Não é apenas nos boletins de ocorrência e nos escritórios de advocacia que os crimes virtuais estão em alta. A dramaturgia brasileira parece estar investindo cada vez mais nesse assunto. O tema era para ser o principal mote da cambaleante novela das 21h Travessia (Globo) e também aparece com força em Olhar indiscreto, série nacional que estreia hoje no catálogo da Netflix.
Na produção da plataforma de streaming, a hacker Miranda (Débora Nascimento) tem a vida virada de cabeça para baixo quando, num ato de voyeurismo, acaba flagrando agressões à vizinha Cleo (Emanuelle Araújo). Miranda não fica quieta e acaba se envolvendo numa perigosa trama policial que inclui crimes virtuais, mortes e violência contra a mulher.
Nas investigações, Miranda chega a Fernando (Nikolas Antunes) e Heitor (Ângelo Rodrigues), cunhados entre si e clientes de Cleo, prostituta de luxo. Em nome da investigação, a hacker acaba se envolvendo com eles e entrando em contato com uma perigosa e caliente família.
Na entrevista seguinte, Nikolas Antunes e Ângelo Rodrigues falam sobre as dificuldades de protagonizar as várias cenas de nudez e sensualidade de Olhar indiscreto, dos temas abordados na série e do panorama do streaming brasileiro. Confira!
Vocês têm muitas cenas sensuais, com nudez, em Olhar indiscreto. Como lidam com esse tipo de cena? E com a exposição?
Nikolas — Sem dúvidas o maior desafio é fazer algo realista, com sentimentos e impulsos verdadeiros, mas respeitando as particularidades e os limites da parceira de cena. Parece simples, mas não é.
Ângelo — Foi a primeira vez que estive num set apenas com mulheres trabalhando. Quando falamos de cenas com alguma nudez, foi uma novidade total poder fazê-las na frente de uma assistência exclusivamente feminina. Ultrapassar esse fato foi a minha maior dificuldade, mas contamos com o apoio da nossa coordenadora de intimidade, Barbara Harrington, para que todo o elenco envolvido se sentisse confortável e à vontade para entregar o que nossos personagens precisavam para a cena. Sinto que agora tenho mais empatia pelo trabalho das atrizes nessas cenas porque o que é comum acontecer é o oposto. Geralmente, as atrizes ficam parcialmente nuas na frente de um mar de homens. Agora, pela primeira vez, pude sentir o que elas sentem. Quanto à exposição, não gosto, mas o personagem não precisa saber disso.
Teve medo de Olhar indiscreto ficar reduzida à série que traz essas cenas?
Nikolas — Em momento algum eu tive esse receio. Desde a primeira leitura ficou muito claro que Olhar indiscreto trata da história de pessoas jovens que têm vida sexual agitada, mas isso é apenas um detalhe dentro da trama.
Olhar indiscreto traz essa discussão de como os crimes virtuais estão crescendo. Como vocês lidam com as redes sociais e a internet como um todo? Tomam cuidados?
Nikolas — Eu acho super importante retratar essa realidade dos crimes virtuais. É um papel das artes servir como ferramenta iluminadora dos desvios das pessoas e abordar questões duras. Eu costumo ser discreto nas redes sociais e, desde sempre, estabeleci limites claros sobre como me relacionar com as pessoas por meio das redes.
Ângelo — Na série, Miranda (Débora Nascimento) é uma hacker extremamente habilidosa. Na vida real, eu tenho metade do talento dela para a tecnologia. A internet é o mesmo que ter um megafone apontado para a sociedade. É um espelho deformado da realidade, porém, é um lugar onde podemos debater democraticamente. As redes sociais, como visto em Olhar indiscreto, são uma ótima fonte de voyeurismo.
Outra discussão muito atual no roteiro é sobre a violência contra a mulher. Qual a importância de uma série com esse alcance tratar de um assunto como este?
Nikolas — Super importante e necessário. É obrigação da cultura ajudar a encurralar o machismo e, dessa forma, desconstruir esse tipo de formação violenta e opressiva.
Os personagens de Olhar indiscreto são bem complexos, não sendo totalmente bons ou maus, com várias nuances. Como é viver tipos assim? Deve ser mais desafiador, não?
Nikolas — Eu penso que ser complexo é do ser humano. É muita inocência nossa achar que existem pessoas puramente boas ou ruins, personagens desse tipo estão acabando. É claro que quanto mais complexo é o personagem, mais desafiador ele se torna. E acho isso ótimo, sou movido por desafios.
Ângelo — O maior desafio foi sentir as dores do personagem como se fossem as minhas. O melhor exercício de empatia não é apenas nos imaginarmos no lugar da outra pessoa, mas viver essa realidade a partir do outro. Nesse sentido, mergulhar no universo do personagem e entender suas cicatrizes foi extenuante. O Heitor tem um lado obscuro, com mazelas e amarguras a que ninguém tem acesso. Conseguir chegar ao íntimo do Heitor e legitimar as suas ações foi a maior batalha.
A produção do streaming brasileiro está aumentando, trazendo novos campos para o ator. Sentem que a qualidade das produções está acompanhando essa escalada?
Nikolas — Eu acho que, com o streaming, as produções são feitas cada vez mais direcionadas para os públicos-alvo. Então, há muita oferta e, por muitas vezes, a qualidade não acompanha, mas há muita coisa boa e acho esse caminho muito bom e sem volta.
Ângelo — Com o passar dos anos, sinto que a qualidade das produções brasileiras tem aumentado exponencialmente. Um filósofo grego que viveu há 24 séculos, Aristóteles, dizia: “Nós somos o que fazemos repetidamente. A excelência, portanto, não é um ato, mas um hábito”. Ora, se o trabalho nas produções nacionais é feito com brio e constância, a excelência naturalmente virá. E, neste momento, há produções brasileiras com a mesma qualidade das norte-americanas.
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