Sergio Malheiros: “É impossível ser preto no Brasil e não ouvir piadas”

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Ator Sergio Malheiros se prepara para viver um ativista pelas causas raciais em novela. Para ele, o negro precisa saber se colocar na sociedade. Leia entrevista completa com o ator!

Quem se acostumou a ver Sergio Malheiros como a criança fofa que arrancava sorrisos em programas como Gente inocente (2000) e novelas como Da cor do pecado (2004) pode se espantar ao ver o ator que ele se tornou. Prestes a estrear na série Ouro branco, da Fox, e escalado para 90 graus, próxima novela das 19h, Globo, Sergio tem plena consciência do poder da profissão que escolheu seguir.

“A arte é transformadora não somente na causa negra, mas em todas as causas. Uma das funções da arte é fazer refletir a realidade sob nova perspectiva”, afirma, justificando a escolha por estar numa série que explora a violência no Rio de Janeiro e numa novela que discutirá racismo por meio do personagem dele.

Foto: Jeff Segenreich/Divulgação. Sergio Malheiros: “a arte é transformadora”

“O cenário que eu vejo é um todo, não só no nosso país. É evidente que temos poucos negros em papéis principais no meio artístico, assim como em cargos de liderança, mas é algo que estamos lutando muito para mudar. O Brasil – assim como na abolição da escravatura – segue atrasado nessa evolução, mas aos poucos vamos conseguir conquistar nosso espaço”, reflete.

Reflexo dos tempos de hoje, as redes sociais são outro meio onde o público pode conhecer mais sobre o ator. “As pessoas têm a possibilidade de me conhecer mais e eu tenho a possibilidade de conhecer também um pouco das pessoas que curtem meu trabalho. Essa interatividade é incrível”, afirma.

Leia entrevista completa com Sergio Malheiros!

Como será a série Ouro branco?
A série narra a história do início da militarização do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Eu interpreto Willbert Fonseca, um bandido sádico, violento e extremamente temido no morro. Liderados por Evandro (Raphael Logan), os bandidos do Morro do Dendê começam a tratar o tráfico como uma verdadeira empresa. A trama se passa nos anos 1990 e conta um pouco da articulação das facções criminosas com o tráfico de drogas e armas.

O seriado mostrará a violência e o tráfico no Rio de Janeiro. Falar de um tema tão forte na dramaturgia é necessário?
É necessário, sim. Uma das funções da arte, na minha opinião, é fazer refletir a realidade sob nova perspectiva. O completo abandono do estado em áreas marginalizadas do Rio de Janeiro é a realidade de milhões de pessoas. Eu acho importantíssimo falar sobre esse tema. Principalmente nesse momento em que a violência no Rio de Janeiro chegou a um estágio crítico.

Na próxima novela das 19h, 90 graus, seu personagem será um surfista que luta pelos direitos dos negros em 1990. De lá para cá, muita coisa mudou?
Alguma coisa mudou, sim. A internet, por exemplo, nos ajuda bastante na articulação pela nossa representatividade. Porém, ainda temos muito a conquistar. Por isso continuar a luta é tão importante. Acredito que maior democratização das mídias no ajudou a ganhar espaço em atividades criativas e artísticas, mas ainda existe uma enorme carência de profissionais negros em cargos de liderança.

Como você vê o cenário da tevê brasileira para os negros? Faltam protagonistas negros na nossa televisão?
O cenário que eu vejo é um todo, não só no nosso país. É evidente que temos poucos negros em papéis principais no meio artístico, assim como em cargos de liderança, mas é algo que estamos lutando muito para mudar. No âmbito artístico, tivemos recente o movimento em Hollywood pedindo essa inclusão e, nas últimas premiações, notamos uma mudança nas indicações. O Brasil – assim como na abolição da escravatura – segue atrasado nessa evolução, mas aos poucos vamos conseguir conquistar nosso espaço.

Pessoalmente você já sofreu racismo? Como lutar contra isso?
Sim. É impossível ser preto no Brasil e não ouvir piadas a respeito do seu cabelo duro, dos estereótipos dos negros ou até mesmo comentários preconceituosos disfarçados de “elogios”. Mas a informação e a capacidade de articulação são nossas maiores armas para lutar contra isso. Precisamos saber nos colocar.

Como a arte pode entrar nessa luta?
A arte é transformadora, não somente na causa negra, mas em todas as causas. É através dela que fazemos as pessoas refletirem, seja com histórias verídicas ou fictícias. É uma profissão que tem um poder de tocar o público, de causar uma empatia muito forte. A arte educa, disciplina, evolui. É preciso dar espaço para que essas histórias sejam contadas, para que esse espaço seja diplomático e igualitário, só assim a arte terá um poder mais na nossa constituição.

Você surfa. Isso está sendo importante na preparação do personagem?
Sim, o surf sempre foi um lazer para mim, uma atividade que eu amo. Mas agora passei a me dedicar mais, já pensando na composição do personagem, pesquisando os estilos de pranchas da época e o mundo do surf nos anos 1990.

Qual é a sua relação com outros esportes radicais? Costuma praticar?
Eu amo. Meu pai é faixa preta de caratê e sempre me incentivou a fazer esportes. Todos eles. Comecei a fazer natação com 8 anos, depois ele me levou para a capoeira com 12, depois para o surf com 13… Atividade física sempre foi uma realidade para mim. E nos últimos anos eu comecei a voar de parapente, que virou uma outra paixão.

Aos 11 anos, você estava chamando a atenção em Da cor do pecado. Naquele momento ser ator era uma brincadeira? Quando se tornou “de verdade”?
Era uma brincadeira séria, com muita responsabilidade. Mas eu acredito que amadureci minha relação com o trabalho através do tempo. Sempre tive a sensibilidade artística dentro de mim, mas aos poucos eu comecei a conseguir canalizá-la. Hoje tenho certeza de que é isso que eu quero e tenho cada vez mais confiança no meu trabalho.

Em Totalmente demais, você viveu um vilão. É muito diferente?
Foi uma experiência de construção completamente diferente de tudo que eu já tinha feito. O vilão orbita em um espaço distinto no folhetim, e isso nos dá uma liberdade artística maravilhosa. Eu amei o Jacaré, é um personagem que eu lembro com muito carinho.

Você costuma postar muitas coisas, inclusive da vida pessoal, nas redes sociais. Acha que elas são os novos papparazi?
Talvez. Nunca tinha pensado por esse ângulo. Mas acredito que nas redes eu tenho a possibilidade de ter uma conexão com meu público sem nenhum interveniente. Essa conexão mais direta, na minha opinião, só trouxe benefícios. As pessoas têm a possibilidade de me conhecer mais e eu tenho a possibilidade de conhecer também um pouco das pessoas que curtem meu trabalho. Essa interatividade é incrível.

Como é o Sergio diretor? Tem planos para fazer um longa?
Tenho muita vontade sim. Fazer um longa é o sonho de qualquer diretor. Mas eu ainda sou muito jovem, tenho muito a aprender e ainda preciso lapidar meus projetos. Mas os projetos existem, e são muitos, com muitos parceiros diferentes. Fazer cinema no Brasil é sonho de gente corajosa, e sou um desses.

Vinícius Nader

Boas histórias são a paixão de qualquer jornalista. As bem desenvolvidas conquistam, seja em novelas, seja na vida real. Os programas de auditório também são um fraco. Tem uma queda por Malhação, adorou Por amor e sabe quem matou Odete Roitman.

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