Dirigido pelos aclamados irmãos Joel e Ethan Coen, A balada de Buster Scruggs é um musical no faroeste feito com muito capricho. Leia a crítica!
As 10 indicações de Roma ao Oscar acenderam uma grande esperança de a Netflix levar o primeiro Oscar por uma ficção dela para casa. Mas não está só no belo filme de Alfonso Cuarón a possibilidade (leia aqui a nossa crítica de Roma). A balada de Buster Scruggs, musical dirigido pelos irmãos Joel e Ethan Coen (vencedores do Oscar por Onde os fracos não têm vez e pelo roteiro de Fargo e indicados algumas outras vezes), está indicado aos prêmios de melhor roteiro adaptado (premiado no Festival de Veneza), melhor música original (When a cowboy trades his spurs for wings) e melhor figurino.
A balada de Buster Scruggs reúne seis contos que, em comum, têm o Velho Oeste como cenário e pano de fundo e o humor sarcástico e irônico com toques de morbidez e non sense que permeia a carreira dos irmãos Coen. Os contos são independentes uns dos outros e poderiam ser seis sensacionais curtas que ficariam restritos ao circuito alternativo renegado a essas produções. Ainda bem que os roteiristas nos brinda com esse compilado do longa.
Além disso, a trilha sonora realmente merece a indicação ao Oscar e chama mais a atenção do que a açucarada música de Nasce uma estrela, franca favorita ao prêmio. Outro destaque são as atuações. Me arrisco a dizer que performances como as de Tim Blake Nelson, James Franco e Tom Waits mereciam pelo menos uma indicação. A fotografia, linda, também foi esquecida.
Os contos de A balada de Buster Scruggs
O primeiro conto apresentado no filme é justamente o que dá nome ao longa. Montado em seu cavalo, o verborrágico Buster Scruggs (Tim Blake Nelson) trava um “diálogo” com a gente, como se estivéssemos ali, no cavalo vizinho dele pelo Velho Oeste americano. Com pouca sutileza nas cenas, os irmãos Coen já deixam ali claro que A balada de Buster Scruggs não é para os fracos: tem sangue e violência, sim. O brigão e invocado Scruggs não deixa nada por menos e resolve tudo na bala.
Quando a primeira história termina, somos positivamente surpreendidos com as páginas de um livro (a obra que reúne os seis contos) numa ilustração de tirar o chapéu e que intercala cada passagem de um conto para o outro. No segundo, Near Algodones, é James Franco o dono da cena. Essa passagem talvez seja a mais engraçada de A balada de Buster Scruggs ー lembrando que o humor dos irmãos Coen passa longe do convencional. Na pele de um ladrão um tanto azarado, James Franco nos leva a torcer pelo bandido.
Quando James Franco sai de cena é a vez de Liam Neeson estrelar Vale refeição. O ritmo até então alucinante e com várias palavras dá uma trégua aqui. Sem os braços e as pernas, um rapaz (vivido por um esforçado Harry Melling) é explorado num show circense de horrores. Até o momento, é o conto mais lírico, mas talvez o que mais peque pela ausência de silêncios ー é muita palavra até aqui. Silêncios fazem falta.
O lirismo toma conta de vez de A balada de Buster Scruggs no quarto conto, Cânion de ouro. Aqui, sim, a fotografia brilha e os Irmãos Coen de Fargo podem ser vistos com mais facilidade do que os de Onde os fracos não têm vez. Um senhor viajante (Tom Waits, em mais uma bela interpretação do filme) encontra um local paradisíaco e deserto com a certeza de que ali tem ouro. Munido apenas disso, da solidão e dos pensamentos, ele cava em vários pontos do cenário até alcançar (ou não) o objetivo. Sensível e com uma fotografia de tirar o fôlego que acompanhará A balada de Buster Scruggs até o fim, Cânion de ouro merecia ser um pouquinho maior.
A garota nervosa traz, pela primeira vez em A balada de Buster Scruggs, uma protagonista feminina. Depois de perder o irmão, Alice Longabaugh (Zoe Kazan) segue uma diligência até o local onde um casamento arranjado com um rapaz que ela nunca viu a espera. Resignada, ela vai acordando para a realidade e para o amor por outro homem no decorrer da viagem. Vale a pena notar que a veia crítica dos Irmãos Coen está presente no conto, a começar pelo nome do cachorro de Alice, Presidente Pierce, referência ao presidente americano adepto das políticas contra a abolição da escravatura, nos anos 1850. A atmosfera sombria de A garota nervosa traz à tona um terror psicológico bem característico dos diretores.
Para terminar A balada de Buster Scruggs, os diretores e roteiristas escolheram o policial Os restos mortais. Cinco pessoas em uma carruagem discutem questões existencialistas e logo se veem ligadas por um mistério. O conto daria um longa muito bom. Não por acaso, Restos mortais traz de volta a importância das músicas, lançada lá no primeiro conto ー coisa de roteiristas craques de bola que sabem muito bem o que estão fazendo.