Sem medo de se posicionar, atriz Luana Xavier carrega a luta contra racismo, intolerância e gordofobia. Tudo com leveza!
A atriz Luana Xavier não tem dúvidas: arte, viver e política andam juntos. A cada passo. Sem se omitir mesmo quando o assunto machuca, como racismo, gordofobia e intolerância religiosa, Luana não se cala. Combativa, ela faz campanhas na televisão, posts e stories importantes nas redes sociais.
Na tela, Luana empresta essa força a Giovana, personagem que interpreta na quinta temporada de Sessão de terapia, série do Globoplay. Aliás, Luana não interpreta Giovana. Ela vive a personagem. Tanto que acaba se confundindo com ela.
É sobre esse viver político, sobre o trabalho na série e sobre respeito que Luana falou ao Correio. Confira os principais trechos da entrevista.
Entrevista // Luana Xavier
Você ficou um tempo sendo apresentadora e abraçou outros projetos também. Estava com saudades de atuar?
Eu estava absolutamente ansiosa para voltar a atuar. Eu posso dizer que tudo na minha vida aconteceu quando eu decidi que seria atriz, até porque tomei essa decisão muito cedo. Embora eu ame passear por outros lugares profissionais, como o Selton Mello, meu diretor em Sessão de terapia disse, “eu agora voltei pro meu lugar de origem que é ser atriz”.
A Giovana de Sessão de terapia traz uma questão muito contemporânea, que é a chamada gordofobia. A sociedade está preparada para lidar com isso, na sua opinião?
Estamos num processo recente de reeducação da sociedade, digamos assim. As movimentações políticas do Brasil estão exigindo que a gente abra os olhos para determinadas questões sociais que antes conseguíamos fazer “vista grossa”. Hoje em dia, se você não sabe que a antiga sigla GLS se transformou em LGBTQIA+, você é alguém completamente alheio aos debates políticos e sociais no Brasil. Esse é um bom exemplo para debatermos essa reeducação da sociedade a que me refiro. Portanto, falar sobre os danos emocionais e psicológicos causados pela gordofobia e falar também sobre a importância de se tratar a obesidade como uma questão de saúde e não uma questão estética, sem dúvida, era algo urgente e necessário.
Na entrevista coletiva de Sessão de terapia, o diretor Selton Mello comentou que, para alguns atores, era difícil sair do personagem devido à identificação. Até que ponto aquelas questões eram da Giovana e não da Luana? Isso fez com que o trabalho ficasse mais desafiador?
Realmente, eu e Giovana temos muitos pontos em comum. E certamente esse foi um grande desafio para mim. Quando eu peguei os roteiros pela primeira vez e fui lendo toda a trajetória da minha personagem, eu chorei compulsivamente, porque aquele universo me era muito familiar. Por isso, estabeleci uma meta durante a construção dessa personagem, que era enxergar a Giovana como protagonista da narrativa. Eu queria que as pessoas assistissem e esquecessem da Luana, que é superdivertida e apresenta programa de viagens, ou da Luana irreverente das redes sociais, que faz de sua relação com a família quase um reality show (risos).
A pandemia agravou o problema emocional de Giovana e desencadeou mais compulsão alimentar nela. Como você lidou com o isolamento social imposto pela covid-19?
Foi justamente em março de 2020, no início da pandemia, que eu e minha família descobrimos que minha avó (a atriz Chica Xavier) estava com um câncer em estágio avançado. Ela sempre foi o pilar da nossa família. Então, a possibilidade de perdê-la era surreal para mim. Minha primeira atitude foi fazer meu isolamento com minha família, para ficar grudadinha com minha avó e aproveitar o máximo de tempo possível com ela. Assim como Giovana, minha válvula de escape foi a comida. Eu engordei bastante no início da pandemia. Daí, em 8 de agosto do ano passado, minha avó faleceu e, no dia 14 do mesmo mês, eu fui aprovada no teste para viver a Giovana. Ela me ensinou muita coisa. Foi a partir desse processo de construção da Giovana que decidi procurar uma endocrinologista, que eu já estava adiando há tempos. E agora estou me cuidando direitinho, porque a obesidade me trouxe um enorme cansaço físico, pré-diabetes e hipertensão.
Mesmo antes da estreia de Sessão de terapia você se engajou em campanhas de conscientização de que a obesidade tem tratamento. Nas redes sociais, você também fala dessa questão. Qual a importância de campanhas como essa?
Eu vivi algo recentemente que me mostrou o quanto falar com responsabilidade sobre a obesidade é fundamental. Quando lançaram o calendário de vacinação contra a covid-19 aqui no Rio de Janeiro abarcando as comorbidades, a obesidade elegível era a obesidade mórbida. Eu, por ignorância, achava que obesidade mórbida era aquela que a pessoa mal consegue se locomover. Fui pesquisar sobre isso e também conversar com minha médica. Então, ela me explicou que obesidade mórbida é a obesidade em que a pessoa tem um IMC acima de 40. Só que esse termo “mórbido” vem caindo em desuso, porque ele realmente parece um atestado de morte. E isso não é real. Porque obesidade, apesar de ser uma doença crônica, tem tratamento.
Há poucos anos era difícil achar roupas bacanas para o tamanho grande e produtos de beleza específicos para cabelo ou pele de pessoas negras. A indústria está abrindo os olhos para essa diversidade? Ainda sente que falta?
Essas sempre foram preocupações minhas. Lembro que quando comecei a ganhar meus primeiros “recebidos”, que são aqueles presentes que as marcas mandam para influenciadores digitais, eu dizia que era muito simples as lojas terem roupas para pessoas gordas. Era só fazer os mesmos modelos de roupa para magros, só que com mais tecido. Hoje temos uma variedade de lojas que vão do PP ao G6, ou até algumas que são especializadas em moda plus size. E quanto à maquiagem para pele negra, até bem pouco tempo atrás, quando eu ia para algum trabalho artístico, já levava minha bolsinha de make. Hoje, o mercado de beleza entendeu que, dentro do universo de pele negra, temos uma gama de variações de tons. Enfim, se conscientizaram de que aquela frase bem pejorativa de que “preto é tudo igual” já caiu por terra.
A intolerância religiosa é outro tema que você costuma abordar. Como você lida com comentários desrespeitosos à sua religião no dia a dia? Ainda é difícil punir quem comete esse tipo de abuso no Brasil, não?
A minha religião faz parte de quem eu sou. Eu nasci num terreiro de umbanda e essa é a fé que me contempla. Não tem ninguém no mundo que tenha o direito de dizer que a minha fé é errada. Então, eu decidi que não tolero comentários que ataquem a minha religião. Eu apago, bloqueio a pessoa, respondo à altura quando tenho tempo para isso, mas não engulo a seco. Só que no caso das religiões de matriz africana, a intolerância religiosa, muitas vezes, tem caráter de racismo religioso, pois fere diretamente pessoas negras no exercício de uma fé que foi construída pelo povo preto. O mais triste é saber que, no Brasil, embora o racismo seja crime inafiançável, quase sempre a justiça ameniza esse tipo de violência (porque, sim, racismo é violência) e tudo se resolve com um simples pedido de desculpas ou uma retratação nas mídias digitais. O dia em que o racismo começar a ser combatido de forma veemente pela Justiça brasileira muita coisa vai mudar. E, talvez a partir daí, o povo preto possa andar na rua sem o medo diário de ser alvejado pelo racismo.
Intolerância religiosa, racismo, gordofobia… estamos falando de respeito ao próximo. Você acha que isso deveria ser tema discutido na escola, diluído nas disciplinas?
Tenho muita certeza disso. Em 2003, uma lei foi aprovada no Brasil, e ela exigia o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. É a Lei nº 10.639, da qual minha avó foi uma grande defensora. Ela rodou esse Brasil como conselheira da Fundação Cultural Palmares, disseminando a importância da implementação dessa lei. E, 18 anos depois, ainda temos milhares de escolas que não introduziram essa prerrogativa em seus currículos. Já que muitas famílias não discutem esses temas dentro de casa — ou por ignorância, ou por não enxergarem a necessidade —, seria providencial que as escolas trouxessem esses debates. Mas eu sou uma pessoa bastante otimista. E sigo acreditando que cada vez mais esses temas serão debatidos em várias esferas da nossa sociedade e de forma bastante responsável.
Como fazer para uma criança crescer respeitosa num Brasil em que há desrespeito em todas as esferas: da particular a mais alta pública?
Eu não tenho filhos ainda, mas tenho muitos afilhados. E eu percebo um esforço de minhas comadres e compadres em explicar para seus filhos que viver é político. Acho fundamental que, desde sempre, nossas crianças entendam que vivemos em um Estado Democrático de Direito e que convivemos diariamente com as diferenças. Se desde pequenas as crianças aprenderem que ser diferente não é um defeito, teremos adultos justos e conscientes. E esse, sem dúvidas, é meu sonho de mundo.