Produção ficou quatro temporadas no ar — quase em queda livre. O fim de 13 reasons why passou longe da trama que já conseguiu abalar o mundo das séries
Polêmica. Se a estreia de 13 reasons why pudesse ser definida em uma palavra, o adjetivo seria adequado. Ao decidir contar a história de um suicídio para um público alvo jovem, a série travou um caminho tortuoso contra os críticos. Entre acusações de romantização de suicídio e falta de complexidade para temas densos — como saúde mental –, a produção colocou vários especialistas em polos de uma discussão cheia de camadas.
De qualquer forma, o aspecto mais brilhante de 13 reasons why é um fato anterior a toda essa polêmica. Resumindo: as pessoas só se dedicam a discutir um assunto proposto por qualquer conteúdo de entretenimento a partir do momento em que a produção entrega algo digno de se discutir. E foi exatamente isso que a série conseguiu — pelo menos nos primeiros anos.
A história baseada no livro de Jay Asher começou fazendo o dever de casa certinho: desenvolveu um bom roteiro, com um time de produção eficaz e atento, isso aliado a um elenco muito bem resolvido (apesar da pouca idade). Em 13 episódios da temporada de estreia, o público ficou preso dentro das fitas que Hannah (Katherine Langford) deixou para explicar a “responsabilidade” de cada um de seus “amigos” no seu trágico suicídio.
Cuidado, spoilers a seguir!
Além da Hannah
Após a morte da protagonista Hannah, a série decidiu apostar na popularidade das polêmicas para colocar em curso mais história. Se na segunda temporada até dá para engolir a investigação da morte da garota, a terceira já tropeça na “razão” da morte da garota, entre tramas cada vez mais longes de Hannah, perdendo o sentido.
Em breve retrospecto, é importante lembrar do estupro de Tyler (Devin Druid) por Monty (Timothy Granaderos) e o consequente desejo de vingança por parte do garoto ao levar uma arma para o baile, ainda na segunda temporada. Clay (Dylan Minnette) conseguiu salvar o “amigo” da tragédia na ocasião.
Na terceira temporada, Bryce (Justin Prentice) se tornou o grande vilão da história, que funcionou de forma retrospectiva a morte do rapaz. Após infinitos episódios dedicados a resolver o “mistério” da morte do personagem, o público, enfim, entende que Zach (Ross Butler) havia dado uma surra no garoto, mas não o matado. A morte, entretanto, ocorre quando Alex (Miles Heizer) o empurra no lago.
Logo, Clay, Alex, Zach, Tyler, Tony (Christian Navarro), Jessica (Alisha Boe) e Justin (Brandon Fynn) — em soma com Ani (Grace Saif), que chega mais no fim da trama — passam a ser a turma que encobre a morte de Bryce (e o segredo de Tyler). O grupo joga a culpa do crime nas costas de Monty, que acaba indo para a prisão e morrendo lá.
Tudo ok, certo? Errado.
Fim de 13 reasons why
O grupo na quarta temporada tem de, então, lidar com Winston (Deaken Bluman), um ex-namorado de Monty que chega a Liberty High School disposto a descobrir a verdade sobre a morte do ex-amado. Além disso, os adolescentes (nesse ponto nem mais tão adolescentes assim) também têm outro grande problema: a própria consciência.
Nesse sentido, Clay se destaca. Em uma mistura bizarra de loucura e culpa, o garoto passa grande parte dos episódios da última temporada entre surtos psicóticos muito mal construídos (ou explicados). Salva-se aqui a atuação de Minnette, que consegue sustentar grande parte das aventuras de um roteiro bem perdido.
De certa forma, cada personagem tem um demônio pós Bryce/Monty. Tony perdeu os pais, que foram deportados. Jessica não consegue se conectar com Justin após o abuso de Bryce. Justin sofre com as consequências do período que viveu nas drogas (ele foi adotado pelos pais de Clay — a título de curiosidade para quem deixou o barco na primeira temporada). Zach passa a adotar um comportamento autodestrutivo por culpa. E Alex, que é o real assassino, fica mais preocupado com a descoberta da sexualidade na temporada derradeira. Tyler, por incrível que pareça, é o mais equilibrado da história toda.
Após assistir a esses 10 episódios finais, a sensação deixada no telespectador é de uma temporada com muito tempo perdido (como o episódio do acampamento, em que não se aproveita quase nada, ou o tão “surpreendente” acidente de carro com Zach), uma estranha briga entre adultos e os garotos, e por fim, fantasmas muito ativos (Bryce e Monty aparecem quase tanto quanto Clay, o protagonista).
Entre tantos arcos sem objetivo, a temporada final não é de toda ruim. A maior presença de Charlie (Tyler Barnhardt) e o envolvimento com Alex é um bem-vindo respiro de todo o suspense criminal em que 13 reasons why se transformou. A dobradinha Clay e Justin se mantém divertida e a chegada de Winston (que também se envolve com Alex) ajuda a dar uma “animada” na história. O episódio da “revolução” dos garotos contra a escola e a polícia é uma dualidade. Se por um lado foi atropelado e superficial, por outro lado entrou em cena com um timing perfeito em relação ao momento histórico norte-americano.
Por fim, o último episódio se dedica a cartada final de dramas simplórios da temporada de conclusão: a morte de Justin.
O rapaz tinha sido contaminado com o vírus HIV durante o período em que estava nas drogas e na prostituição e, de uma hora para outra, — quando finalmente havia acertado as coisas com Jessica — acabou morrendo. A receita aqui não é muito difícil de imaginar: muita música triste, muitas declarações de amizade e muitas lágrimas (isso com uma pitada de mais um breakdown de Clay, algo que segue até os últimos momentos da série).
Na prática, a morte nem acaba sendo tão surpreende. Fica claro a expectativa por um “último drama” por parte do roteiro, algo que será a “ressurreição” do grupo.
Uma conversa sincera
Após a apresentação dos últimos episódios de 13 reasons why é importante fazer uma reflexão. Nenhuma das falhas que a série apresenta nas temporadas finais a fazem pior do qualquer outra produção do gênero. Todo fã de tramas teens sabe das “concessões” que devem ser feitas em ordem da diversão. Contudo, tais falhas são mais visíveis e mais palpáveis no fim de 13 reasons why exatamente pelo nível de qualidade que a primeira temporada da série apresentou.
A história de Hannah foi muito mais adulta do que apontava a sinopse. Uma trama centrada em um suicídio é algo muito além do que a maioria das séries teens aposta e, por isso, é tão estranho ver 13 reasons why “voltar” ao lugar comum do gênero após ter ido tão mais longe logo no começo.
Em síntese, as três últimas temporadas de 13 reasons why não são imperdíveis. Para os fãs, é melhor mesmo ficar com as “boas” memórias do primeiro ano.