Thriller conta com elenco estelar e trama arrojada para refletir sobre a culpa, o julgamento e a confiança que a família empreende entre os membros; confira o porquê Defending Jacob merece sua atenção
Criada, escrita e produzida por Mark Bomback (que tem no currículo parte da saga Planeta dos macacos e o Vingador do futuro de 2012) e baseada no livro homônimo de William Landay (publicado em 2012), Defending Jacob é a mais nova produção da Apple TV+. No Brasil, a produção chegou sob o título de Em defesa de Jacob. A minissérie estreou no fim de abril com uma estranha estratégia de apresentação que liberou os três primeiros episódios juntos e liberará os cinco últimos semanalmente ao longo de maio.
Seguindo a linha da Apple TV+ em produções originais, que tem como exemplo The morning show, Defending Jacob apresenta um elenco estelar encabeçado por Chris Evans, J.K. Simmons e Michelle Dockery. Na teoria, a produção se encaixa em um thriller dramático, mas a grande graça é que, na prática, Defending Jacob vai um pouco mais longe.
Se de certa forma a premissa do “quem matou fulano” já está quase esgotada no mundo do entretenimento, a produção do streaming reinventa o “suspense da morte” por algo bem mais complexo: o “suspense da culpa”.
Bem arrojado, dinâmico e assertivo, o piloto apresenta ao público o cruel assassinato por facadas de Ben Rifkin (Liam Kilbreth), um garoto de 14 anos. O crime ocorre no subúrbios de Newton, uma cidade com uma população de classe média alta, nos Estados Unidos. À frente da investigação da morte está Andy Barber (Evans, também responsável pela produção da minissérie), um promotor eficiente e referência no ramo. Entretanto, tudo muda de perspectiva quando a investigação acaba levando a um suspeito improvável: Jacob (Jaeden Martell), o próprio filho de Andy.
A acusação do garoto pela morte do colega de escola, sem surpresa, vira o mundo de Andy de cabeça para baixo. Agora, o homem precisa se preocupar em provar a inocência do próprio filho (se é que essa inocência de fato existe), ao mesmo tempo que tem de salvar o casamento com Laurie (Michelle Dockery) e punir os verdadeiros culpados pela morte de Ben.
Crítica de Defending Jacob: Uma trama bidimensional
Cuidado! Possíveis spoilers ao longo do texto
O enredo por si já é primoroso. Desde os primeiros episódios, a investigação pela “não culpa” do garoto é trabalhada de forma coesa e em degraus, ajudando a prender a atenção do público de forma mais concreta. Contudo, o grande trunfo de Defending Jacob é a aposta na vertente psicológica e abstrata do crime.
Isso porque a inocência de Jacob é uma incógnita. Não só para o júri, mas para os próprios pais do jovem. Mais inclinada a ver o filho como o responsável pelo assassinato, Laurie sofre com os demônios no passado do garoto, ao mesmo tempo, em que está presa no desesperador papel de “mãe ingrata” ou “não amorosa”. Andy, por sua vez, tende a acreditar mais na inocência do filho, especialmente pela personalidade mais introvertida e uma espécie de “isolamento social” que compartilha com o garoto.
Trata-se de uma linha bem tênue, mas brilhantemente explorada pelo roteiro: como a personalidade e o “histórico” de cada parente pesa no ato do julgamento da inocência ou não. E esse “histórico” vem em aspas por uma outra vertente que a série trabalha de forma sucinta: o gene da criminalidade.
O avô de Jacob, Billy Barber (J.K. Simmons), é um assassino condenado à prisão perpétua por conta de um estupro e assassinato (a facadas) de uma jovem. Na época, Andy era só uma criança que foi fadada a crescer sem o pai. Agora, o homem precisa entender se, e como, esse “gene” corre, ou não, nas veias do filho.
Desde os amigos de escola do garoto acusado, passando pelos pais da comunidade, até os advogados e policiais que investigam o caso. Cada personagem em Defending Jacob tem um lugar muito bem pensado e traçado para a história em geral. Todavia, indiscutivelmente, o grande centro de tudo são os Barbers e o jogo de julgamento que empreendem.
E o melhor disso é que a série tem uma incrível capacidade de trabalhar esse “jogo” não só na trama, mas especialmente com o público. Não é fácil fazer um histórico de quantas séries conseguiram tão bem brincar com o julgamento do público perante as ações de um personagem sem ser de uma forma cansativa, ou confusa.
A cada momento a perspectiva sobre Jacob muda para os pais e, em consequência, para os telespectadores. Em um instante o garoto é uma vítima de um sistema judiciário falido e cheio de falhas, e que está tendo a juventude arruinada. No outro, é um assassino frio e calculista que pode estar colocando a vida de várias pessoas em risco.
É desesperadamente bom, como telespectador, atravessar esses polos de julgamentos ao longo dos episódios.
Se o enredo já é uma mão na roda para a qualidade de Defending Jacob, o elenco é um verdadeiro show à parte. Evans faz o bom trabalho que lhe é esperado na condução da trama. Destacam-se, porém, Michelle Dockery e Jaeden Martell. A apresentação da mãe assombrada pela criação de um (possível) assassino é cirúrgica. Longe da caricatura dramática tão fácil de ser exercida, Dockery controla uma Laurie ambígua e assustada. Já Martell é aterrorizante (irônico pensar nisso após o protagonismo no filme de terror It — A coisa) na medida certa. Ao externo um jovem revoltado: por dentro uma criança assustada, mas quem sabe, por fora, um assassino?
Com oito episódios, Defending Jacob é apresentada como uma minissérie, porém Big little lies nos ensinou de forma eficaz que o conceito de “minissérie” é bem mais relativo do que deveria ser. De qualquer forma, é uma história que merece atenção. A trama é bem escrita, caminha de forma eficiente (e coesa) e tem uma atuação muito bem afiada. Importante lembrar: a minissérie tem um ritmo que não preza pela rapidez, e sim pela reflexão. Não há fortes emoções atrás de brigas ou explosões. O suspense é o que dita o conteúdo.
Como nada é perfeito, entretanto, fica a crítica pela péssima abertura. Ao lado de Little fires everywhere e The morning show, Defending Jacob entra no rol de produções de extrema qualidade, mas com uma abertura digna de pena, tamanha a preguiça para criação e execução.
Uma outra crítica — mais incomum, mas ainda válida — é a apresentação do clímax do enredo ainda durante a divulgação da produção. Explico: Qual o sentido do trailer da minissérie indicar que a trama principal da história será a culpa (ou não) de Jacob se passam quase uma hora do piloto investigando quem seria o culpado pelo crime?