Feminismo, eleições e novela. Por mais que pareçam distintos, esses são os temas da ordem do dia de Guta Stresser, a Rosália da de Malhação – Vidas brasileiras.
Estreando em novelas, a eterna Bebel de A grande família comemora que Rosália permite uma discussão social, sobre a possibilidade de uma empregada doméstica, se quiser, mudar de vida e empreender. “Gostaria que Rosália servisse de inspiração para muitas brasileiras”, afirma Guta, que espera que a sociedade se liberte do pensamento “escravagista” que não percebe o trabalho doméstico como um emprego.
A menos de um mês das eleições, o assunto tira o sono de Guta. “Muita calma nessa hora. A gente não pode votar no primeiro aventureiro que aparece, virar os EUA e eleger um Trump da vida. Precisa ter informação para isso não acontecer. Temos que caminhar para frente sem voltar à repressão. Eu tenho muito medo pela nossa classe, pelos negros, mulheres, homossexuais ー por todas as minorias”, comenta a atriz.
Guta aproveita o momento para levantar a bandeira do feminismo. “Eu luto muito por essa igualdade porque temos condições díspares, inclusive no meu meio. É totalmente inaceitável que a gente ainda concorde com pensamentos como ir contra a contratação de mulheres por causa da licença-maternidade e porque ela gera filhos. Quer dizer, então, que quem gera merece ser punido?”, dispara.
Em entrevista ao Próximo Capítulo, Guta Stresser fala sobre o encanto com a nova geração de atores, a estreia em novelas, eleições e, claro, a Bebel de A grande família, seriado que vem sendo reprisado pelo canal Viva.
Você está no ar como a Rosália de Malhação ー Vidas brasileiras. Como é a troca entre os atores da sua geração e os mais jovens?
É uma troca muito grande e maravilhosa. Eu estou achando incrível a experiência. Eu sempre assistia a Malhação, mas nunca me imaginei fazendo. É realmente muito legal, produtiva essa troca entre as gerações. Eu embarquei nessa história realmente sem saber o que esperar dessa relação. Foi uma surpresa perceber o quanto é legal conviver com essa galera que tem 20 anos, é uma galera muito antenada com o que está acontecendo, superconectada. Eu aprendo muito com eles sobre tudo, desde gírias novas até a fazer stories e a mexer com tecnologia, com as redes sociais. Fora que é bonito perceber o brilho nos olhos deles da juventude, do início da carreira, já que a maioria deles está no primeiro trabalho na televisão. E eles também curtem muito essa troca com a gente do elenco mais velho. A gente tem a voz da experiência, volta e meia a gente tem um conselho bacana para dar sobre coisas que a gente já passou e que eles estão vivendo pela primeira vez. A gente pode sempre ajudar a superar também alguma dificuldade que a fama traz. Outro dia um ator que entrou agora no elenco veio me dar um abraço porque cresceu me vendo em A grande família e que estava feliz de trabalhar comigo. É bacana esse reconhecimento.
Essa geração que está começando agora representa de alguma forma uma renovação na TV. Como você vê essa nova geração que está chegando: são pessoas comprometidas com a arte ou querem apenas a fama?
Tem de tudo: desde as pessoas que se deslumbram um pouco com a fama, com a exposição no vídeo e tal até as pessoas que têm mais o pé no chão, a cabeça no lugar. Tem de tudo mesmo. Mas eu vejo essa nova geração com bons olhos. São meninos que falam muito sobre questões como preconceito, violência, sexismo. As meninas todas são superfeministas e ativistas e isso acaba chegando aos personagens. É uma geração que vem com essa força, com o famoso lugar de fala, e vem de uma forma muito consistente. É claro que tem o outro lado, com algumas pessoas que vêm com uma ideia errada de que tudo será fácil e terá fama para sempre. Mas ali em Malhação, a maioria dos meninos tem essa consciência de que é uma profissão mesmo, sem essa coisa da glamourização. É trabalho e trabalho árduo.
Rosália tem a simplicidade dela, mas é um personagem bem atual, não?
Mesmo com todo ar leve da Rosália ela tem esse lado de ser uma mãe trabalhadora , batalhadora e amorosa ao mesmo tempo. É uma mulher moderna: que tem o próprio negócio. Eu vejo ela como uma mulher que está mudando a própria condição de vida, criando a filha da patroa. É a mulher dos anos 2000 mesmo.
Você acha que isso pode ajudar as pessoas que estão vendo a novela, servir como inspiração mesmo?
Eu espero que sim! Que a Rosália seja um exemplo de superação mesmo, ela é muito ampla e está sendo vista por muitas trabalhadoras brasileiras que também querem mudar de vida. Ela melhora a situação profissional dela: sai da condição de trabalhar em casa de família e de repente vira empreendedora fazendo exatamente o que você sempre fez, que é saber cozinhar, cuidar de uma casa. A cantina tem todos esses atributos que a Rosália mudou na vida dela: tudo muito organizado, arrumado, bonitinho, com quitutes deliciosos. Também tem esse lado de ela querer fazer uma alimentação saudável no colégio. Eu acho que seria muito legal a gente ver as pessoas no Brasil tendo esse tipo de crescimento, empregadas domésticas conseguindo sair da realidade se quiserem. É ver o trabalho delas como um trabalho e não como a herança de um sistema escravagista. Elas são trabalhadoras muito importantes na vida de muita gente. Você terceirizar para uma pessoa o cuidar da sua casa é muito sério. A gente tem que dar muito valor a essas pessoas que estão ali. Precisa ter talento e responsabilidade para estar ali.
Malhação é sua primeira novela propriamente dita. As pessoas te cobravam fazer uma novela? E você, se cobrava?
Me cobravam, sim. Sempre tinha quem perguntava quando eu ia fazer uma novela. Eu achava isso tranquilo porque eu gosto de novela. Mas na verdade sou apaixonada por série (risos). Durante os 14 anos de A grande família eu sempre consumi muitas séries, desde Família Soprano, Friends, Sex and the city e várias outras. Eu tenho uma relação muito legal com novela, gosto de novela. Eu estou adorando fazer novela, mas também tenho saudades de fazer série. (risos). Tem uma diferença entre a obra fechada e a obra aberta ー novela você nunca sabe o que vai acontecer. É divertido porque tem o fator surpresa, mas eu também gosto da obra fechada, de ler todos os episódios antes de começar a gravar. Isso ajuda na construção do personagem. A série fica ali, entre a televisão e o cinema.
O ritmo da novela é mais puxado, não?
É. Mas é gostoso. É desafiador. Shakespeare dizia que a gente tem que estar sempre pronto. Na tevê isso é muito verdade. A gente tem que estar pronto fisicamente porque gravamos muito e em horários diferentes e também profissionalmente. Pronto para uma mudança de rumo do personagem, se o autor achar necessário. É uma gincana! O corpo sente. Eu estou até gripada e tive crise de coluna durante a novela. E a gente tem que se cuidar porque o corpo é nosso instrumento de trabalho. E tem que se preparar intelectualmente e artisticamente, lendo bastante, vendo o máximo de coisas que você puder: filmes, séries, novelas.
E como você faz para se manter com o gás e a saúde em dia?
Eu fiquei um tempo proibida de fazer exercícios físicos por causa de uma hérnia de disco. A Rosália até teve um problema na coluna também (risos). Para mim foi muito ruim porque engorda e porque eu gosto de fazer exercício: ioga, muay thai, caminhadas, aulas de ginástica. Com esse momento que eu não pude fazer exercício, eu fiquei muito inquieta e procurei a meditação como uma ferramenta para acalmar a mente e também liberar endorfina e serotonina. Eu fiz um curso de meditação transcendental e com ela eu conseguir suprir essa carência.
E com a alimentação?
Na minha rotina diária, minha preocupação é não deixar faltar os nutrientes para que eu me sinta bem. Procuro manter uma alimentação equilibrada. Às vezes eu faço uma dieta mais restritiva, mas tudo com bastante equilíbrio. Eu tento ingerir o máximo de alimentos vivos que posso: frutas, verduras cruas, de preferência sem cozimento mesmo.
O canal Viva está reprisando A grande família, seriado em que você ficou 14 anos como a Bebel. Você gosta de se rever?
Eu adoro rever! Nem sempre consigo porque é um horário que às vezes estou gravando ou ensaiando. Morro de saudades. É uma vida que eu passei ali. Eu entrei em A grande família com 28 anos, era uma menina. Acho um barato ver a minha interpretação com aquela idade porque a gente muda profissionalmente. E eu não vejo com lamentações do tipo “eu não tenho mais esse corpo” (risos). Eu fico realmente feliz de ver a trajetória.
Alguma coisa da Bebel ainda vem de vez em quando em outros personagens?
Às vezes um pouco (risos). Na Rosália, por exemplo, não porque elas são muito diferentes. Mas depende do personagem ela dá o ar da graça. Eu fiz o filme Antes que eu me esqueça que eu era a Joelma e às vezes eu fazia uma coisa e dizia “isso é tão Bebel”, o jeito de rir ou de falar. Ela está no meu DNA. (risos). Ela tem o lugar dela na minha carreira e agora é vida que segue.
Você costuma interpretar na tevê personagens mais leves do que faz no teatro ou no cinema. Você sente essa diferença. É uma escolha ou simplesmente acontece?
Foi naturalmente acontecendo. Não tem muita explicação. Mas tem essa diferença mesmo. No teatro eu fiz coisas com o Abujamra, textos mais pesados. Na tevê, não. Mas a hora que a tevê me chamar para uma coisa mais densa, intensa, eu vou estar preparada. Teve Amorteamo que era mais denso.
Estamos a menos de um mês das eleições. O que espera desse momento?
Espero que as pessoas tenham muita consciência na hora de apertar aquelas teclas da urna porque isso muda o destino de uma nação que está precisando muito de gente boa. A gente precisa se informar sobre os candidatos da maneira mais ampla possível e não votar no primeiro que aparecer. É preciso conhecer aquela pessoa, quem é ela, o que faz, se tem uma carreira política procurar os projetos de lei que votou, que aprovou, que barrou. A informação é uma arma para, na hora do voto, a gente não se arrepender depois. A demanda do Brasil é muito grande, a gente está precisando muito de uma mudança.
Tem algum tema que a preocupe mais?
O feminismo é uma bandeira minha. É muito importante também as mulheres se informarem porque feminismo não é simplesmente um monte de mulher gritando. É uma coisa bem ampla. Eu luto muito por essa igualdade porque temos condições díspares, inclusive no meu meio. É totalmente inaceitável que a gente ainda concorde com pensamentos como ir contra a contratação de mulheres por causa da licença-maternidade e porque ela gera filhos. Quer dizer, então, que quem gera merece ser punido? O ativismo feminista é uma questão da ordem do dia para mim. Em casa, com meu marido, com meu enteado, sempre que eu vejo uma atitude machista, opressora com a mulher, eu sempre chamo a atenção e falo “olha, isso não pode. Isso é machismo. Não fala isso”. A questão é que a gente não pode ser punida pelo fato de ser mulher. A gente não pode aceitar ser tratada como inferiores, sendo mal tratadas, com salários mais baixos.
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