Considerado o maior clássico das novelas, Vale tudo fez um retrato da sociedade brasileira que ainda soa atual. Trama de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Basséres entra para o catálogo do Globoplay
A banana ー o malfadado gesto, não a deliciosa fruta ー que Marco Aurélio, personagem de Reginaldo Faria na novela Vale tudo, dá ao Brasil no último capítulo da trama tem muito a dizer sobre o país de hoje. Isso é que se passaram 31 anos da estreia do nosso maior clássico da teledramaturgia. Mas não foi este ano que tal gesto foi usado por um político de alto escalão? Deixa pra lá…
A novela entra no catálogo do Globoplay, serviço sob demanda da Globo, que vem resgatando folhetins antigos. Escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Basséres, Vale tudo trazia uma discussão que soa contemporânea até hoje: vale a pena se esforçar e ser honesto num Brasil dominado pela falta de ética e pela corrupção?
A mocinha Raquel (Regina Duarte) era uma das únicas que acreditavam que sim, valia. Mas ela estava rodeada de leões, a começar pela filha Maria de Fátima (uma perfeita Gloria Pires), que tinha vergonha do que classificava como “falta de ambição” da mãe. Munida dessa “ambição” ー eufemismo para outros substantivos menos nobres ー , Maria de Fátima se aproxima de nomes como César (Carlos Alberto Riccelli), Marco Aurélio e a icônica Odete Roitman (Beatriz Segall).
Odete representava uma classe social alta que maldizia o Brasil em 10 entre 10 frases ditas. Vinda de Paris para resolver problemas de negócio no país, ela não vê a hora da volta. Preconceituosa ao extremo, Odete teria espaço em alguns governos federais por aí ー não seria na França, para infelicidade dela. A vilã não poupa nem a filha, Heleninha (Renata Sorrah), de ferinas críticas, sem se importar que a mulher é alcoólatra e precisa de ajuda.
O fim de Odete Roitman foi glorioso: um assassinato que parou o país. O Brasil inteiro se perguntava quem matou a personagem. Uma dica é que não foi o desgosto. Para despistar as revistas de fofoca num mundo pré-redes sociais, foram gravados quatro finais e um foi levado ao ar.
Mesmo personagens tidos como “bonzinhos” tinham algum desvio ou caíam em tentação, caso de Ivan (Antônio Fagundes). O namorado de Raquel acha uma mala com muito dinheiro e, para desespero da amada, pensa em ficar com o montante para pagar dívidas e melhorar de vida. O que custa, não é? É o protótipo do nosso jeitinho e das pequenas corrupções que nos permitem a furar filas, a não parar em faixas de pedestres, a arredondar o troca da padaria sempre pra cima, a estacionar em fila dupla, a relutar a usar a máscara em tempos de pandemia.
Vale tudo foi uma corajosa radiografia do que há de pior na sociedade brasileira. E com o brado diário de Gal Costa o país mostrava a cara que ninguém queria ver porque com ela todos de identificavam. E se identificam.