A sinopse de Escape at Dannemora pode não parecer uma grande novidade, afinal produções que retratam fuga de prisões não são exatamente inéditas da tevê. Contudo, a nova minissérie do canal Showtime consegue ir além do comum e apresenta uma história que figura entre uma das melhores produções do ano.
O canal a cabo norte-americano estava passando por um período não tão frutífero em séries de qualidade. Depois de Mad Men (2007) e Dexter (2006), a empresa conseguiu um leve destaque em The affair (2014) para cair em um período de renovação, que em 2018 começou a mostrar bons resultados especialmente com Kidding. Agora, Escape at Dannemora pode ser a única a ameaçar Pose ou American Crime Story: O assassinato de Giani Versace nesta temporada de premiações.
A minissérie (em sete capítulos, o último foi ao ar em 30 dezembro) é baseada em eventos verídicos – de uma fuga que ocorreu em 2015 – e foi criada por Brett Johnson e Michael Tolkin, com todos os episódios dirigidos por Ben Stiller (ele mesmo, o rei das comédias da Sessão da tarde!).
O protagonismo da produção fica essencialmente com três personagens: os prisioneiros Matt (Benicio Del Toro) e Sweat (Paul Dano), e Tilly, a chefe do departamento de trabalho têxtil em uma prisão no norte do estado de Nova York, nos Estados Unidos.
O grande trunfo de Escape at Dannemora é apresentar todo o processo de fuga de Matt e Sweat com a ajuda de Tilly. E mais: mostrar ainda como a natureza humana é extremamente subjetiva ao ponto de a funcionária de uma prisão estadual ajudar os próprios presos a escaparem.
Tilly é uma mulher complexa, triste, imoral e brilhante. Entrando na terceira idade, a mulher se vê presa a um relacionamento de longa data com Lyle (Eric Lange), homem doce e gentil, mas que incorpora a identidade do típico “caipira norte-americano”, que Tilly simplesmente não pode suportar.
A mulher é excepcionalmente construída em camadas, tendo uma personalidade muito bem explorada, na medida certa, em parâmetros extremamente humanos.
A solidão de Tilly “a leva” (a mulher está sempre muito lucida e ciente dos próprios atos) a se envolver em um relacionamento com Matt e Sweat. É comum ler em vários veículos que o relacionamento dos três era romântico, entretanto, isso não é o que vemos na série.
A ligação entre os presos e Tilly é essencialmente sexual. A mulher, de forma manipuladora e, até certo ponto, maquiavélica, usa os dois assassinos para satisfazer os desejos sexuais, e, em contrapartida, os ajudam a fugir.
Em certa medida, a produção tenta esboçar um certo “amor” de Tilly e Sweat. Contudo, me parece que a profundidade desse relacionamento é mais uma metáfora para a saudade e a falta que a mulher sente do filho, atualmente nas forças armadas e longe de casa. Isso tendo em vista as recorrentes cenas em que a mulher insiste em que Sweat a chame de “mamãe” durante os rápidos e repulsivos relacionamentos sexuais no quarto de máquinas do galpão de costura do presídio.
Matt entende a “solidão” da mulher como uma forma de também lhe proporcionar prazer, diferentemente de Sweat, com o claro objetivo de fugir da cadeia.
É brilhante como a produção coloca os três lados em nível de igualdade no controle da situação. Os três buscam objetivos claros com aquele relacionamento sexual insólito, mas é difícil saber quem de fato mantem o controle na busca por tais objetivos.
Atenção, se você não conhece a história real, aqui vão alguns spoilers!
Matt imagina que engana Tilly para arquitetar a fuga, mas será que é isso mesmo? Ou será que Tilly é quem, de fato, usa os dois homens em busca de prazer e companhia que nem mesmo o marido se importa mais em lhe proporcionar?
No fim das contas, os dois conseguem escapar e a mulher se torna a grande culpada da situação (o relacionamento entre ela e os prisioneiros é algo público dentro do presídio, até o marido tem conhecimento, mas nunca tomou nenhuma atitude, por pura conveniência), aparentando ser a “vítima” dos criminosos.
Contudo, a complexidade de Tilly é algo que vai além dos polos de vilão e mocinho que as séries geralmente apresentam. A mulher sabia onde estava se metendo ao ajudar Sweat e Matt e, no fundo, não se importava tanto com as consequências (importante lembrar da brilhante cena de Tilly na banheira de casa, no terceiro episódio, ponderando sobre levar, ou não, a serra de metal para dentro da cadeia e entregá-la a Matt).
Um dos pontos de maior qualidade de Escape at Dannemora é o duro choque de realidade na representação dos contextos mais imorais de uma sociedade aparentemente perfeita, como a norte-americana. O presídio é tomado pela corrupção, com relacionamentos ilegais entre guardas e prisioneiros (que não se limita a Tilly e os dois homens) e a vista grossa das autoridades.
Brilha também a repulsiva relação de Lyle e Tilly. O típico “casal feliz norte-americano” causa arrepios, seja pela estiticidade, seja pela infelicidade. Os dois representam uma falha, um erro, que não busca nenhuma solução por pura conveniência – e preguiça.
A atuação de Patricia Arquette – uma das que ameaçam a vitória quase certa de Amy Adams (Objetos cortantes) nesta temporada de premiações – chama a atenção. A atriz simplesmente se transformou em outra pessoa, e isso não só fisicamente – a atriz engordou 40 quilos para viver Tilly –, mas também psicologicamente.
No auge da carreira, Patricia consegue se comunicar por olhares, gestos, deixando pouco espaço para imaginar outra atriz com poder suficiente para dar vida a uma personagem tão complexa. A vitória de Patricia no Oscar de 2015 na categoria de melhor atriz coadjuvante (com o filme Boyhood), mostra-se hoje não como um acidente – como alguns críticos sugeriram –, mas, sim, como um sinal do talento da atriz.
Benicio Del Toro e, especialmente, Eric Lange também não ficam atrás. Os dois dão um show de atuação e singularidade a personagens aparentemente simples, mas com muita personalidade.
Escape at Dannemora sofre com alguns tropeços por dois fatores pequenos, porém relevantes. A produção usa de recursos da trilha sonora para denotar uma metáfora de estranheza, e então artistas pops como Nick Jonas, Ariana Grande e Bruno Mars vêm à tona para denotar tal metáfora. No piloto, o recurso até que causa certa graça, entretanto, a partir do segundo episódio se torna um pouco enfadonho.
O segundo fator volta-se para a apresentação da vida de Tilly e Lyle. Alguns flashbacks mostrando a vida do casal no passado e os problemas que já enfrentaram talvez dariam mais riqueza e base de empatia as ações dos dois no presente.
Escape at Dannemora, é, enfim, uma minissérie que proporciona entretenimento de primeira qualidade.
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