Uma coisa que muita gente aprendeu durante a pandemia foi se reinventar. Com o ator Mouhamed Harfouch não foi diferente. Ele estreou com sucesso o espetáculo on-line Homem de lata, que cumpre temporada até a próxima segunda-feira (31/8) e já foi visto por cerca de 2 mil pessoas.
No “palco” de casa, Mouhamed escreveu o monólogo em que atua, opera a luz, o som, os efeitos. E olha que são 7 personagens. “Faço tudo da minha casa, sozinho…e tem gente que acha que há alguém escondido pra fazer tudo tão coordenado. No fim, estou me tornando um profissional mais completo. É uma gincana”, afirma o ator, em entrevista ao Próximo Capítulo.
A pandemia trouxe essa “modalidade” ao teatro. Mouhamed não descarta que a tecnologia tenha chegado para ficar nos palcos, mas ressalta que “nada substitui o calor humano” e que “a história se encarregará de colocar tudo em seu lugar”. “Cada vez mais estamos usando a tecnologia a nosso favor, em tudo na vida. É um formato muito diferente com o qual o público e os atores ( e a equipe) ainda precisam se acostumar. Com a internet, podemos levar nossa arte através de um meio seguro dentro desse caos que é a pandemia, a um baixo custo e a qualquer canto”, completa.
O ator conta que Homem de lata “nasceu da vontade de falar sobre este homem contemporâneo que precisa se livrar do machismo estrutural de nossa sociedade e se reconectar com sua essência, sem os estereótipos do provedor, do macho alfa, do super-homem ou do Homem de ferro” e que o protagonista “está em busca de deixar o seu coração falar mais alto.”
Quem também deixava o coração falar alto era o orientador pedagógico Boris, personagem vivido por Mouhamed em Malhação – Viva a diferença, temporada que está sendo reprisada na Globo. A reexibição pegou o ator de surpresa, mas foi muito bem-vinda. “Essa temporada ressalta a importância da tolerância, da diversidade e da educação. Bóris é um educador apaixonado pelo que faz e se dedica a formar cidadãos e não alunos que possam passar em provas. Ele fala muito em ética, do compromisso com a sociedade e com o coletivo e da convivência com as diferenças. São assuntos que não poderiam ser mais oportunos num momento em que lidamos com tanta intolerância, falta de respeito às diferenças, fake news, intransigências e agressões”, reflete.
Você está nos últimos dias de Homem de lata, espetáculo teatral virtual. Esse caminho para o teatro, sem plateia presencial e sem o contracenar, é uma saída para durante a pandemia. Mas vai ficar?
Acho que pode ser, sim, uma possibilidade. Cada vez mais estamos usando a tecnologia a nosso favor, em tudo na vida. É um formato muito diferente com o qual o público e os atores ( e a equipe) ainda precisam se acostumar. Com a internet, podemos levar nossa arte através de um meio seguro dentro desse caos que é a pandemia, a um baixo custo e a qualquer canto…Mas nada substitui o calor humano.
Isso, de alguma forma, ameaça a existência do teatro como estamos acostumados a ver?
De forma alguma, pelo contrário, potencializa e fomenta. Acredito que é um veículo que veio para ficar, pois o público que não tem acesso a teatros poderá experimentar a experiência on-line e nada impedirá que depois presencie a mesma peça no teatro físico, pois serão manifestações completamente diferentes de uma mesma história. Acho rico esta possibilidade, sem contar que para um espetáculo que depois pretenda fazer uma turnê, o teatro on-line poderá ajudar a divulgar pelo boca a boca de quem já viu no on-line. Vejo como um novo caminho para levarmos afeto e arte, não acho que supra o teatro físico, nem vejo nisso uma necessidade. Acho que veio para ficar e serão complementares. É hora de darmos as mãos e incentivarmos. A história se encarregará de colocar tudo em seu lugar.
Como está sendo essa experiência para você? Imagino que seja bem diferente…
Foi muito desafiador, mas muito interessante. Desde ensaiar sem a presença da equipe a atuar dentro da minha casa….Gosto de fazer o espetáculo com os microfones da plateia abertos justamente para poder ouvir as reações….porque é isso que faz a diferença. Sem contar a necessidade de eu mesmo ter que cuidar da luz, do som, dos efeitos…faço tudo da minha casa, sozinho…e tem gente que acha que há alguém escondido pra fazer tudo tão coordenado. No fim, estou me tornando um profissional mais completo. É uma gincana. (risos) Vejo poesia nisso tudo, me sinto vibrando uma energia criativa e faria tudo de novo se fosse preciso.
O espetáculo fala sobre a covid-19. A arte vai conseguir fugir dessa temática?
Claro. A arte tem sempre vários fios condutores. Todos os dias há temas e acontecimentos que nos inspiram. Esse é um momento de reflexão sobre essa pandemia que ficará marcado na história. E nada mais natural que o teatro reflita sobre isso também. Mas a nossa peça não é sobre pandemia, ela se passa na pandemia, mas o que abordamos é a necessidade de o homem contemporâneo se reconectar com seu íntimo e se reinventar.
A realidade e a ficção andam juntas em Homem de lata. A arte tem esse poder de nos espelhar?
A vida imita a arte… ou a arte imita a vida. Eu acredito nisso, na força da arte para retratar o nosso mundo, para fazer pensar sobre os acontecimentos e sobre nosso comportamento. A arte faz pensar. Precisamos aprender a nos reinventar, a viver com menos e a dar valor ao que realmente é importante. Devemos olhar o coletivo e as coisa simples da vida. Precisamos de um futuro com mais equilíbrio entre o homem e o meio ambiente e sobretudo nós mesmos
Em O mágico de Oz, o Homem de lata é um personagem em busca de um coração. O seu Homem de lata também é assim?
Meu Homem de lata, na verdade, está em busca de deixar o seu coração falar mais alto. É em meio ao caos que ele percebe o caos interno, seu comportamento machista, a forma como lida com a família… A peça nasceu da vontade de falar sobre este homem contemporâneo que precisa se livrar do machismo estrutural de nossa sociedade e se reconectar com sua essência, sem os estereótipos do provedor, do macho alfa, do super-homem ou do Homem de ferro. Somos de lata também.
A humanidade hoje está nessa busca?
Cada vez mais. Estamos num momento, ainda mais com essa quarentena, de olhar cada vez mais para dentro, de procurar dar mais espaço aos nossos sentimentos, de procurar nos tornar pessoas melhores, de deixar de lado padrões antiquados e preconceituosos…. É claro que entre erros e acertos podemos nos achar por vezes um homem de aço, de ferro, mas todos vivemos em busca do nosso coração. Daquilo que nos faz sonhar, viver e morrer.
Em Homem de lata você atua, escreve e assina cenografia, figurino e iluminação. Como foi ter o espetáculo tão em suas mãos? A responsabilidade aumenta?
Com certeza. Mas também me desafia a me tornar um profissional cada vez melhor. Eu já tinha escrito a peça há alguns anos, mas a reformulei, a trouxe pra atualidade, em parceria com Moisés Liporage logo no início da pandemia. Arte para mim é algo que nos dá sentido à vida. Me sinto um profissional melhor na medida quem que saio da minha zona de conforto, em que tento me superar, aprender novas coisas, e neste momento escrever, produzir, interpretar 7 personagens e ainda operar trilha, luz e vídeo é a prova disso. (risos)
Como você tem lidado com esse período de isolamento? Além de cuidar da peça, o que tem feito?
Acho que como a maioria: tenho meus altos e baixos. Hoje, digo que essa peça me salvou e me fez renascer! Tenho cuidado de mim e da minha família…tenho dois filhos pequenos em casa que demandam atenção. Eles querem brincar, ajuda pra fazer os deveres de casa. Quando eles vão dormir, é a hora que eu e minha esposa temos para colocar as nossas coisas em ordem. Mas tudo sem deixar de pensar em trabalhar.
Você está na reprise de Malhação – Viva a diferença. Que lembranças tem daquele trabalho?
Fiquei muito feliz de poder rever esse trabalho pelo qual tenho muito carinho. Nunca poderia imaginar revê-la tão cedo. Foi um trabalho maravilhoso, onde tive uma troca de energia e de experiências com um elenco jovem e muito talentoso. Com eles, pude me reciclar também e, de quebra, ganhei o carinho de um público mais jovem do qual não fazia parte. Esse elenco revelou grandes destaques e uma turma compromissada, séria, dedicada e cheia de afeto. Sou fã deles
O Bóris tinha, ao lado da Dóris (Ana Flávia Cavalcanti), um papel importante no debate sobre educação. Esse discurso continua atual, não?
Cada vez mais atual. Essa temporada ressalta a importância da tolerância, da diversidade e da educação. Bóris é um educador apaixonado pelo que faz e se dedica a formar cidadãos e não alunos que possam passar em provas. Ele fala muito em ética, do compromisso com a sociedade e com o coletivo e da convivência com as diferenças. E são assuntos que não poderiam ser mais oportunos num momento em que lidamos com tanta intolerância, falta de respeito às diferenças, fake news, intransigências e agressões…
Paralelamente à carreira de ator você acabou desenvolvendo uma faceta de músico, que a gente conheceu mais no Popstar. Como anda o cantor Mouhamed Harfouch?
Desde o começo da pandemia, já lancei dois singles e, quando tenho tempo, componho. Tinha shows marcados, mas tudo foi parado com a pandemia. Muitos fãs estão pedindo live. Quero fazer, mas ainda não tive tempo por conta da peça e dos afazeres em casa. Quem sabe agora que o encerramento dessa nossa temporada dia 31 de agosto eu consiga marcar?!
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