A atriz Clara Serrão estreia em novelas como a Bella de Vai na fé. Em entrevista ao Próximo Capítulo, Clara destaca o quão real Bella é. A menina que sai da cidade do interior e vai estudar direito como bolsista no ICAES representa muitas jovens pelo Brasil.
“Eu mesma conheço muitas pessoas nessa condição. Num país em que as desigualdades socioculturais e econômicas cresceram nos últimos anos, é importante apresentar essa possibilidade de estudo além das fronteiras”, afirma Clara. “É muito positivo representar essa classe de jovens que saem de sua cidade natal, geralmente do interior, sem tanta estrutura, com o objetivo de ingressar em grandes universidades para estudar”, completa.
A diferença social entre Bella e colegas como Fred (Henrique Barreira) e Otávio (Gabriel Contente) não deve demorar a aparecer pelos corredores do ICAES, onde a universitária tem a companhia dos também bolsistas Jenifer (Bella Campos) e Yuri (Jean Paulo Campos). “Quanto mais as relações da galera do ICAES forem se desenrolando, mais perceptíveis serão as diferenças dessas realidades, levando nossos personagens a novos conflitos, causando importantes reflexões ao público”, explica.
Clara conta que, assim como Bella, já se sentiu um peixe fora d’água em “lugares elitizados onde eu era a única ou uma das poucas negras do ambiente, inclusive no teatro.” A atriz confessa que demorou a reconhecer o racismo, “mesmo hoje entendendo que ele de alguma forma sempre esteve presente.” Ela lembra uma ocasião: “Na minha adolescência, fui em um fim de semana no shopping com os meus amigos. Resolvemos ir na Casa dos Horrores. Quando estávamos esperando para entrar, duas meninas me entregaram o folhetim de uma loja de eletrônicos aberto na página de escovas e chapinhas. Eu lembro de ter entendido esse episódio como uma brincadeira de mau gosto, mas obviamente foi um caso de racismo.”
Como você define a Bella de Vai na fé?
A Bela é uma jovem mineira determinada, estudiosa, doce, sensata que anseia por novas descobertas e sempre está atenta às ocasiões ao seu redor.
Como está sendo a repercussão da Bella?
Nesse momento da novela ela ainda está bem tímida, contida. Recebo algumas mensagens de meninas universitárias que se identificam com esse sentimento de deslocamento nessa fase inicial da faculdade, e também tem uma galera doida pra ver ela se soltando mais, ganhando mais espaço naquele ambiente, inclusive eu! Felizmente vem bastante coisa boa pela frente.
O fato de Bella estar no núcleo jovem da novela e de seus colegas de elenco terem a idade próxima da sua ajuda numa estreia?
Claro! Estamos todos em momentos parecidos, muito sintonizados, e sempre nos apoiamos no set, cuidando para que possamos fazer nossa parte da melhor maneira possível. É uma troca muito gostosa que contribui para essa energia boa da faculdade que o pessoal está vendo na TV.
O ano de 2023 começa produtivo para você, com as estreias de Todo dia a mesma noite e Vai na fé e as gravações de Cenas de um crime. Quais são as semelhanças entre esses trabalhos?
Acho que todos tiveram propósitos muito fortes na minha vida. Todo dia a mesma noite foi meu primeiro trabalho profissional, minha primeira experiência em set, abordando um assunto muito delicado, representando centenas de vozes que lutam para serem ouvidas. No mesmo mês que finalizei esse trabalho passei no teste para Cenas de um crime. Tive uma perda muito dolorosa, fiquei muito vulnerável física e emocionalmente, e entrar para esse projeto foi minha reerguida. Tive a oportunidade de contracenar com grandes atores que sempre tive admiração, aprendi muito ali. E logo depois veio Vai na fé, essa novela arrebatadora que revolucionou minha vida. Fazer parte desses projetos me engrandeceu enquanto profissional, mas principalmente enquanto pessoa.
Todo dia a mesma noite revive um momento muito doloroso. Como foi conhecer essa história e reviver o drama daqueles jovens?
Antes das gravações eu li o livro da Daniela Arbex, que foi inspiração pra série. Foi um soco no coração. Um misto de angústia, lamento, indignação. Por ser muito nova, na época eu não tinha essa aproximação do que aconteceu, dos fatores que levaram àquela tragédia. Quando li o roteiro da série tive mais conhecimento sobre aquelas famílias, senti mais empatia com as vítimas, tive o pensamento de que poderia ser eu, minha família, meus amigos. Foi muito duro, só me fez reforçar a importância da série em mostrar o quanto já passou da hora da justiça ser feita nesse caso.
E Cenas de um crime? O que você pode adiantar sobre o projeto?
É um projeto que eu me orgulho muito de ter feito. Encontrei generosidade e gentileza em toda a equipe, mesmo estando com o elenco todo experiente, renomado, a todo momento me senti pertencente daquilo, foi incrível. Tudo foi feito com muita qualidade, acho que vai impressionar bastante o público. Mal posso esperar pelo lançamento!
Você se formou em Técnica em mecânica. Como a arte entra na sua vida? E quando vira profissão?
Eu fazia teatro desde criança, bem antes de cursar o técnico. Na época que entrei no CEFET, onde cursei o ensino médio e o técnico integrados, eu estava fazendo aulas de teatro no Tablado. A partir do 3º ano a rotina escolar começou a ficar pesada e tive que me distanciar do teatro, mas nunca parei de estudar atuação. Passei a fazer um curso pra TV uma vez por semana. No último ano da escola eu estagiei na área técnica, parei com os cursos de atuação, mas já com a consciência do meu objetivo assim que terminasse o ano letivo. Quando me formei, no fim de 2019, deixei o estágio e apliquei para a Escola de Teatro Martins Penna e para a graduação de teatro da Unirio, com o objetivo de me profissionalizar. Fui aprovada nas duas e comecei a cursar em 2020, até que veio a pandemia e as aulas foram paralisadas. Passei para o meu primeiro trabalho profissional no fim de 2021, mas as gravações começaram em março de 2022; desde então não parei mais de trabalhar! Hoje eu ainda estou cursando a Martins Pena. A Unirio tive que trancar por conta da rotina corrida do trabalho.
Sofreu preconceito por ser uma mulher nesse curso?
Apesar de ter tido algumas professoras mulheres no curso, era de fato um ambiente muito masculinizado. No primeiro estágio que eu fiz, fui demitida antes de cumprir a carga horária mínima exigida pela escola porque o chefe do departamento achava que eu não tinha tamanho para cumprir as funções do meu cargo, sendo que nunca deixei de executar nenhuma tarefa que me davam. Lembro dele sempre falar nas entrelinhas sobre a questão de eu ser mulher como um possível empecilho pro trabalho, por ser uma fábrica e eu ser a única mulher que trabalhava diretamente com o setor de produção.
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