Minissérie do Hulu estreia nesta sexta-feira (22/5) no Brasil pela Amazon Prime Vídeo. O Próximo Capítulo assistiu Little fires everywhere, leia crítica!
Adaptação de um best-seller, duas grandes estrelas hollywoodianas como protagonistas, uma trama cheia de mistérios, debates de assuntos importantes e atuais e uma narrativa sem mocinhos e vilões. A minissérie Little fires everywhere tem tudo que uma produção precisa para pregar o olho do espectador. E o faz. Mas não se engane, não é pelo suspense, é, simplesmente, por ser uma trama de personagens.
Em oito episódios, a narrativa acompanha a história de duas mulheres completamente diferentes, mas que acabam tendo as trajetórias entrelaçadas: Elena Richardson (Reese Witherspoon), uma jornalista, sistemática, e com uma vida de privilégios de uma pessoa de uma classe média alta, e Mia Warren (Kerry Washington), uma mulher negra, artista anárquica, misteriosa, “quebrada financeiramente falando” e que muda frequentemente de cidade.
Esse dois mundos se colidem quando Mia resolve morar em Shaker Heights, no estado de Ohio, nos Estados Unidos, cidade em que Elena integra a classe média alta. A mulher acaba alugando a casa da jornalista. A ideia é ficar apenas uma temporada no local, como sempre faz, só o tempo de terminar as criações artísticas. Só que, ao perceber, que a filha Pearl (Lexi Underwood), que nunca teve um lar fixo e sequer sabe a identidade do pai, está fazendo amizades e sente a necessidade de fincar raízes, decide permanecer por mais tempo e aceita um trabalho como uma espécie de “governanta” da casa de Elena.
Estar dentro da casa dos Richardsons coloca as diferenças das duas mulheres à prova, assim como os valores distintos. Mas é um acontecimento que envolve a comunidade de Shaker Heights que dá início a guerra entre Mia e Elena, que segue do terceiro ao oitavo episódio. Cada uma delas quer se provar melhor e mais certa do que a outra. O problema é que ambas têm deslizes e um passado que justifica muito do que fazem e vivenciam.
A relação das duas traz para a minissérie o debate sobre racismo, privilégio e maternidade. Como a narrativa se passa no fim dos anos 1990, a questão racial é ainda mais latente do que hoje. É muito claro que a família Richardson e a comunidade de Shaker Heights em geral tem enraizado o racismo estrutural comum de um subúrbio de luxo dos EUA. Em diversos momentos, Little fires everywhere expõe isso. Seja pela figura de Mia ou da filha Pearl, ou até de Brian (Stevonte Hart), namorado da filha mais velha de Elena, Lexie (Jade Pettyjohn).
Apesar de Little fires everywhere ter Elena e Mia como protagonistas, a narrativa se aprofunda nos vários personagens. Elena é mãe de quatro filho. Os dois mais velhos são o retrato da juventude de “um sonho americano”: os mais populares da escola e, consequentemente, os mais mimados. Lexie é a garota mais bonita do colégio e que tem todos os planos para o futuro encaminhados, incluindo Yale, enquanto Trip (Jordan Elsass) é o mais cobiçado pelas jovens. Já os outros dois seriam as “ovelhas negras”: Moody (Gavin Lewis), sendo o mais sensível e que logo se apaixona por Pearl, e Izzy (Megan Stott), a desprezada pela mãe e que está em processo de descoberta da homossexualidade. Além do quarteto, há o marido de Elena, Bill (Joshua Jackson), com quem ela tem uma relação de respeito, mas que envolve pouquíssima paixão.
Todo o clã Richardson tem espaço de profundidade, abrem leques de debate e estão conectados ao enredo principal, assim como alguns personagens que poderiam parecer mais secundários. É o caso de Bebe Chow (Lu Huang), a imigrante chinesa que trabalha com Mia em um restaurante. Bastante calada e tímida, a personagem vê na colega de trabalho um apoio para compartilhar uma das mais sofridas histórias: o abandono da filha. Também há destaque ao casal de amigos dos Richardson, os McCoullough, que aparecem, principalmente, pela figura de Linda (Rosemaria DeWitt), melhor amiga de Elena.
Little fires everywhere tem três grandes clímax ao longo da temporada. O primeiro é no terceiro episódio que mostra o primeiro grande conflito entre as protagonistas. Depois, no sexto, quando o passado de Elena e Mia é destrinchado para explicar e justificar um pouco das atitudes das personagens no presente e no futuro — já que a minissérie começa mostrando que a casa dos Richardson foi incendiada e a polícia acredita não ter sido um acidente — e, em seguida, claro, no episódio final, quando a trama explica o que realmente aconteceu e o caminho até ali.
Little fires everywhere acerta em conseguir sair da obviedade. Alguns conflitos até podem ser previsíveis, mas os mais importantes não são. E servem para que fique claro que não há inocentes e nem culpados por completo. Inclusive, é difícil ter uma opinião muito fixa sobre os personagens e as atitudes deles, mesmo quando estão errados. A minissérie faz o espectador se questionar e se colocar no lugar dos personagens.
Outro mérito são os debates. O racismo está ali exposto, assim como o privilégio. A maternidade também é um assunto na narrativa e passando por todas as dificuldades, desde o aborto à depressão pós-parto. Tudo isso de um modo muito honesto e empático.
Já não bastasse um bom roteiro, a minissérie tem excelentes atuações. Kerry e Reese estão ótimas e encarnam muito bem as personagens. Destaque ainda para as atrizes que as interpretam no passado Tifanny Boone, que faz a jovem Mia, e AnnaSophia Robb, que faz a jovem Elena. Muito bem escaladas, elas conseguem ter os mesmos trejeitos e até o tom de voz das atrizes principais.
Para os fãs do livro, é preciso dizer que há diferenças na adaptação. Algumas grandes, outras nem tanto. Porém, a maioria não prejudica o desenrolar da história. E a própria autora Celeste Ng está de acordo, como afirmou em entrevista ao Correio. Ela, inclusive, atuou como produtora da trama.
Little fires everywhere, sem dúvidas, estará entre as produções indicadas as premiações do fim do ano e do início de 2021. Vale a maratona!