Atriz de Cine Holliúdy, Lorena Comparato se divide entre TV aberta e TV fechada. Leia entrevista em que ela fala sobre as séries em que está no ar, feminismo, política cultural e muito mais!
Não importa se é na comédia deliciosa de Cine Holliúdy, série que a Globo estreia nesta terça-feira (7/5), na densa Impuros, da Fox Premium, nas telonas relembrando o Nelson Rodrigues de Boca de ouro, nos palcos, sempre na militância saudável da cia de 4 Mulheres, ou ainda no canal Hysteria, do Spotify. A atriz Lorena Comparato não quer é ficar parada!
E como tem a dizer a jovem! Lorena sabe da importância de uma série que se passa no Nordeste chegar ao horário nobre da Globo (“Sair do eixo Rio-São Paulo e mostrar um pouco mais da cultura brasileira, que é tão genial e diversa, é muito necessário”) e da necessidade de levar temas árduos, com a luta pelos direitos femininos à arte.
Engajada e de família de artistas — Lorena é filha do roteirista Doc Comparato e irmã da atriz Bianca Comparato –, Lorena fala sobre assuntos importantes na entrevista ao Próximo Capítulo que você lê a seguir. Confira!
Leia entrevista completa com Lorena Comparato!
Você está na série Cine Holliúdy. Como é seu personagem?
No Cine Holliúdy eu faço a Formosa, menina muito sonhadora. Porém, a realidade dela é um pouco diferente da normal. Filha da Belinha (Solange Teixeira) e do Lindoso (Carri Costa), os donos da venda de Pitombas, ela é muito apaixonada pelo Francisgleydisson (Edmilson Filho). A Formosa chega no sétimo episódio de Cine Holliúdy depois de ter passado um tempo numa clínica psiquiátrica e atrapalha a história de amor entre Francis e Marilyn (Letícia Colin). O sonho dela é se casar com Francis.
Como foi participar dessa série?
Foi incrível fazer parte dessa série tão importante. Não só ela mostra um pouco da cultura do Ceará como ela traz um humor leve e gostoso, tão necessária num momento difícil como esse que nosso país está enfrentando. Sair do eixo Rio-São Paulo e mostrar um pouco mais da cultura brasileira, que é tão genial e diversa, é muito necessário. Foi uma delícia conhecer tantas pessoas incríveis do elenco e da equipe e trabalhar com o Halder Gomes e Patricia Pedrosa, os diretores que eu tanto admiro. Conhecer o Edmilson Filho foi demais, uma honra mesmo. Eu já era apaixonada pelo filme. Filmamos em Areias, que é uma cidadezinha entre Rio e São Paulo, e nos divertimos muito fazendo. Espero que todo mundo goste e se divirta tanto quanto eu, porque é uma série para família toda assistir junta.
Você fez Impuros e Samantha! (leia a crítica!), duas séries de streaming e TV fechada, e ainda mantém o canal Hysteria, no Spotfy. Vê a chegada das novas mídias como uma ameaça à tevê ou ao teatro?
Fico muito feliz em estar em tantos projetos legais ao mesmo tempo: Impuros, da Fox Premium, Samantha!, da Netflix, Homens?, do Comedy Central e tenho um coletivo chamado Cia de 4 Mulheres que fez o Prato frio, primeiro podcast de ficção do Spotify no Brasil com o Hysteria. Tenho feito algumas participações legais na TV também, como a Camila de Malhação. Vejo a chegada das novas mídias como uma grande porta aberta para um mercado que é muito importante para a formação do público. Na minha opinião, quanto mais se produzir, melhor. Quanto mais o mercado se abrir, mais ele vai ter espaço para a inclusão, vai dar oportunidade pra quem não tem voz e falar sobre assuntos necessários e periféricos. Infelizmente, o teatro e a cultura, em geral, são os primeiros a serem cortados pelo Estado e pelo Governo. Em países com situações melhores que o nosso, a cultura é subsidiada sim pelo Governo, pois eles veem como um investimento a educação por meio do entretenimento. Acho que as mídias se moldam. Com a chegada da televisão, a rádio não acabou, ela se adaptou. Assim como acredito que com as novas mídias a TV e o teatro são obrigados a se adaptar. Faço muito teatro. Amo a interação e a resposta imediata, mas acho, sim, que hoje em dia é no audiovisual que alcançamos mais gente e infelizmente bons espetáculos de drama, assim como filmes mais culturais, são massacrados pelas grande comédias comerciais. Gostaria muito que houvesse mais incentivo para o teatro não ser tão ameaçado porque realmente é emocionante sentar numa plateia e ver a mágica acontecer na sua frente. No geral, vejo as novas mídias como uma excelente oportunidade para cada vez mais pessoas. Infelizmente, as novas mídias não trazem só mais oportunidades, pois nas mãos das pessoas erradas, podem se tornar armas perigosíssimas de disseminação de fake news. Isso me preocupa mais do que o futuro da cultura: o incentivo à ignorância.
As séries brasileiras fora da TV aberta vivem um bom momento e você é presença constante nelas. Vê muita diferença entre a linguagem delas e a das novelas, por exemplo? Isso é bom para o ator?
Vejo bastante diferença entre as séries e as novelas, sim. Desde o inicio da minha carreira fiz muitas séries, dentro e fora da TV aberta, como Pé na cova, de Miguel Falabella; E aí, Comeu?, de Bruno Mazzeo; TOCs de Dalila, de Heloisa Perissé. Hoje me vejo presente e com personagem fixo em alguns canais e isso é bom demais. O formato é a parte mais diferente entre as séries e as novelas. Novela é praticamente todos os dias e são muitos meses de trabalho. Uma série dura menos tempo no ar e para ser produzida, mas pode ficar anos no ar com muitas temporadas. Para o ator bom é trabalhar. Agradeço todos os dias pela quantidade de trabalho que tenho e ralo muito para conseguir manter minha carreira aquecida. Eu amo fazer séries, mas também amo fazer novela! Gosto do momento em que estou pois tenho personagens muito diversas em cada produto e assim posso mostrar minha diversidade como artista. Mas as novelas, principalmente no Brasil, têm muito mais visibilidade. Então, sempre terão partes boas e partes não tão boas de cada formato. Quanto à linguagem, por serem menos episódios/capítulos sinto que as séries têm a possibilidade de ousar mais, enquanto as novelas, por serem folhetins, ainda precisam da repetição para estabelecer as histórias. Quanto à dramaturgia, as séries costumam ser mais inovadoras do que as novelas e deixam para trás muitos temas, formatos e moldes preconceituosos, racistas e que incentivam a competição, principalmente a feminina.
Você tem uma companhia de teatro composta por quatro atrizes. Esse empoderamento feminino permeia as montagens do grupo. Qual é a importância de tocar nesse assunto nos dias de hoje? Ainda temos muito o que aprender sobre respeito ao próximo, não?
A cia de 4 Mulheres começou em 2011, com uma vontade muito grande de quatro atrizes de fazer teatro. Anita Chaves, Andrezza Abreu, Karina Ramil e eu nos unimos porque estávamos cansadas de os meninos sempre se juntarem e chamarem uma menina para participar das peças. Geralmente era uma e todas competiam por aquele lugar ao sol. Resolvemos nos juntar para criar nossas próprias peças e chamar quem a gente quisesse. A gente brinca que sempre fomos feministas e nunca nos denominamos assim. E é verdade. Infelizmente muitas coisas que eu faço e penso são machistas porque fui criada numa sociedade machista e quebrar isso é difícil e é realmente um exercício diário. Mas eu sou mesmo feminista e não tenho o menor medo de dizer isso. Muitos, inclusive mulheres, relacionam o feminismo com algo “chato”, “repetitivo” e “mimimi”, mas infelizmente (ou felizmente), foi por causa dele que adquirimos direitos que hoje em dia consideramos básicos como: usar calças, usar contraceptivos, votar, não ser obrigada a casar, até mesmo sentir prazer e ter uma voz na hora da relação afetiva e sexual, etc. pois poderia enumerar diversas conquistas das feministas que hoje, todas as mulheres usufruem. Enfim, empoderamento feminino é necessário, em todos os âmbitos. Como artista, falar disso nos meus trabalhos é o mínimo que eu posso fazer e acredito que conversando, discursando, militando é que vamos conseguir finalmente mudar e fazer a diferença. Sobre respeitar o próximo, pra mim é essencial. Empatia acima de tudo, seja o outro quem for. E provavelmente será muito diferente de você, terá sofrido coisas diferentes de você e às vezes muito mais ou menos que você. Então respeito é essencial.
Em Malhação, a personagem Camila discutiu a violência (mesmo que não física) contra a mulher. Tocar nesses assuntos em uma trama voltada ao público juvenil tem mais valor?
Pra mim tem MUITO valor. Tudo que fala de causas importantes e principalmente as sem voz, tem valor. Eu sempre quis fazer Malhação, fazia testes desde os 16 anos e era muito por isso: por falar diretamente com os jovens e abordar temas importantes para nossa sociedade. Falar de violência contra a mulher é de extrema importância e eu como uma mulher branca moradora da Zona Sul do Rio de Janeiro sei dos meus privilégios. Nem imagino o que uma mulher negra, pobre, moradora de comunidade deve passar diariamente. As mulheres que mais morrem e mais apanham no Brasil são negras. Triste realidade de um país patriarcal e racista. A parte que eu mais gostei da Camila foi a relação dela com a Pérola, personagem da maravilhosa Rayssa Bratillieri. Ao saber da falta de interesse do namorado dela, que era pai da criança, pela grávida, ela terminou com ele, pois pai tem que ter responsabilidade tanto quanto a mãe. Durante a trama toda, ela se compadeceu da menina grávida e não houve competição feminina, que geralmente é muito incentivada na televisão. Fui abençoada pelo texto da Patrícia Moretsohn que fez uma temporada linda de assuntos tabus, inclusive assuntos como censura e ditadura. O público jovem está em formação. Falar para eles sobre assuntos tabus é mais que valioso, é necessário. E ver o exemplo certo na TV também é muito importante.
Como foi interpretar mais uma grávida? Desperta o desejo de ser mãe?
Sempre quis ser mãe e quase sempre sou nos trabalhos que eu faço. Já sou craque com a barriga, tenho umbigo falso e tudo, e me dou muito bem com crianças e bebês. Confesso que eu sempre tiro uma casquinha. Fico andando pra lá e pra cá barriguda ou segurando o bebê ou brincando com as crianças. Fui mãe no Pé na cova, na Malhação, no Impuros e em muitos outros trabalhos. Acho que é um sinal. (Risos) Um sinal que um dia eu serei, mas não penso nisso agora. Gostaria de amadurecer mais e achar alguém legal que caminhasse junto comigo na jornada difícil que é criar um ser humano. Não que eu não possa ter filhos sozinha, triste realidade de muitas mulheres brasileiras, mas o ideal é ter alguém ao meu lado sim.
Você é filha do roteirista Doc Comparato e irmã da atriz Bianca Comparato. Como sua família influencia em seu trabalho?
Influenciam muito, para o bem! Fui criada em um ambiente onde a arte sempre foi valorizada e incentivada. Desde pequena meu pai Doc, roteirista, e minha mãe Leila, fonoaudióloga, me levavam a museus, contavam histórias, me levavam ao cinema e me incentivavam a ler. Eles investiram muito na minha educação e na minha casa sempre existiu o diálogo. Com a carreira, isso não mudou. Conversamos muito, contamos nossas conquistas e gostamos de ouvir a opinião uns dos outros. Minha família me influenciou a vida toda e segue me influenciando em tudo. Aprendo sempre com as minhas irmãs, com os trabalhos e conquistas, com a minha mãe eu me preparo para todos os personagens e com o meu pai eu estou sempre montando projetos. Já montei um espetáculo infantil dele chamado Nadistas e tudistas e sonho em montar mais. A minha família e meus amigos estão sempre me influenciando e inspirando a minha arte para o melhor.
Vocês costumam dar opinião um no trabalho do outro?
Sempre. Tentamos estar presentes em todos os processos: desenvolvimentos, ensaios, palcos, sets e principalmente nas comemorações. Costumamos contar nossas conquistas e sempre queremos saber a opinião um do outro. A parte mais legal de dividir é que trocamos pontos de vistas diferentes, que sempre somam. O meu sonho é que um dia a gente trabalhe juntos no mesmo projeto! Ver os meus pais emocionados com o nosso sucesso não tem preço. É muito amor envolvido.
Você fez cinco temporadas de Pé na cova. Temeu ser vista como comediante não como atriz depois que o programa terminou?
Não. O medo de ser vista ou taxada como comediante eu nunca tive. Acho dificílimo fazer comédia e me sinto honrada. Vejo na minha carreira muitas comédias, em sua maioria ácidas e realmente é meu tipo favorito de humor. Mas é bom fazer todos os gêneros. Em Impuros, Rock story e Malhação fiz personagens mais dramáticas, mas já em Samantha!, Homens? e Pé na cova, comédia. Porém eram todas muito humanas, com camadas de dramaticidade, verdade e humor em muitos níveis, por isso desgosto de pensar que funciono em um gênero só. Gosto de todos: terror, ação, policial, suspense, realismo fantástico, etc. e gostaria de explorá-los ainda na minha carreira.
Como era atuar ao lado de mestres, como Marília Pêra e Miguel Falabella? Dava um frio na barriga?
Era simplesmente maravilhoso. Eu brinco que fiz pós-graduação/mestrado no Pé na cova. Eu tinha acabado de sair da faculdade e aprendi muito com eles. O Miguel é um gênio, um artista completo, mestre das artes. Sempre falei que o Miguel é Midas, tudo que ele toca vira ouro. E a Marília… Ah Marília, que saudades. Penso diariamente nela. Ela me tratava como uma princesa. Me chamava no camarim dela para bater textos com ela e estava sempre interessada nos meus projetos. No estúdio gelado, eu costumada esquentar as suas mãos. O emocionante era ver ela e o Miguel lembrando de histórias do teatro, da TV e de tudo que viveram juntos. A gente sentava envolta nas gravações e ficávamos só ouvindo. Fomos muito felizes durante a gravação do programa e até hoje nos falamos diariamente pelo grupo do Família Pé Na Cova. Lembro que o frio na barriga sempre existiu. Existe até hoje. Minha primeira cena foi beijando o Miguel Falabella, imagina! O nervosismo foi tanto que falei baixo demais, tive que dublar a cena. (risos) Com a Marília era sempre uma honra e muito respeito. Quando tínhamos cenas de briga, que não eram poucas, no final, eu corria para abraçá-la e a gente ria. Minha maior recordação é um livro que tenho dela chamado Cartas para uma jovem atriz, com direito a dedicatória e tudo. Sou muito privilegiada por ter trabalhado com esses dois mestres. Nunca vou me esquecer.
Você poderá ser vista nos filmes Boca de Ouro, Canta pra subir e Meu álbum de amores. O que pode adiantar sobre eles?
Sou muito apaixonada por cinema. Sempre fui! Esse ano vou estar em três filmes em breve: Canta para subir, Meu álbum de amores e Boca de ouro. Os três são completamente diferentes. Canta para subir, da Caroline Fioratti (com Cacau Protassio, Malu Valle, Samya Pascotto, etc.) é uma comédia romântica que fala sobre religião. Dois jovens querem casar, mas ela é judia e ele é da umbanda, como unir essas famílias com rituais tão diferentes? Foi bem divertido fazer e eu faço a Cleide, uma menina mais humilde casada com um cara mais velho, pai do noivo. Em Meu álbum de amores, de Rafael Gomes, eu faço a Catarina, um dos amores de Julio (Gabriel Leone) e o filme fala sobre o amor nas relações afetivas: amorosas, familiares e de amizades. Em Boca de ouro, texto de Nelson Rodrigues, com direção de Daniel Filho, eu faço a Celeste. Que presente que foi esse filme! Estar ao lado de Marcos Palmeira, Malu Mader e Thiago Rodrigues para contar uma das histórias mais clássicas do teatro e cinema brasileiro, não tem preço. A história é sobre o grande bicheiro Boca de Ouro, mas no fundo o tema principal é a verdade. Celeste é um jovem retratada de várias maneiras no mesmo filme. E qual será a verdade? Estou animada para ver a reação do público. Sou muito fã de Nelson Rodrigues.
Boca de ouro vem da obra de Nelson Rodrigues. Na sua opinião, o dramaturgo ainda é muito atual no Brasil de hoje?
Eu sempre gostei de Nelson Rodrigues. Parte da minha formação como atriz foi com o Daniel Herz, diretor carioca e foi com ele que mais estudei Nelson. Fizemos leituras de seus textos, grupos de estudos e eu tive a honra de participar de uma remontagem baseada em sua obra com a Cia Atores de Laura chamada O decote. Eu acho Nelson um clássico. Muitas coisas que ele dizia assustam, pois eram um retrato de uma época em que se podia falar coisas hoje consideradas absurdas. Para mim, o que mais assusta é que essas coisas “absurdas”, racistas e preconceituosas ainda retratam a sociedade brasileira. Nelson criticava a aristocracia e a hipocrisia social, infelizmente são críticas muito condizentes com o nosso Brasil atual. Onde ganância pode levar alguém? Qual o preço de uma vida? Existem pessoas de bem ou pessoas do mau? Nelson tinha essas perguntas que até hoje são prudentes para nossa sociedade. E seus finais em sua maioria eram trágicos, como tem sido o cotidiano brasileiro nos últimos tempos. Infelizmente.