O audiovisual e a literatura brasileira, em sua maioria, usaram as histórias do folclore brasileiro em dois gêneros específicos: terror e infantil. Mas é por um caminho oposto que a série Cidade invisível, da Netflix, percorre. A produção de Carlos Saldanha (Rio e A Era do Gelo) — confira aqui a entrevista com o elenco — se inspira no thriller policial para imaginar como seria descobrir que as entidades, como Saci, Iara, Curupira e Cuca, vivessem entre os humanos, deixando de ser apenas lendas.
Esses seres mitológicos começam a aparecer para Eric (Marco Pigosso), um policial ambiental, logo após a morte da esposa dele, Gabriela (Julia Konrad), num incêndio suspeito na Vila Toré, uma reserva no Rio de Janeiro, onde ela trabalhava ajudando a comunidade. Como a investigação da morte da mulher não dá em nada, ele decide ir atrás de pistas sozinho, que o conduzem a ligar o caso a descoberta de um boto cor de rosa na praia carioca.
À primeira vista, a sinopse pode até não parecer tão convidativa. Entretanto, a série consegue entregar uma trama crível. Até porque Marco Pigossi faz com que Eric realmente pareça assustado e tenha dificuldade de, num primeiro momento, acreditar que tudo aquilo está acontecendo — o oposto da parceira de cena que interpreta a colega de trabalho, numa atuação bem fraca. Quanto mais investiga, mais fundo ele entra no mundo folclórico, se deparando com personagens como Camila (Jéssica Córes) e Inês (Alessandra Negrini), que são, na verdade, Iara e Cuca, respectivamente.
Durante essa investigação, Eric também acaba descobrindo mais sobre si e sobre os mistérios que envolvem a Vila Toré. O local, que é quase um personagem da história, tem diversos conflitos, desde o envolvimento com as entidades até o interesse de uma empresa na compra das casas da reserva para transformar o espaço num resort. Tudo isso fica claro a partir da decisão da série de iniciar a história com um flashback na Vila em que o público conhece a lenda do Curupira, para depois dar o pulo temporal e focar na história da família de Eric.
A forma como Cidade invisível apresenta as entidades é interessante. Assim que os seres aparecerem o espectador já busca no repertório próprio identificar cada uma das figuras. Alguns são tão emblemáticos que é preciso apenas um segundo de tela para que o público adivinhe, como o Saci feito por Wesley Guimarães. O ator, junto com a caracterização, dá a quem assiste, exatamente o que se espera. O mesmo vale para a Iara de Jéssica. A surpresa fica por conta da decisão de Saldanha de apresentar uma Cuca diferente daquela do imaginário popular. Em vez de um jacaré, Inês se transforma em borboletas.
A série evita usar muitos efeitos visuais. O que é bom, já que eles não são tão bem desenvolvidos como em produções internacionais. Mas também Cidade invisível não precisa disso, afinal, tenta explorar o folclore de uma forma humana. Todas as entidades são humanizadas, até por isso não são nem boas, nem más. São personagens dúbios. Essa dificuldade em entender as intenções dos seres é um ponto que serve para a condução da história e faz o espectador querer continuar assistindo.
Ao menos até o quarto episódio (quantidade que foi disponibilizada ao Próximo Capítulo) — a série tem sete, ao todo –, o ritmo é bom e deixa o espectador querendo saber mais sobre a narrativa de que envolve mistério e folclore, além de drama familiar e policial.
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