Por Adriana Izel e Vinicius Nader
Por anos, os filmes clássicos de Natal representaram o feriado a partir da perspectiva de famílias brancas. Um reflexo de uma sociedade com uma visão caucasiana e eurocêntrica. No entanto, com a diversidade em discussão, as histórias passaram a ser contadas a partir de outros pontos de vistas. Essa visão chegou também às produções natalinas.
“Acho que é empolgante podermos ver pessoas negras, todas juntas nesse universo”, defende o astro Forest Whitaker, vencedor do Oscar por O último rei da Escócia, que protagoniza o filme Uma invenção de Natal, que estreia em 13 de novembro (sexta-feira) no catálogo da Netflix com o elenco majoritariamente negro composto ainda por estrelas como Keegan-Michael Key (Meu nome é Dolemite) e Phylicia Rashad (Creed).
“O que é importante para mim (na representação negra no filme) é que são humanos, que amam, que se preocupam, que têm medo, que têm desafios, como todo mundo, como qualquer pessoa branca, amarela… Acho que é bom para as pessoas verem negros como humanos (sem estereótipos). Isso é muito importante”, defende Keegan-Michael. O que é endossado por Phylicia: “Isso é normal para mim. Isso é o tipo de trabalho que sempre fiz e vou continuar fazendo. Acho que a Netflix é bastante inclusiva. Há tantas culturas diferentes e tradições. Quero saber mais. Eu sei que é pedir muito, mas esse é o meu desejo”.
O longa-metragem acompanha a história de Jeronicus Jangle, papel de Forest, um fabricante de brinquedos que perde toda a sua magia depois que o fiel aprendiz, interpretado por Keegan-Michael Key, rouba o livro dele com todas as criações impulsionado pelo boneco que ganha vida Don Juan Diego (Ricky Martin). Desesperançoso, o personagem segue no caminho oposto da criação e da magia, principalmente após a morte da esposa. A trajetória do protagonista muda quando ele se depara com a neta Journey (Madalen Mills), tão inventiva quanto o avô foi um dia.
A produção tem aspectos dramáticos e também cômicos. Tudo isso regado a momentos musicais. Num longa-metragem criado e dirigido por David E. Talbert, que já havia trabalhado anteriormente com obras natalinas, com auxílio musical de Philip Lawrence (compositor de sucessos de Bruno Mars) e John Legend. “Eu queria poder levar música e alma para o mundo, especialmente agora, com tudo que está acontecendo”, avalia Talbert.
Assim como as produções temáticas de Natal, o filme da Netflix é regado de mensagens, que podem ser vistas de formas diferentes pelos espectadores. Para Anika Noni Roseque, que dá vida à filha de Jeronicus Jangle, cada pessoa terá uma interpretação diferente. “Acho que é sobre o amor da família e a força ao conhecer o seu passado”, comenta.
Já Keegan destaca que a mensagem mais importante do filme é celebrar a importância de se estar junto. “Também é sobre perdão, segundas chances”, completa. O criador David aposta na mensagem de que “tudo é possível”. “Por mais clichê que seja”, acrescenta.
Era exatamente 25 de dezembro de 2019 quando a Globo deu um presente de Natal: o especial Juntos a magia acontece. Na tela, o programa roteirizado por Cleissa Regina trazia uma linda história de Natal protagonizada por uma família negra, com direito a Milton Gonçalves emocionando vestido de Papai Noel. Até hoje, Cleissa colhe os frutos da iniciativa, sendo indicada a prêmios pelo programa.
“Acho que tanto a inovação quanto a qualidade do projeto contam (para a repercussão do programa até hoje). Inovação não só em finalmente termos uma obra com protagonismo negro na TV, mas também de termos um filme de Natal brasileiro. Para mim, o sucesso entre as crianças foi o mais surpreendente, não esperava que elas fossem gostar tanto”, afirma Cleissa, em entrevista ao Correio.
Incansável, a escritora agora se dedica a uma série sobre negros no mundo da moda, ainda sem emissora ou plataforma definida a ser exibida. A única certeza é a busca por representatividade, sempre presente na vida e na obra da primeira roteirista negra a assinar um projeto solo na Globo. “Espero que isso signifique uma mudança, um momento novo na televisão e no audiovisual brasileiro no geral”, afirma Cleissa, citando a novela Bom Sucesso como outro bom exemplo de que o público está, sim, preparado para esse protagonismo. Resta saber se as emissoras também estão.
Você foi a primeira roteirista negra a ter um projeto autoral solo na dramaturgia da Globo. O que isso significa?
Espero que signifique uma mudança, um momento novo na televisão e no audiovisual brasileiro no geral. Algo que demorou, mas que agora precisa decolar. Sei que tem pessoas negras com projetos bem interessantes no mercado. Eu tenho vários outros projetos que quero ver fora do papel, mas precisamos de um olhar mais aberto entre quem decide quais projetos serão feitos ou não.
O audiovisual brasileiro está preparado para tirar o negro de papéis periféricos e dar a eles protagonismo, como na novela Bom Sucesso ou no seu especial?
Acho que não dá para falar por outros criadores, mas o público, com certeza, está preparado. Já ouvi por aí que o público não torce ou não se identifica com personagens negros, mas acho que é uma falácia — ou pode ser que isso tenha mudado com os anos. Na verdade, hoje, o público se importa com tramas que tenham um casting diverso. Os personagens negros de Bom Sucesso eram superqueridos pelo público. O personagem do David Júnior (Ramon) ganhou uma torcida bem grande e ele era o concorrente do mocinho, até onde eu sei (risos). Mas, claro, isso passa pelo fato de os roteiristas escreverem bem para esses personagens. No caso de Bom Sucesso, sei que a Rosane Svartman e o Paulo Halm são autores que se preocupam com essa questão.
Estamos no Novembro Negro, iniciativa que divide a opinião de ativistas. Como você vê essa iniciativa?
Eu acho que é importante termos um mês de referência no que se refere à luta por igualdade racial e, com certeza, pessoas negras devem ter o protagonismo no que diz respeito à data. Mas também acho que é preciso termos as ideias que permeiam o mês de novembro durante o ano inteiro. Não dá para querer discutir questão racial e incluir pessoas negras apenas por um mês no ano, em especial no Brasil, um país em que a maioria da população é negra.
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