“Seria muito engrandecedor se a gente começasse a ter uma geração nova de cientistas, de pesquisadores trazendo inovações, descobertas atreladas ao Brasil”. O desejo ー e porque não falar esperança? ー é de Felipe Castanhari, um dos roteirista e apresentador da série brasileira Mundo mistério, disponível no catálogo da Netflix.
Em oito episódios, Mundo mistério desvenda temas como inteligência artificial, extinção dos dinossauros e o Triângulo das Bermudas. “Fiz a série para mostrar a ciência não só pra galera da minha idade, mas para a molecada que ainda vai se formar, ainda vai escolher uma profissão. A gente sabe que muitas mudanças na nossa sociedade só aconteceram por causa da pesquisa científica”, explica Felipe, em entrevista ao Próximo Capítulo.
Visto por muita gente como especialista em ciência, Felipe conta que a equipe de Mundo mistério teve a ajuda de um time de cientistas e professores que explicava os temas para os roteiristas. “Aprendi oito coisas. Em cada episódio eu aprendi uma coisa nova. Para cada tema que a gente fez a gente precisou contratar uma pesquisa científica e eu tinha que estudar essa pesquisa antes de começar a escrever junto com os outros dois roteiristas. Algumas eu não entendia direito. Aí na sala de roteiro eu tinha que ficar enchendo o saco do especialista no WhatsApp”, lembra, aos risos.
A linguagem da série é um dos trunfos para prender a atenção do público. “A linguagem do Mundo mistério é muito única. A gente criou um formato que mistura documentário com personagens”, explica o apresentador referindo-se a Thay (Lilian Regina), Betinho (Bruno Miranda) e B.R.I.G.G.S. (Guilherme Briggs), espécie de inteligência artificial que dá o mote para os assuntos tratados. Além disso, Felipe destaca as imagens exibidas na série, fruto de uma parceria com o banco de imagens da BBC.
Como falar de ciência sem cair numa aula sonolenta, que lembre o pior da escola?
Acredito que quando a gente vai falar de ciência existe uma série de coisas que a gente pode utilizar para tornar o assunto mais interessante. Eu já acho o assunto muito interessante e tudo sobre ele me fascina. Mas acredito que coisas, como histórias reais de fatos que aconteceram para exemplificar, ilustrar com imagens ou animação ー quanto mais coisas visuais a gente conseguir usar melhor. Simplificar as palavras porque tem muito termo que a gente ouve e as pessoas pressupõem que a gente sabe o que significa e a gente não sabe. Isso às vezes acontece em alguma matéria sobre uma descoberta científica e quando eu vou ler penso “a pessoa comum, que não tem mestrado em física e caiu nessa matéria não vai entender nada”. Então, essas coisas podem ser usadas para trazer o tema para um lado mais simples, de mais fácil entendimento.
Você aprendeu alguma coisa fazendo Mundo mistério?
Aprendi oito coisas. Em cada episódio eu aprendi uma coisa nova. Para cada tema que a gente fez a gente precisou contratar uma pesquisa científica e eu tinha que estudar essa pesquisa antes de começar a escrever junto com os outros dois roteiristas. Algumas eu não entendia direito. Aí na sala de roteiro eu tinha que ficar enchendo o saco do especialista no WhatsApp (risos).
Qual é a função dos outros personagens da série?
Eu os criei cada um com uma função bem específica. O Betinho, além de ser um alívio cômico interpretado pelo Bruno Miranda que é um humorista excelente, ele tem a função de conectar a audiência trazendo as dúvidas que possivelmente vão surgir na cabeça deles. A dra. Thay é a especialista, a nossa cientista. Sempre que a gente tem alguma dúvida mais técnica, uma pergunta mais específica a gente recorre a ela. Ela e o Briggs, inteligência artificial criada por ela, ajudam a explicar diversas coisas. E eu sou eu (risos): um cara que gosta de fazer os vídeos ensinando as pessoas.
Tem diferença entre a linguagem adotada em Mundo mistério e a que você usa no YouTube. Quais?
Com certeza. A linguagem, na verdade, é completamente diferente. No YouTube, eu não faço nada com dramaturgia, não tem personagem, não existe um investimento tão grande em técnica. A pesquisa de imagens dessa série é uma coisa única, a gente teve que fazer parceria com o banco de imagens da BBC. A linguagem do Mundo mistério é muito única. A gente criou um formato que mistura documentário com personagens.
A ciência é um ramo em que somos bombardeados de fake news constantemente. Como fugir delas? Tem alguma dica para identificá-las?
Tem muita coisa sensacionalista. Eu vejo muito alarmismo. Às vezes você lê “Nasa diz que meteoro passará bem perto da Terra” e aí você vai ver é um meteoro minúsculo que vai passar a não sei quantos mil quilômetros da Terra e que, se entrasse na atmosfera, seria totalmente torrado. A dica é sempre checar: cheque a fonte, leia o corpo da matéria inteiro e veja se o que está lá corresponde com o título antes de compartilhar.
Mundo mistério chega num momento em que a pesquisa científica no Brasil não vem recebendo muito incentivo governamental — não que um dia tivesse tido o que precisa. Como você vê o futuro dos cientistas e pesquisadores brasileiros?
É um governo que realmente não valoriza muito a pesquisa científica. É muito triste. Mas eu tento enxergar o futuro da pesquisa de uma forma positiva. Eu tenho esperanças. Até por isso eu fiz a série: para mostrar a ciência não só pra galera da minha idade, mas para a molecada que ainda vai se formar, ainda vai escolher uma profissão. A gente sabe que muitas mudanças na nossa sociedade só aconteceram por causa da pesquisa científica. Seria muito engrandecedor se a gente começasse a ter uma geração nova de cientistas, de pesquisadores trazendo inovações, descobertas atreladas ao Brasil. Para isso acontecer a gente precisa de investimento. Mas não é só de investimento. Precisa também mudar essa visão que muita gente no Brasil tem da ciência e transformar ela numa coisa mais apelativa e explicar para as pessoas para que elas entendam a importância da ciência. Uma vez que a gente muda essa relação, acredito que a gente comece a mudar todo o resto também. Mas é claro que antes de tudo passa pelos nossos governantes.
Qual é o feed back que você tem do público da série e do canal no YouTube? Você se acostumou com isso?
É um feedback muito legal, muito positivo. No Youtube, eu já tinha vídeos sendo exibidos diariamente em sala de aula antes da pandemia e o Youtube foi o que me trouxe até a Netflix. O feedback da série está sendo maravilhoso. A Netflix te leva para outro patamar, as pessoas te olham de uma forma diferente: você agora não é mais um influenciador de vídeos da internet, você agora é um diretor, um produtor da Netflix, o que valoriza ainda mais o trabalho. As pessoas gostaram da série e gostaram do formato, que era meu principal medo.
Você acha que está mais para cientista maluco ou para um professor da turma?
Para nenhum dos dois (risos). Eu sou um apresentador que precisa de cientistas e professores para me ajudarem a fazer o que eu faço.
Quando você era criança física, química, ciências eram suas matérias preferidas no colégio? Você gostava de estudar?
Eu sempre fui muito apaixonado por ciência. Mas eu lembro que, quando fui crescendo, o Mundo de Beakman me fez gostar ainda mais dessas matérias porque ele explicava como o mundo funciona. Mas eu gostava de prestar atenção na aula para não precisar estudar em casa porque em casa eu gostava de ficar desenhando (risos).
O mundo geek é muitas vezes visto como fútil. Como lida com esse tipo de preconceito?
Eu acho que isso não existe mais. O mundo geek se aprofunda muito. Você vê a quantidade de séries que se aprofundam em conceitos científicos e fazem reflexões muito importantes. Quem acha que é fútil simplesmente não conhece a quantidade absurda de conteúdos e obras feitas pelo mundo geek e que fazem um paralelo impressionante com a nossa sociedade, trazem críticas superinteligentes e pertinentes.
Hoje há todo um mercado de consumo voltado para esse público. Esse nicho está em alta?
Acho que tem um tempo que sim. Eu cresci nos anos 1990 comprando revistinha em quadrinho, anime, mangás, jogos. Eu sempre achei que tinha bastante conteúdo para eu consumir. Nunca faltou mercado para eu consumir. Mas é claro, com a globalização, a internet, esse mercado triplicou, quadruplicou. Eu fico feliz porque quanto mais gente consumindo, tem mais gente na área para produzir e você tem mais gente trabalhando. Isso fomenta a área e é importante. Não é mais um grupo, o geek já virou uma coisa que todo mundo consome.
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