Por Pedro Ibarra
Atuar é viver uma vida que não é sua, é dar voz a um personagem que não é você, mas, sobretudo, é uma arte de criação e estudo constante para desenvolver-se e ser sempre melhor. Enrique Diaz é um desses atores que entendem o processo dessa forma, que está na busca constante para encontrar a evolução. Em 2022, ele atuou em duas novelas, além de ter estrelado peças nos teatros do Rio de Janeiro, sempre transitando pelas várias formas de pensar a cena.
Enrique Diaz foi responsável por Gil da novela Pantanal e está no ar como Timbó em Mar do sertão. Ele também dirigiu peças no Teatro Poeira, onde está em cartaz com o espetáculo O espectador até 26 de janeiro.
O ator classifica o ano passado como “produtivo”, porém não deixa de pontuar a preocupação com a situação política do país. “O ano de 2022 foi muito difícil para o país, passamos por um período política e economicamente muito complicado e um pós-pandemia complexo. Então o estado e o sentimento geral não são bons”, avalia. Contudo, sobre o trabalho o sentimento final foi positivo. “O ano foi, apesar de muito cansativo, muito produtivo e recompensador pelos trabalhos, personagens e equipes. Foi um ano bem louco, mas estamos acabando com fé no que vai vir para o ano que vem”, pontua.
Ao Próximo Capítulo, Enrique fez um balanço de 2022 e falou muito sobre a cena, a arte que o move durante toda carreira.
Você fez dois personagens na tevê aberta, Gil e Timbó. Como você vê a sua atuação nos dois casos considerando as diferenças entre as produções?
Esses dois trabalhos são muito potentes, são novelas que marcam momentos importantes na história da televisão a meu ver. Os dois personagens que têm em comum o elemento da discussão social, são pessoas espoliadas dos bens, estão na linha da fome. O Gil, por exemplo, tem que emigrar do lugar que ele vive em função da perda dos filhos e da terra. Ele traz elementos muito importantes que dialogam com as questões políticas deste ano, da fase difícil que estamos vivendo. O Timbó tem uma coloração muito mais viva e humorada, mas que também representa uma parte muito grande da população que é desprovida de meios e direitos, são pessoas que precisamos pensar com muita contundência.
Em termos da natureza dos personagens para mim como ator, é muito bom ter essa variação do mais trágico, como Gil do Pantanal, um personagem muito triste, mas muito amoroso; e o Timbó que tem o lado do amor e da família, mas é uma pessoa picaresca do humor, na linhagem do João Grillo e da comédia brasileira. Poder exercitar a atuação nesse espectro tão amplo é muito bom e me dá muito prazer sempre, principalmente por serem figuras muito bem escritas em novelas muito bem escritas e muito bem realizadas
Falando sobre o Gil, como foi o retorno ao mágico mundo de Pantanal?
Teve essa particularidade incrível que foi eu estar voltando para a mesma novela em uma nova versão. Mesmo tendo apenas feito uma participação bem pequenininha há 30 anos como filho do Gil, então fui pai de mim mesmo e filho de mim mesmo. Foi lindo não só pela força que a novela teve no passado e agora e da importância da discussão que faz sobre o meio ambiente implícita, mas por me ver ali. Ver o tempo passando, a relação com os filhos, das perdas, dos ganhos e do tempo passando. Achei uma coincidência bela. A relação com a equipe foi muito bacana.
O Pantanal fala dessa cisão social que não se resolve, ele toca no tema dos excluídos, isso está lá presente ainda hoje cada vez mais. É importante que isso apareça na tevê aberta, que a gente pense e trabalhe sobre isso.
Sobre Mar do sertão, o que o Timbó te trouxe de novo em seus trabalhos para televisão?
Mar do sertão é uma novela muito linda, muito propícia para esse momento de restauração e reconciliação, então é uma produção que traz muita familiaridade. Um universo muito conhecido da cidadezinha nordestina, com suas figuras icônicas. Ela nos ajuda a nos reconhecermos. Acho curioso também o Nordeste ter sido a região que fez a eleição do Lula acontecer de maneira tão explícita, inclusive sendo vilipendiado e maltratado pelo ex-presidente. Agora é época de uma novela muito amorosa.
O Timbó é maravilhoso, com detalhamentos de prosódia, de tipos de fala e de lugar no mundo. Um ser desprovido de bens materiais, mas sempre com muita fé, muito humor e amor pela família. Ele tem problemas éticos, com um machismo empedernido que as pessoas criticam com total razão e ao mesmo tempo um carisma muito grande que as pessoas amam de todo o coração. Ele é complexo, amoroso, carismático e que me deixa muito feliz. A parceria com os atores que fazem a minha família é sensacional. Adoro a Clarissa Pinheiro, a Sara Vidal, o Lucas Galvino e o Miguel Venerabile. Eu estou amando fazer esse personagem, é um presente mesmo para mim.
Você sempre foi muito ativo no teatro. Como o seu empenho nessa forma de interpretar te dá profundidade no seu trabalho em televisão?
Eu fiz muito teatro na vida tanto atuando quanto dirigindo. Acredito que o teatro tem uma característica em geral, que é a oportunidade da gente se debruçar mais nas discussões de dramaturgia, atuação, direção de arte e estética, de alguma maneira há pensamento sobre a cena. A televisão acaba sendo um espaço que você pode exercer esse pensamento a partir da dramaturgia. A proposição do pensamento, seja em qualquer aspecto, está ali para que possamos executar aquela cena. A gente consegue aprofundar um pouco mais quando desenvolvemos pensamento sobre os materiais que nos dão. O treinamento no teatro colabora bastante com a compreensão do que a cena pode ser.
Qual a importância de o público frequentar mais o teatro e de se encontrar maneiras dessa forma de arte ser acessível?
O teatro é diferente do meio audiovisual porque é necessária a presença fixa, mas a questão da escala possibilita que você tenha várias oportunidades de assistir ao espetáculo. No teatro podemos falar de coisas mais singulares, experimentando e sendo mais específicas. Então ele é um espaço de imaginário, fuga dos clichês e estereótipos muito amplo. A gente faz o exercício de sair dos espaços que a gente é confinado, em termos sociais e de imaginação. Assim como a literatura, a gente cria espaços e isso serve muito para a vida psíquica.
É essencial que o espaço do teatro seja estimulado e utilizado, inclusive de forma educacional e de prática em várias instâncias da sociedade, para além do profissional em que se paga ingresso. Teatro é muito importante, ele é a prática do imaginário em corpo e espaço.
Se pudesse seguir só em um. Seguiria no teatro ou atuação para as telas?
Eu gosto muito do trânsito entre linguagens, gêneros e veículos. Então eu jamais poderia escolher entre uma coisa ou outra, estou sempre passeando entre eles e usando o espaço como antídoto e complemento para outro. Amo teatro, tevê e cinema, amo a arte em geral. Não abro mão de nenhum desses espaços para mim.
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