Quando digo que Altered carbon é tudo que Bright não foi, pode soar injusto por serem tipos de produções diferentes — uma é uma série, o outro é um filme — e tratarem de assuntos distintos. No entanto, os dois produtos têm dois pontos fortes em comum: a escolha por fazer um mix de vertentes (ação, sci-fi e comédia) e por estabelecer todo um novo universo. Nessa briga é Altered carbon que acerta em tudo que Bright errou.
Altered carbon é inspirada no livro homônimo de Richard K. Morgan e se passa num futuro estabelecido para daqui a 300 anos. Nesse contexto, a tecnologia avançou ao ponto de que morrer não é necessariamente o fim. Todo ser humano possui um cartucho, onde fica guardado a consciência com memórias, lembranças e características pessoais. Quando uma pessoa morre é feito um upload de todo o conteúdo para uma nova “capa” (um novo corpo), assim ela seguirá em sua vida de imortalidade.
Mas, por ser uma trama de cyberpunk, essa máxima não vale igualmente para todos os humanos. Apenas os mais ricos têm acesso privilegiado a esse imortalidade, conseguindo “capas” que são cópias de seu corpo original e mantendo backup de sua consciência para o caso da chamada morte real, quando o cartucho é comprometido. Os meros mortais devem ficar com as capas disponíveis e não tem o direito ao retorno em caso de mortes reais.
Com parte do contexto da série explicado, Altered carbon acompanha o personagem Takeshi Kovacs (ora interpretado por Joel Kinnaman, ora por Will Yun Lee), o único sobrevivente de um grupo de guerreiros, chamados de emissários, da revolta contra o Protetorado (sistema que governa Bay City, planeta em que se passa a trama). Após 250 anos com a consciência apagada como sentença do crime de terrorismo ao sistema, ele volta à vida graças a Laurens Bancroft (James Purefoy). Um dos mais poderosos de Bay City, o milionário convoca Takeshi para investigar o assassinato que sofreu.
Caberá a Takeshi Kovacs tentar entender como Bancroft foi assassinado. Mas esse caso levará o personagem a encontrar uma conspiração envolvendo diversos outras pessoas e assuntos. Enquanto investiga o caso, ele conhece a policial Kristin Ortega (Martha Higareda), que, por algum motivo misterioso (revelado ao longo da temporada), não sai do pé do emissário. No meio disso tudo, Kovacs ainda lida com as lembranças da irmã Reileen (Dichen Lachman) e da amada Quellcrist (Renee Elise Goldsberry), a líder dos emissários, que morreram há anos atrás.
À primeira vista lendo a sinopse, Altered carbon pode parecer confusa. O motivo é que existe todo um universo para ser apresentado e a série faz isso muito bem. Logo no primeiro episódio é possível entender parte do contexto e, ao longo dos capítulos (ao todo, são 10), o espectador é inserido por completo nesse universo.
A temporada como um todo é boa. Há momentos de muito destaque, que avalio serem os episódios 1, 4, 7 e 10, por serem pontos de clímax ou reviravolta. Inclusive, reviravolta é uma palavra importante na série. Como a personagem Quellcrist diz em alguns momentos de narração no seriado ao ensinar técnicas de guerra aos emissários, “a primeira coisa que você aprenderá é que nada é o que parece”. A menção é, sem dúvidas, a frase de ordem de Altered carbon. Quando o espectador acha uma coisa, a série mostra depois que não é bem assim, esse lado de surpresa é um ponto a favor do seriado.
As atuações também são um fator de destaque. Joel Kinnaman, que não é lá um ator tão celebrado, entrega um Takeshi Kovacs exatamente no ponto. Ele é duro, forte, egocêntrico e tem seu ponto de humor. A química com Martha Higareda também está ótima. A atriz é outro destaque no elenco ao viver a policial Ortega, que é uma personagem forte, decidida e um agrado ao público latino.
Ainda estão bem Dichen Lachman, Will Yun Lee, Chris Conner (Poe, uma espécie de consciência virtual), Ato Essandoh (Vernon Elliot, que vive um ajudante de Kovacs), Kristin Lehman (Miriam Bancroft), Hayley Law (Lizzie Eliot) e Cliff Chamberlain (Ava). Não me agrada muito a Quellcrist de Renee Elise Goldsberry, mas acho que tem mais a ver com a essência da personagem.
A história em si é bastante redonda. Agrada, tem um bom ritmo e consegue estabelecer um debate interessante em torno da questão da imortalidade. O visual também é um forte, assim como a decisão de unir ação, sci-fi, humor e romance tudo numa série só. Além disso, a conclusão da série é boa e deixa um gancho oportuno para uma segunda temporada.
Apesar de todos esses elogios, Altered carbon não é perfeita. Tem lá seus defeitos, com alguns episódios confusos (como o segundo e o terceiro), e um vilão, que tinha tudo para ser incrível, mas não é, exatamente por não ter uma motivação convincente. Mesmo assim é um grande acerto da Netflix, merece seu tempo e também uma sequência em breve.
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