Por Pedro Ibarra
Uma das maiores obras da cinematografia nacional poderia ser intocável, mas ainda há história para contar. O intenso universo de Cidade de Deus está de volta no mesmo ritmo frenético e estreia hoje como série na Max. Com o título Cidade de Deus: a luta não para, o seriado busca ir além e adicionar nuances a uma das produções mais cultuadas da história do país.
Com direção de Aly Muritiba, que também assina o roteiro ao lado de Sergio Machado, Rodrigo Felha, Armando Praça, Renata Di Carmo e Estevão Ribeiro, Cidade de Deus: a luta não para se passa em 2004, exatamente 20 anos depois do enredo do longa. A série acompanha Wilson Buscapé (Alexandre Rodrigues) já como um fotojornalista renomado, mas, assim como o filme, divide tudo em diversos núcleos em uma narrativa dinâmica com mensagem e impacto social. Atores como Roberta Rodrigues, Thiago Martins e Sabrina Rosa voltam aos personagens que viveram na produção de 2002.
Porém, antes de uma nova história, o seriado é o retorno de um dos universos mais amados pelo público brasileiro. “É uma oportunidade imensa voltar para personagens que marcaram a história do país. Cidade de Deus foi um filme que marcou um tempo, trouxe um novo olhar, uma nova linguagem, tanto para o audiovisual quanto no geral”, avalia Roberta Rodrigues, que volta a dar vida à Berenice. Esse reencontro entre os atores que fizeram parte dessa história e o público, por si só, já é especial. “Estar de volta à Cidade de Deus é nostálgico, porque eu posso rever meus amigos”, declara Alexandre Rodrigues em entrevista à Revista.
A série conta uma nova história, dá um passo à frente, apresenta novos personagens e uma Cidade de Deus que o público não reconhece mais. As guerras de Zé Pequeno e Mané Galinha são um passado distante, as questões sociais ultrapassam muito a questão do tráfico, e quem ficou por ali vive outra vida. “A série vai nos viabilizar destrinchar um pouco melhor o futuro desses personagens. Agora a gente consegue ver um pouco dos dramas de cada um deles individualmente”, pontua Alexandre.
O lançamento desenvolve os personagens para discutir o aspecto cultural e familiar da comunidade. A violência existe, mas não é mais só sobre corpos pretos no chão. Discute-se milícia, impacto do governo, corrupção e política. “É uma história de luta mesmo, uma história de luta que trabalha na direção do bem comum. Uma série sobre a força do coletivo. É política pura, no melhor sentido”, diz Andreia Horta, atriz que estreia a personagem Jerusa, uma mulher com sede de poder que namora Braddock (Thiago Martins) e pretende chegar ao topo da Cidade de Deus, agora comandada pelo também estreante Curió (Marcos Palmeira).
Ou seja, a produção realmente faz o novo com base no antigo. “O equilíbrio sutil entre a homenagem e a inovação foi o que guiou a gente o tempo inteiro”, explica o diretor Aly Muritiba. “Eu trouxe algumas peças basilares do filme para me ajudar a manter a essência, mas também chamei um monte de gente nova que estava disposta a respeitar a história sem necessariamente reverenciar o longa”, complementa.
“Quem é fã do filme, quando assiste a série, percebe que está dentro de Cidade de Deus, mas depois do segundo episódio percebem que está vendo Cidade de Deus: a luta não para. Ou seja, está vendo além”, reflete o diretor, que acredita que todo o trabalho é muito original. “Eu não trilhei o caminho que trilhei para chegar aqui agora e imitar o Fernando Meirelles, não tenho vocação para ser imitador de ninguém. Então, respeitando o que ele fez, eu vou tentar dar alguns passos adiante”, crava.
Todos os envolvidos, da equipe ao elenco, foram ao máximo para que saísse esse produto final. “Nós, como artistas, realizadores, pensadores e ativistas, fomos acumulando uma série de bagagem e despejamos tudo nessa série”, diz Aly. O resultado foi uma Cidade de Deus que bebe no passado e caminha para o futuro. “Eu acho que o mais legal é isso, a história, a narrativa da série está repaginada, está atualizada com os tempos, embora a gente esteja falando de 2000”, adiciona Andreia Horta.
“Voltar com o meu personagem tão icônico é de uma grande responsabilidade, mas, se é para fazer, é para fazer para poder valer”, pontua Alexandre Rodrigues. Esse era o raciocínio de todos que estavam ali e decidiram voltar para contar mais uma história. “Eu jamais aceitaria a série se fosse para fazer de qualquer jeito. Fazer parte disso é ser artista e ser artista que quer revolucionar. Todo mundo que estava naquele set fez a vida por meio de revoluções próprias”, complementa Roberta Rodrigues.
Para aqueles que não estavam na primeira vez, é uma oportunidade de viver um sonho. “Mexe com a menina que fui, que nasceu e cresceu na periferia. Poder ser uma das vozes contadoras dessa história repaginada, dessa história atualizada, é uma alegria muito grande”, destaca Horta. “Dá uma honra de ter conquistado.Eu fiz teste, eu passei no teste. Eu ganhei no dente, eu ganhei na luta boa e justa.Essas coisas não têm preço”, completa.
Andreia Horta e Marcos Palmeira são nomes consolidados que entraram na empreitada. Porém, assim como no filme de 2002, grandes atores estão se destacando vindo diretamente do teatro das comunidades. Enquanto há mais de 20 anos eram nomes jovens do Vidigal, agora é o coletivo Arteiros da própria Cidade de Deus que rouba a cena. O que não muda é o fato de tudo parecer convergir para que mais história seja escrita. “Para mim Cidade de Deus é algo espiritual, é como se fosse um combinado astral. Parece que a obra escolhe quem ela quer que a represente”, acredita Roberta.
Cidade de Deus teve um impacto internacional quase sem precedentes, além de ter sido indicado a quatro prêmios Oscar, o longa é uma das produções não gravadas em língua mais assistidas da história. Andreia Horta lembra de uma passagem da CCXP em que o elenco encontrou Steve Toussaint, um dos atores de Casa do Dragão, série que Cidade de Deus: a luta não para substitui na programação da HBO. “Ele falou para o elenco que fez parte do original: ‘eu resolvi me tornar ator quando eu assisti Cidade de Deus’. Ele é estrangeiro e um homem negro. Isso é de uma potência!”, conta.
Com a produção de uma série, foi natural que Warner e a Max apostasse alto na narrativa que estava por vir. “colocando a gente para substituir Casa do Dragão e depois da gente vai vir Penguin é porque a gente está fazendo super bem”, exalta Alexandre Rodrigues. “Estão colocando a gente para substituir Casa do Dragão e depois da gente vai vir Penguin [minissérie sobre o vilão do Batman interpretado por Colin Farrell]. Isso é porque a gente está fazendo super bem o que nos propusemos a fazer”, comemora Aly Muritiba.
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