Especial Falas de orgulho e série Manhãs de setembro são exemplos de como a temática LGBTQIA+ está mais presente no audiovisual brasileiro
Nesta segunda-feira (28/6) é comemorado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, em que lembramos as lutas e conquistas dessa comunidade. A data abre espaço para especiais e para a estreia de séries e filmes na televisão e no streaming. Mais do que isso, chama a sociedade para o debate e tira toda uma comunidade do gueto em que é jogada o resto do ano.
O especial Falas de orgulho leva à Globo depoimentos, em primeira pessoa, de oito personagens. O programa vai ao ar segunda-feira, após a novela Império, tendo reprise no GNT (dia 30) e no Canal Brasil (dia 2 de julho). Sob a direção de Antonia Prado, o especial apresenta ao público as dores e a história de Richard Alcântara, Ariadne Ribeiro, Geisa Garibaldi, Ângela Fontes, Fábio, Mário Leony, Maycon Douglas e Mariana Ferreira. Além dos depoimentos, serão exibidos clipes mostrando a rotina de cada um deles.
A enfermeira aposentada Ângela Fontes tem 69 anos e só contou à família que é lésbica na terceira idade. “Praticamente não fui eu quem revelei: dei uma entrevista achando que ficaria às escondidas. A matéria foi publicada na sexta e, no sábado, já estava nas redes sociais. Minha família toda soube, mas a reação deles foi muito bonita. Só elogios e palavras bonitas. Com isso, consegui realmente apresentar a Wilman como minha esposa e hoje vivemos mais tranquilas. Tirei um peso das minhas costas. Parecia que minha coluna estava envergando, de tanto peso que eu levava”, conta Ângela, em entrevista ao Correio.
Ângela comemora a iniciativa de um programa como o Falas de orgulho. “Muitas pessoas pelo Brasil vão ouvir nossos gritos de liberdade e de tudo mais que precisamos. Nós, idosos, que vivemos tanto tempo dentro do armário e que lutamos tanto para conquistar os mesmos direitos dos casais heterossexuais, vamos mostrar ao mundo que podemos ser um casal”, afirma a aposentada, que ainda espera que o programa “talvez ajude a reduzir a homofobia que mata tantos LGBTQIAs no Brasil.”
A luta de Ângela não é de hoje: “Se hoje ainda temos homofobia no Brasil, imagina como era há 45 anos. O medo sempre estava presente. Fiquei sempre às escondidas, sempre dentro do armário, e foi muito difícil sair. Hoje, está mais fácil. Em vários lugares que vamos, já nos apresentamos como esposas, não mais como amigas ou companheiras.”
Divisor de águas
“O dia em que me declarei gay publicamente foi um divisor de águas pra mim.” A afirmação é de outro personagem de Falas de orgulho, o delegado Mário Leony, de 46 anos. O sergipano lembra que estava em um seminário, no Rio de Janeiro, em 2007, para apresentar o primeiro estudo sobre prevenção e combate à homofobia da academia de polícia.
“Quando percebi a animosidade da sociedade civil e das lideranças do movimento LGBT, eu me senti instigado a falar da minha pesquisa no púlpito. Eu era muito tímido, mas subi e me apresentei falando: ‘Sou Mário, delegado de polícia do Departamento de Homicídios de Aracaju, gay com muito orgulho e policial com muito orgulho’. O auditório veio abaixo”, conta um emocionado Mário.
Naquele momento, ele assumiu o compromisso de voltar para Sergipe e empunhar a bandeira da diversidade dentro e fora da Polícia Civil. “No trabalho, antes, eu tinha pavor de jornalistas, de falar em público e de exposição, o que, no fundo, tinha a ver com a minha sexualidade mal-resolvida. O medo de ser flagrado, de ser julgado. Quando voltei para Sergipe, voltei me sentindo mais inteiro, mais verdadeiro, mais íntegro. Tudo mudou pra melhor quando eu ‘saí do armário’ e declarei publicamente minha homossexualidade”, lembra.
É claro que estar num ambiente como a polícia, muitas vezes associada a estereótipos de homens alfa, não foi fácil no começo. “No início da minha carreira, tive muito medo da homofobia e de não ser respeitado pela minha corporação. Mas isso nunca aconteceu. Acho que isso está muito relacionado com a forma como você conduz e, também, como conduz o seu trabalho: com profissionalismo, com respeito aos colegas. Eu respeito para ser respeitado.”
Para ele, um dos maiores desafios é se deparar com crimes de LGBTQIfobia, muito frequentes na sociedade brasileira, uma das que mais matam essa comunidade no mundo. “Esses crimes mexem muito comigo. Buscando reunir todas as ferramentas que o meu cargo me permite para elucidar os crimes e responsabilizar os agressores. Pelo lado pessoal, busco trabalhar a minha espiritualidade na terapia. Busco me fortalecer para que esses episódios não me abatam assim, para que eu não adoeça no exercício da minha profissão.”
Drama LGBTQIA+ dá o tom de Manhãs de setembro
“Amor não é coisa para travesti”, afirma Pedrita, personagem de Linn da Quebrada, no início do quinto episódio de Manhãs de setembro, lançamento da Amazon Prime Video da última sexta-feira. É essa frase que a série visa negar na história de Cassandra (Liniker), mulher trans que descobre um filho de 10 anos logo quando está colocando a vida nos eixos.
“Essa frase é muito dura porque a gente sabe que é real”, afirma Liniker. “O diálogo é de um lugar de três mulheres que estão cansadas de se verem tão subalternizadas de afeto e de se compadecer disso como se fosse a nossa realidade”, explica.
Manhãs de setembro apresenta, por meio da humanidade das personagens, a importância do carinho e do amor na vida de qualquer pessoa. Para Karine Telles, a Lady da série, o lugar do amor que o seriado busca é sem moral, sem sermão, apenas o de amar e ser amado. “É sobre entender que o amor é uma energia potente que não tem um molde nem um formato”, reflete. “O amor é múltiplo e deveria ser compartilhado por todos”, complementa.
Liniker entende a importância de o seriado seguir essa linha por viver na pele o preconceito historicamente enraizado na cultura brasileira: “A gente sabe o quão distante é o afeto do desejo e do interesse; como é difícil dentro de uma trajetória de que vivemos em um país extremamente transfóbico.” Ela ressalta que, em muitos casos, o relacionamento entre pessoas transgênero e cisgênero termina em violência.
“A Cassandra não está distante de mim quando eu penso que faço parte da comunidade LGBTQIA e da comunidade preta. Eu conheço outras Cassandras, outras pessoas que já passaram por isso, pessoas que, assim como eu, estão na luta diária de tentar sobreviver, mesmo com todos os recordes que estamos vendo”, afirma.
*Estagiário sob a supervisão de Sibele Negromonte