“Eu sou uma das melhores advogadas que eles têm, eu não posso simplesmente entrar na sala dos sócios tipo: ‘ei, pessoal, eu acidentalmente descobri que estou ganhando menos do que o cara branco’”. A frase faz parte da segunda temporada da série Insecure e já deixa claro que representatividade de negros é palavra de ordem. O melhor: não é o tipo de representatividade do tipo apenas ter um negro como colega do protagonista, mas dar-lhe voz, e principalmente atitude.
O enredo conta a história de Issa Rae (Issa Rae), uma jovem negra que precisa se descobrir como a mais nova adulta de Los Angeles. Abordando importantes questões que envolvem relacionamento, independência e identidade, a atração estreia hoje, às 23h, na HBO.
A comédia teve início após a protagonista criar o vlog Akward Black Girl, em que conta os aspectos “estranhos” e constrangedores que aconteciam na vida dela. Na produção da HBO, o público é apresentado a uma série que tenta sair do estereotipo da representatividade negra na televisão, ou seja, não será apenas a colega negra que será “representada”.
Além do crescimento de Issa, o público acompanha a trajetória profissional da melhor amiga dela, Molly (Yvonne Orji). Trabalhando em uma grande agência de advocacia, Molly tem de enfrentar todo tipo de desconforto para exercer a profissão em um ambiente essencialmente cheio de pessoas brancas e seus preconceitos.
A representatividade negra de Insecure levanta questões mais profundas, de apelo mais humano, que reflete, além das diferenças entre negros e brancos na sociedade, a dura pergunta: ninguém vê essas diferenças? Como podemos lidar com elas? Além da estreia neste domingo, às 23h, a segunda temporada – assim como a primeira – está disponível para streaming no HBO GO.
Na tevê brasileira, o assunto também está em alta. Era discutido com humor no seriado Mr Brau, protagonizado por Lázaro Ramos e Taís Araújo, e é apresentado aos jovens na atual temporada de Malhação, intitulada Viva a diferença (leia crítica da temporada). Escrita por Cao Hamburguer, a novelinha tem como uma das protagonistas a adolescente Ellen, defendida pela atriz Heslaine Vieira.
“Felizmente, personagens como a Ellen ampliam a discussão na grande mídia e isso me deixa muito feliz. Somos fortes e poderosas. Discutir essas questões é um grande avanço”, comenta a atriz, em entrevista ao Correio.
A menina é uma hacker que, entre os computadores, vive as dificuldades de morar na periferia e de ser negra. “A questão do racismo é mundial. O Brasil tem avançado lentamente, mas já é uma evolução. Estamos tendo a oportunidade de discutir esse assunto na televisão aberta com tamanha visibilidade, e devemos fazer isso de fato porque ‘essa é uma ferida enorme na nossa sociedade’, como bem disse Lázaro Ramos”, reflete Heslaine, que já ouviu de pessoas que tinha um rosto bonito, “mas precisava dar um jeito no cabelo”. Ela conta que o mais espantoso é que foi dito de um “jeito natural”.
Para Hesliane, “essa é uma questão nossa — dos seres humanos — sobre respeito, tolerância e afeto. O racismo agride, machuca, humilha, mata, enquanto o respeito liberta, abre caminhos para admirar o outro e aprender com suas diferenças. Qualquer tipo de opressão – seja contra o negro, índio, mulher, homossexuais – não é mais aceitável.”
(Por Ronayre Nunes e Vinicius Nader)
A temporada de Malhação tem feito muito sucesso. A que você atribui tanta aceitação? Esperavam essa receptividade?
Estamos todos muito felizes com essa recepção do público, com o imenso carinho com nossa história, na qual confio e acredito de todo meu coração. Temos uma união de pessoas muito profissionais e capacitadas se doando para que nossa história aconteça, que ela seja contada da melhor forma possível e sou muito grata por poder fazer parte dela. Estamos falando de assuntos necessários a serem abertos para discussão, sem juízo de valor: diversidade e respeito.
Como você pode medir isso na prática — está sendo parada na rua para dar autógrafos, deixou de fazer alguma coisa por ser reconhecida? Esse lado da fama te incomoda?
Todo carinho recebido de pessoas que se identificam com meu personagem e que gostam do meu trabalho, é muito bem vindo. É muito importante esse retorno. Eu amo os relatos das pessoas, sobretudo mulheres que se reconhecem na Ellen e, a partir disso, se sentem à vontade de compartilhar comigo momentos e situações de vida semelhantes. Me sinto lisonjeada em poder representar e dar voz a essas mulheres na televisão brasileira. Sou muito grata por todas essas pessoas que mandam mensagens nas redes sociais ou que me param na rua para demonstrar seu carinho.
Com a Ellen você tem tido a oportunidade de discutir assuntos sérios, com uma pegada mais leve por causa do horário. O racismo é um deles. Qual a importância de levar um assunto como esse à tevê?
A questão do racismo é mundial. O Brasil tem avançado lentamente, mas já é uma evolução. Estamos tendo a oportunidade de discutir esse assunto na televisão aberta com tamanha visibilidade, e devemos fazer isso de fato porque “essa é uma ferida enorme na nossa sociedade”, como bem disse Lázaro Ramos. Essa é uma questão sobre respeito, tolerância e afeto. Vamos nos afetar com os temas e nos desconstruir.
O racismo agride, machuca, humilha, mata, enquanto o respeito liberta, abre caminhos para admirar o outro e aprender com suas diferenças. Qualquer tipo de opressão – seja contra o negro, índio, mulher, homossexuais – não é mais aceitável.
Milhares de mulheres, e mulheres negras, que são oprimidas todos os dias a ponto não conseguirem mais achar que podem fazer tudo que quiserem, querem ser representadas. Felizmente, personagens como a Ellen ampliam a discussão na grande mídia e isso me deixa muito feliz. Somos fortes e poderosas. Discutir essas questões é um grande avanço.
Teve problemas com racismo na vida pessoal?
É lamentável vivermos em um mundo onde não conseguimos ter respeito pelo outro. Já passei por isso diversas vezes, de formas explícitas e implícitas. Para citar um exemplo, já ouvi “Que rosto lindo você tem, pena que tem esse cabelo horroroso. Já experimentou prender e pôr para trás?!” da forma mais natural possível, como se ela dissesse isso todos os dias… E isso se confirmou: “Minha sobrinha tem o cabelo ‘assim’ igual ao seu. Quando ela vem na minha casa eu a faço prender imediatamente”. Isso é constante na vida do negro, certamente as pessoas lendo isso conseguem pensar em inúmeras situações do tipo, ou no mínimo parecidas. O racismo não é invisível. Ele oprime, silencia, humilha e mata. Não devemos colocá-los em holofotes, mas denunciá-lo. Precisamos de afeto, tolerância, igualdade e respeito.
Como você vê a representação do negro na tevê brasileira?
A representatividade é necessária, e não apenas dos negros. As pessoas querem se ver, precisamos diversificar as mídias. É tão importante sair dos estereótipos, ter pessoas sendo representadas em todas as classes sociais, gêneros e idades. Precisamos de personagens – e não personagens negros, brancos ou com qualquer rótulo. Ainda temos um espaço reduzido na televisão e no cinema. Os protagonismos quase não existem nas novelas, séries e desenhos infantis. Quando entendermos que o mundo está de fato mudando, mudaremos junto e isso está acontecendo mesmo que em passos curtos e lentos. Dialogar é sempre o melhor caminho. “Vamos nos afetar uns aos outros”, como bem disse Lázaro Ramos.
A gente também entrevistou a Benê! Clica qui para ler!
A Ellen é uma expert em tecnologia, desenvolveu aplicativos e tudo o mais. Como você lida com o mundo virtual? Os fãs de Malhação gostam das redes, né?
Aprendi muito com Ellen fazendo aulas de tecnologia da informação. Estou me aproximando cada vez mais desse mundo e consequentemente das redes sociais. É incrível! Recebo relatos diários de pessoas que se identificam com a personagem, que se reconhecem na nossa televisão aberta. Pessoas que são, em sua maioria, de pele negra e que, mesmo sendo a maioria da população no Brasil, quase não tem representatividade em cargos de chefia, em inserções na mídia, ou mesmo pessoas que independe se consideram nerds, gênios.
Muitos fãs estão somente admirando o trabalho de uma atriz, e que nem sempre eles veem com o rótulo de “atriz negra”, mas como atriz. E eu fico muito feliz.
Tenho com os fãs uma relação muito boa de troca, indicação de livros, séries e histórias da vida. Eles são muito participativos em minhas redes sociais e nos encontramos nas lives sempre para discutir, conversar e trocar.
A ligação entre a Ellen e as outras meninas foi imediata. Logo, elas eram as melhores amigas. Como foi com vocês, atrizes? A empatia foi imediata? Com qual delas você mais se identifica (risos)?
Eu já era fã da Daphne Bozaski e foi incrível descobrir que trabalharíamos juntas. Mas somos bastante amigas, todas as cinco. Acredito que tudo começou no processo de preparação com a Laís Correa, que nos deixou experimentar. Esse processo foi muito importante e forte. Buscamos apoio umas nas outras, aprendemos juntas, discutindo os temas que falamos na novela, apresentando nossos universos distintos… Meu presente de aniversário, por exemplo, foi um livro sobre empoderamento feminino. Na verdade foram dois livros. Somos unidas, é um presente tê-las encontrado.
A temporada chama Viva a diferença. Como você vê casos de desrespeito que os jornais noticiam diariamente? Há como mudarmos, individualmente a situação?
Essas notícias são a triste realidade do nosso país desigual. É um fato. A cada 100 mortes, 71 são pessoas negras, e a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado. No Brasil, uma mulher morre vítima de feminicídio a cada 1 hora e meia! Mais de 500 mulheres são agredidas por dia – e mais de 70% das vítimas não denunciam. Isso é muito grave, esses dados são reais. O problema é que não entendemos a dor do humano, enquanto não somos atingidos. Sonho em viver num mundo onde isso não seja verdade. A realidade dói, sim, e muito, e ela nos diz todos os dias que há racismo, desigualdade social, machismo, opressão, humilhação, morte. Precisamos nos solidarizar, nos interessar mais pelo outro. Precisamos de tolerância, afeto, igualdade e respeito!
Você também esteve com o Cao Hambúrguer em Filhos do Carnaval. Fale um pouquinho dessa parceria…
Eu tenho muita sorte em poder relatar minha história sempre contendo o nome de um autor como o Cao, que admiro profundamente. A Lia foi minha primeira personagem fora dos palcos e foi meu maior presente. Ela era filha adotiva do Nilo (Thogun) e Rosana (Roberta Rodrigues). A Lia tinha um “primo” e amigo com quem dividia suas tensões. Foi bastante complexo para mim, pois a personagem tinha nuances e vivências que eu jamais tinha experimentado! Mas foi sensacional dividir e aprender com ela. Entendê-la e emprestar minhas emoções. Foi muito forte, é muito bonito e bem feito. A maior escola que eu poderia ter na vida ao lado do Cao, Elena Soarez, Luciano Moura, Cesar Charlone, Isabel Valiante, Fernanda Weifield e atores que admiro muito e são referências para mim, como Enrique Diaz, Rodrigo dos Santos, Maria Manoela, Mariana Lima e Shirley Cruz. Eu agradeço muito a oportunidade dada pelo produtor de elenco Guilherme Gobbi e ao Cao. Com certeza eu sou outra pessoa no caminho tendo aprendido tanto com eles.
Você é muito jovem e já encara a segunda protagonista na tevê — a primeira na tevê aberta. Como lida com essa pressão?
Meu sonho sempre foi atuar, independente da plataforma e da importância do personagem, para poder contar a história. Fiquei muito lisonjeada pela oportunidade. Repito essa palavra diversas vezes porque é exatamente isso como encaro: um presente e uma oportunidade. Eu me doo completamente aos meus personagens. Acredito que com responsabilidade e dedicação conseguimos fazer nosso melhor. Só penso na história que queremos contar e busco fazer isso da melhor forma possível, mas não como pressão, mas como amor e honra ao ofício.
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