O currículo de Bukassa Kabengele é extenso. Desde o início dos anos 2000, acumula trabalhos na televisão. A estreia foi em A casa das sete mulheres, em 2003. Nos dois últimos anos, esteve em Cidade dos homens, Malhação: Vidas brasileiras, Carcereiros e Irmandade, onde viveu papéis em que o ator buscou um diferencial no modo em que os personagens eram tratados.
“Estamos em um tempo em que muitos negros entraram na faculdade. Então, as narrativas e os novos discursos precisam trazer isso. Colocar o negro como um médico, que tenha família, que tenha referências, que tenha símbolos e motivos humanizadores. É preciso mudar a forma como se olha os personagens negros dentro de uma trama. Porque, para ter representatividade, é preciso ter um sentido de mudança”, avalia.
Esse outro olhar foi um dos motivos que chamou a atenção de Bukassa para assumir o papel de protagonista do filme Atrás das sombras, de Thiago Camargo, que acabou sendo lançado neste ano nos serviços de streaming (Net Now, Vivo Play, Oi Play, Looke e Canal Brasil) devido à pandemia. Na obra, Bukassa é Jorge, um detetive de Goiânia que ganha a vida desvendando crimes que a polícia não resolveu. Numa nova investigação, ele começa a ter sonhos com uma assombração, que os moradores acreditam ser quem realmente comete os assassinatos.
A preparação para dar vida a Jorge foi intensa. “O personagem ocupa praticamente o filme inteiro. Está presente em todas as cenas. Entendi que teria muito trabalho, tanto psicologicamente quanto fisicamente. Fiz várias pesquisas para entrar no universo técnico da corporação da polícia e dos investigadores particulares”, lembra. Ele também foi atrás de entender quem era esse personagem: “Tem esse lado místico e misterioso da história. Mas eu estava tentando compor um cara mais cético, entendendo as camadas importantes que estavam ali dentro do roteiro e da narrativa”.
Para ele, um dos grandes temas de Atrás da sombra é exatamente o protagonismo negro. “É um filme que tem um protagonista negro e um elenco composto por atores negros, que também estão inseridos na trama principal. Acho que dentro dessas camadas invisíveis há questões simbólicas, como a da Dona Dalva (Elisa Lucinda), uma mulher negra, curandeira, que não fala, o que retrata o silenciamento das nossas vozes. Temos várias mensagens embutidas no filme que fazem analogia com o racismo”, revela.
Esse é o segundo protagonista da carreira de Bukassa. Antes, ele havia feito o papel principal em Pacificado, filme de Paxton Winters que rodou o circuito de festivais. “É um filme poético sobre esse cara que tenta sair do tráfico e reconstruir a vida sabendo que tem uma filha. Rendeu-me o prêmio de melhor ator no Festival de Cinema de San Sebastian, na Espanha”, explica.
Na pandemia, o ator tem se dedicado à carreira musical, já que a maioria dos trabalhos como ator foi interrompida. “Hoje, sou respeitado como um ator potente, capaz de corresponder e fazer bons trabalhos. Tive propostas para teatro, para uma série, novela, enfim… Paramos todos, estamos nesse hiato, nesse ponto de interrogação”, explica. Então, restou a música, a qual está envolvido desde a adolescência. Ele chegou a acompanhar nomes como Marisa Monte e Elba Ramalho em turnê. “Tenho lido livros, estudado, descansado, cantado. O mais importante é tentar reavaliar e entender a nossa base real”, define.
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