pegada suja, feia e asquerosa do Simão”, adianta.

Em Liberdade, liberdade, na Globo, sofreu caracterização para ficar horrível

Fé e progressismo

Na série Desalma e na novela Espelho da vida, o pernambucano teve a oportunidade de mergulhar em assuntos como ocultismo e espiritismo. Declaradamente ateu, Nikolas revela, porém, que acredita em algo. “Acredito na energia das coisas, do inconsciente coletivo, do universo. Fazemos parte de um organismo muito complexo, que é atemporal. Existe algo para além do tempo, do visível e do lógico, um organismo que pulsa, que vibra, muito além da compreensão simplificada do nosso entendimento, de um raciocínio lógico”, argumenta.

Com a novela O rico e Lázaro, da Record, no currículo, Nikolas admite que a experiência em uma novela bíblica foi interessante pela produção em si. “Quando o texto é muito específico é sempre um desafio não conseguir colocar uma embocadura. Mas as novelas bíblicas são produções grandiosas, com muito investimento”, conta.

Ateu, Nikolas tem uma novela bíblica no currículo: O rico e Lázaro, na Record

 

Progressista, Nikolas celebra a oportunidade de ter interpretado um personagem gay, dentro de um contexto de época, em Além da ilusão, especialmente por ter sido um trabalho realizado após um período “bastante obscuro do país”, em referência ao último governo. “Foi maravilhoso poder estar num trabalho de alcance nacional, tratando de um assunto progressista e que tem o potencial de ajudar e fazer a diferença na vida de tantas pessoas que só querem viver, com respeito, e ter direitos iguais, sem preconceito”, avalia ele, que também encenou um romance homossexual no filme Carnaval, tendo como par romântico o ator e cantor Micael Borges.

“O nosso trabalho, muitas vezes, oferece essa oportunidade para a gente se encaixar e espelhar o cotidiano das pessoas. É inspiradora a história dos personagens, que se assumem e enfrentam a sociedade para viver o grande amor”, acrescenta. Para Antunes, não houve frustração pela cena do beijo entre os personagens da novela das 18h não ter sido exibida a cena, após ter sido gravada. “A cena do beijo não é o mais importante. Mas o recado que a gente passou. O final foi lindo, a jornada foi linda. Se tivesse beijo, seria lindo também”, pondera o ator, que, heterossexual, não se incomodou em beijar outro homem em cena. “Para mim, não foi problema. Fiz uma cena de sexo com outro homem, na Netflix, muito mais ousada, mais forte. E está tudo bem”, conclui.

 

Em Além da ilusão, Nikolas viveu um personagem gay de época

Abaixo o machismo

Nikolas se refere à série Olhar indiscreto (2023), que tem como fio condutor o voyeurismo, a curiosidade pela intimidade do outro. Ele, em contrapartida, é um cara reservado, que posta pouco nas redes sociais e evita aparições públicas enquanto está dando vida a um personagem. “Prefiro que o imaginário das pessoas vejam o personagem. As pessoas confundem com a vida pessoal e é uma espécie de preconceito. A gente faz um trabalho profundo e as pessoas vão lembrar, por exemplo, do ator que saiu numa foto porque estava em um restaurante com sei lá quem fazendo o quê e que não interessa em nada”, disserta.

O nordestino admite que foi criado em ambiente muito machista e agradece à profissão por ter dado a oportunidade de se reeducar. “Tenho uma educação pernambucana, uma cultura machista no sangue, mas, por sorte, eu tive a chance de exercer uma profissão que me permitiu olhar para dentro, me questionar e mudar meu ponto de vista. Para compreender essa coisa do machismo estrutural, como isso afeta a vida de toda sociedade, intoxica e mata”, conta Nikolas, que, na série Estranho amor, dá vida a um policial que atua no combate à violência contra a mulher. A produção é inspirada em casos reais de violência doméstica e de feminicídio.

“Antes da série, eu já vinha passando por transformações pertinentes. Me sentia preparado, mas não pronto, porque me surpreendi com o que encontrei ali. A gente visualizou casos assombrosos, que envolvem ocultação de cadáver, o cara que joga ácido na mulher para desfigurá-la…. E, muitas vezes, a vítima é culpabilizada. Mas a série entra de maneira mais empática, mostrando como as coisas acontecem para que elas sejam feitas reféns, numa espécie de Síndrome de Estocolmo”, adianta.