Mateus Solano: “Crise é sinônimo de crescimento”

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No ar como o médico Guilherme de Quanto mais vida, melhor! e em cartaz em comédia de sucesso, ator fala ao Correio sobre a novela, política e sustentabilidade

Com mãos precisas, o cirurgião Guilherme, um dos protagonistas de Quanto mais vida, melhor!, consagrou-se como um dos melhores do Rio de Janeiro. A precisão do ator Mateus Solano, intérprete de um dos protagonistas da novela das 19h, é com as palavras.

Sobre o folhetim, Mateus questiona se esse formato com os capítulos todos gravados antes da exibição, adotado por conta da pandemia, pode ser chamado de novela. Mas o ator reconhece a importância de Quanto mais vida, melhor! para o momento de dor que vivemos. “O nosso combustível era justamente entregar para o público uma novela divertida, ágil, colorida, num mundo onde a pandemia já teria passado”, afirma.

De volta aos palcos com o espetáculo Irma Vap, Mateus é categórico ao espantar os catastróficos e garantir que “o teatro só vai acabar com o fim da humanidade.” Na entrevista a seguir, o ator fala ao Correio sobre a dificuldade de fazer cultura com um governo que vem “demonizando os artistas e a cultura brasileira”, sobre eleições e sobre a importância de nos atentarmos para que “um mundo sustentável é um mundo que se sustenta, e o nosso não se sustenta. Portanto, estamos fadados à extinção.”

Entrevista // Mateus Solano

Foto: Sérgio Santoian/ Divulgação

Você está completando 20 anos de carreira e, ano passado, fez 40 de vida. O que esses números significam para você?
Esses números são simbólicos, sem dúvida. Meus 40 anos trouxeram muita reflexão, e a minha profissão continua me ensinando a não ficar parado, a não achar que estou pronto, a não achar que sei das coisas, mas que tenho sempre a aprender.

Quanto mais vida, melhor! é uma novela predominantemente solar. Mas o Guilherme, entre os protagonistas, é o que menos tem essa característica. Como é viver esse contraponto?
É sempre uma preocupação quando a gente está num projeto divertido e faz a parte mais sombria. Mas, por outro lado, como eu disse desde o início, o núcleo dos Monteiro Bragança é o “alívio dramático” da novela. É muito doido ter gravado tudo e não poder mexer em nada. Torcemos sempre para que estejamos em sintonia com o público.

O personagem vive esse romance de gato e rato com a Rose. Essa dinâmica, embora antiga, ainda funciona com o público. Como manter o frescor e não fazer esse vaivém parecer datado?
Eu não acredito que conflitos entre um casal seja um tema datado. Acho que é um tema até bastante comum. Mas, por mais que os atores tentem manter o conflito durante meses e meses, creio que é responsabilidade dos autores manter a credibilidade desse gato e rato.

A novela vem no meio de uma pandemia, foi gravada com rígidos protocolos de saúde, inclusive. Não levar essa questão para a trama é uma forma de trazer um respiro para a população? Este momento leve é raro hoje em dia no país, não?
Foi um grande desafio gravar Quanto mais vida, melhor! em meio à pandemia. Passamos por todos os protocolos que se pode imaginar e até paramos completamente de gravar por mais de duas semanas. O nosso combustível era justamente esse: entregar para o público uma novela divertida, ágil, colorida, num mundo onde a pandemia já teria passado. A gratidão por estarmos trabalhando em função disso era o que mais nos unia.

Quanto mais vida, melhor! estreou numa semana e as gravações terminaram em seguida. Ou seja, não houve aquelas interferências e troca com o público da “obra aberta”. Sentiu falta disso? Ou para o ator é mais confortável?
Não gosto nem de chamar de novela o que a gente fez! Novela existe na interação com o público. Só por isso ela pode ser tão longa. Estamos muito felizes com a recepção do público, principalmente porque não há o que fazer se ele não gostar… Mas essa forma de gravar novela está longe de ser o ideal.

Você retomou a temporada teatral de Irma Vap. Como foi voltar aos palcos depois de um período de tanta
incerteza?
Foi muito emocionante voltar aos palcos com uma peça que foi interrompida dois anos atrás pela pandemia. No primeiro dia, tivemos uma ovação, antes mesmo de a peça começar, aos gritos de “Viva a vida! Viva a ciência!”. Portanto, é emocionante para nós, que estamos em cima do palco, mas também muito emocionante para a plateia. Creio que a experiência teatral, essa aglomeração que acontece ao vivo para ouvir uma história, é algo cada vez mais raro e especial.

Em algum momento, chegou a pensar que o futuro desse teatro nos moldes que conhecemos estava ameaçado?
Jamais! O teatro vive em crise, e crise é sinônimo de crescimento. O teatro só vai acabar com o fim da humanidade.

Como é reviver um grande sucesso dos palcos? O Marco Nanini e o Ney Latorraca (atores da primeira montagem, O mistério de Irma Vap) chegaram a assistir ao espetáculo com vocês? Como foi essa experiência?
Irma Vap tem sido um grande sucesso por onde passa e isso nos deixa extremamente felizes. É claro que havia medo da comparação e mesmo da falta de público depois de um sucesso retumbante de 11 anos pelo Marco Nanini e Ney Latorraca. Mas o que vimos foi justamente o contrário: pessoas que já assistiram querendo ver essa montagem diferente, pessoas que não assistiram têm curiosidade de ver e quem nunca ouviu falar tem ouvido bem por meio do boca a boca. Portanto, tem sido uma grande alegria. E sim, Marco e Ney foram assistir ao espetáculo e foi muito, muito especial tê-los na plateia, ouvir as histórias deles e chamá-los ao palco para participar do agradecimento.

Foto: Priscila Prade/ Divulgação. No palco, na montagem de Irma Vap

Há planos de a peça viajar pelo país?
Sim. Muitos planos! Temos uma temporada no Rio de Janeiro, em maio, e algumas viagens (Florianópolis, Recife, Brasília, Campinas, Curitiba…), mas as datas não estão todas fechadas ainda.

Você já tem outros trabalhos em vista para 2022?
Pretendo começar um outro projeto teatral ainda este ano.

Imagino que voltar aos palcos pós-pandemia e num governo que não incentiva a arte tenha sido um desafio maior ainda. Falta apoio de governos, mas também não falta da sociedade civil?
Não vejo a sociedade civil como responsável por não apoiar a cultura. Acho que a sociedade civil não sabe o que é preciso para se colocar um espetáculo no palco e, por isso, fica à mercê do que é dito por aí. E não é segredo para ninguém que este governo, recheado de fake news, vem demonizando os artistas e a cultura brasileira. Como é possível perder João Gilberto e Elza Soares (só para exemplificar) e não termos uma manifestação massiva de luto e respeito por parte do governo?!

Por ser filho de diplomata, imagino que você tenha tido contato íntimo com a cultura de outros países. É mais fácil ser artista lá fora? Nunca pensou em uma carreira internacional por causa disso?
É claro que já pensei e já fiz alguns espetáculos e trabalhos lá fora, mas nunca pensei numa carreira internacional. Deixa a vida me levar…

Estamos num ano eleitoral. Como os artistas podem se engajar para tentar melhorar o cenário que estão aí?
Artistas e as chamadas celebridades hoje em dia têm uma responsabilidade muito maior do que deveriam. Por estarmos vivendo na “sociedade do espetáculo”, damos mais ouvido ao palhaço que ao gestor. Por outro lado, fundamentalmente, não acredito que artistas tenham mais obrigação do que qualquer outro setor da sociedade de se posicionar para mudar o cenário em questão.

Mateus participa de ações ecológicas no Rio de Janeiro

Quais são as bandeiras que levam o cidadão Mateus Solano à militância? Sei que a ambiental é um xodó, não?
A questão ambiental é mais que um xodó. É a questão das questões! Se ela não for resolvida, nenhuma outra fará sentido. Um mundo sustentável é um mundo que se sustenta, e o nosso não se sustenta. Portanto, estamos fadados à extinção. Isso tudo é muito sério. Não pode haver nada mais sério do que isso. Ao mesmo tempo, lido com essa questão da maneira mais leve possível, simplesmente me tornando cada vez mais sustentável no meu dia a dia e recebendo imediatamente os benefícios que essa mudança traz para mim e para os que estão à minha volta.

Como você vê o Brasil que seu filho herdará?
Eu não creio que ninguém possa dizer que entenda 100% do que está acontecendo conosco. Estamos vivendo um momento de profunda transição e mudança. Como li outro dia num livro: “nossos filhos vão trabalhar em profissões que ainda não existem”. Portanto, não há como fazer nenhuma previsão. O que se pode fazer é construir um futuro agora.

Vinícius Nader

Boas histórias são a paixão de qualquer jornalista. As bem desenvolvidas conquistam, seja em novelas, seja na vida real. Os programas de auditório também são um fraco. Tem uma queda por Malhação, adorou Por amor e sabe quem matou Odete Roitman.

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