A primeira cena da minissérie Nada ortodoxa (Unorthodox) sugere a fuga de uma prisão. Mas a jovem judia Esther (Shira Haas) não está numa daquelas clássicas cadeias. Esty, como todas a chamam, se sente presa no casamento arranjado com Yanky (Amit Rahav) e, sobretudo, nas tradições da área judia do Brooklyn onde mora. “Fugi porque Deus esperava demais de mim, mas eu tracei meu próprio caminho”, explica a jovem, mais tarde.
A partida da menina, que está grávida, para a Alemanha em busca de liberdade e do autoconhecimento é a tônica da minissérie em quatro capítulos disponível no catálogo da Netflix. O roteiro de Nada ortodoxa, assinado por Anna Winger e Alexa Karolinski, é baseado na biografia de Deborah Feldman, Unorthodox: The scandalous rejection of my hasidic roots.
Por meio de flashbacks entremeados a cenas da atualidade, Nada ortodoxa vai nos apresentando o que levou Esty à fuga e as consequências disso. Como não é uma história completamente fictícia, não estamos diante de personagens totalmente bons ou maus. Esty tem seus motivos para achar que vive numa espécie de prisão, mas Yanky também não é um rapaz que tem liberdade total, é bem tolhido pela tradicional mãe judia. É interessante ver que Nada ortodoxa questiona alguns extremismos religiosos, mas sempre de maneira respeitosa, até porque o rompimento com a igreja não é o que Esty realmente procura.
O que a menina de 19 anos busca é a si mesma. É saber quem é aquela jovem cuja mãe, Leah (Alex Reid), abandonou para morar na Alemanha, país onde nasceu, e acabou renegada pela família religiosa. É entender o quanto a paixão pela música, deixada de lado por causa do casamento, a move realmente ー “na música temos que quebrar muitas regras para sobreviver”, ensina o maestro, numa boa metáfora. É experimentar ser mulher longe das amarras sociais a quais estava exposta.
A chegada de Esty à Alemanha a apresenta a um mundo para o qual ela descobre não saber se está preparada. A menina que nunca saiu de Nova York de repente tem medo de se aproximar da mãe porque descobre que ela é lésbica, encontra amigos descolados e sexualmente liberais, se vê num meio em que drogas, álcool, festas e a luta pela sobrevivência se impõem. Acompanhado do primo mal visto pela família judia por ter abandonado as tradições, Moische (Jeff Wilbusch), Yanky vai à Alemanha procurar e resgatar Esty, mas também fica atordoado com o mundo, para ele novo ー e com novidades boas, para espanto dele mesmo.
O que salva Esty é que ela encontra Robert (Aaron Altaras) no primeiro café que toma em Berlim. Ele é musicista e a apresenta aos amigos do conservatório de música, o que faz com que a menina tenha um objetivo para correr atrás: ser pianista bolsista do local onde também toca um time plural formado pela israelense Yael (Tamar Amit-Joseph), pela negra Dasia (Safinaz Sattar) e pelo nigeriano homossexual Axmed (Langston Uibel).
Nada ortodoxa poderia ser um dramalhão sem fim. Daqueles densos, pesados. Mas não é. A direção de Maria Schrader é caprichada e mistura, na dose certa, drama, comédia e lirismo. O primeiro está presente especialmente nos momentos em que Esty e Yanky se perguntam o motivo de estarem passando por tudo aquilo e nas dificuldades enfrentadas pela menina; a comédia aparece em pequenas coisas, como no encontro de Esty com os amigos em Berlim ou nas aulas em que ela tem que aprender a ser esposa; e o lirismo em momentos como o casamento de Esty e Yanky, uma passagem linda carregada de emoção e simbolismos.
Tudo isso é envolto numa direção de arte muito bem executada e em atuações acima da média, especialmente se notarmos a idade do elenco principal, formado por jovens. A israelense Shira Haas brilha como Esty ー ouso dizer que é bom anotar o nome dela para a temporada de prêmios do ano. Amit Rahav e Jeff Wilbusch também estão muito bem, assim como Ronit Asheri, que vive Malka Schwartz, tia de Esty.
O final de Nada ortodoxa deixa o caminho aberto para uma continuação e para que o público tire as próprias conclusões sobre a validade da experiência de Esty. Mais um acerto da minissérie.
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