Bukassa Kabengele em conexão com a ancestralidade

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Ator Bukassa Kabengele completa 25 anos de carreira em duas séries e comemorando a ligação entre o Congo e o Brasil. Confira a entrevista com ele!

Bukassa Kabengele é daqueles atores que enchem a tela. O talento desse congolês que está desde criança no Brasil é imensurável. Comemorando 25 anos de carreira, ele pode ser considerado um especialista em levar a realidade para a tela. Na segunda temporada de El president (Amazon Prime Video), ele viverá o jogador de futebol africano Tessema; em O jogo que mudou a história (Globoplay), mostrará o início do narcotráfico no Rio de Janeiro.

E talvez tenha sido com a tocante interpretação de Nelson Mandela na primeira temporada do especial Falas negras (Globo) que Bukassa Kabengele tenha aparecido para o grande público. ‘Minha africanidade e memórias da minha juventude como criança no Congo fazem parte da minha força e assinatura artística. É dessa relação que conecto minha ancestralidade. Estabeleço meus mistérios e olhares”, afirma o ator, em entrevista ao Correio.

Entrevista // Bukassa Kabengele

Você está completando 25 anos de carreira. Que balanço faz desse período?
Estou feliz com a minha caminhada. Sinto estar num momento diferenciado e possuo, agora, respeito e maior diálogo com equipe, produções e por parte de diretores. Está mais saboroso, pois minha compreensão de textos e personagens aumentou. Tenho melhores papéis e personagens, além da maturidade. Isso ajuda bastante.

Que conselho daria para um ator que está começando a carreira agora?
Sonhe, mas trabalhe as bases bastante em termos de estudos para que esteja pronto na hora em que as chances aparecerem. Seja ousado, pense fora da caixa. Faça seu melhor com o que tiver à sua mão. Os trabalhos virão, faça contatos… Mostre a cara e esteja alerta. Confie na sua voz interna, mas entenda o seu entorno.

Você veio do Congo para o Brasil ainda criança. O que da África ainda está em você e aparece na sua arte?
Minha africanidade e memórias da minha juventude como criança no Congo fazem parte da minha força e assinatura artística. É dessa relação que conecto minha ancestralidade. Estabeleço meus mistérios e olhares.

Na segunda temporada da série El President (Amazon Prime), você dá vida ao jogador de futebol africano Tessema. O que você sabia dele antes de gravar?
Não sabia nada. Essa é a beleza de nossa profissão. Às vezes, entramos em universos desconhecidos, lemos, estudamos, vemos vídeos e abrimos nossas mentes. Ampliamos nossos saberes mergulhando e aprendendo com a vida que os personagens, e suas histórias, nos oferecem. Por isso a arte é tão importante: por ela ampliamos nossa capacidade de sentir e compartilhar a vida de forma mágica.

Como foi, para você, viver um ídolo africano na ficção?
É sempre uma honra… Tive uma recepção muito positiva de africanos na figuração, o que me deu ainda mais orgulho. Entendo a importância da representatividade. Isso mexe com a autoestima, e o fato de ser um africano me conecta e traz novas camadas à negritude e a minhas lutas anti-racistas pelas minhas posturas e vigílias no trabalho.

Você está na série do Globoplay O jogo que mudou a história. O que pode adiantar sobre esse projeto?
Essa série será, acredito, um marco no audiovisual em termos de feitos e olhar para a história do nascimento do narcotráfico, seus criadores e personagens. A vida dentro do sistema carcerário e todas as amarras sócio políticas e esse universo atreladas. Será um épico. Muito potente, emocionante e cheio de ações incríveis.

Seu personagem é um traficante, um dos líderes do tráfico na região dele. Como humanizar uma figura como essa?
Todas as figuras são humanas em suas histórias e vidas. As formas de narrativas e olhares preconceituosos na sociedade as desumanizam, quando fazem parte de grupos excluídos e negados. Não estou falando do âmbito moral, e sim existencial. Quando a narrativa a permite que vejamos lados sensíveis de relações desejos, sonhos, lutas, vitórias e ou derrotas atreladas as vidas humanas com todas as suas complexidades e fragilidades conseguimos, com protagonismo ou não, desde que haja visibilidade para tal, abrir caminho para interpretações que buscam humanizar personagens. E esse é uma das minhas maiores preocupações em meus trabalhos. Esse personagem existiu, sentia, amava, chorava e sonhava… Humanizar é estar atento a essas fissuras que compõem uma pessoa e sua relação com o mundo no âmbito social versos seu universo interno.

Você deve fazer o filme Um ano inesquecível – Outono, dirigido por Lázaro Ramos, que também dirigiu Falas negras. Como é a relação de vocês dois?
Eu amo Lázaro Ramos… Nossa relação é de muito respeito, muito afeto e de muita admiração mútua. Lázaro é genial em tudo que faz, é alguém que entendo e confio plenamente. É extremamente inteligente, atualizado e politizado. Tem uma capacidade de articulação e trazer para todos os seus embates profissionais o afeto como arma positiva de contato e sensibilização do público e profissionais que com ele trabalham. Quando temos oportunidade, mesmo que rapidamente entre mensagens rápidas no WhatsApp, sempre me emociono, ou rio profundamente de alguma colocação dele. Humor é inteligência. Lazinho é um irmão. Não cabe em palavras minha admiração por esse querido amigo.

Você chamou bastante a atenção do público da televisão vivendo Mandela no especial Falas negras. Como foi essa experiência?
Posso dizer que tive a honra e o privilégio de ter interpretado Nelson Mandela em um belíssimo e importante projeto a convite de uma das pessoas que mais admiro e respeito, que é Lázaro Ramos. Foi bastante desafiador, fiz um dos textos mais extensos no programa. Um impactante trecho do discurso de Mandela em 1964, antes da prisão. Meu desafio foi sair da imitação e trazer humanização na fala… Na minha estrutura de decupar o longo texto, a cada parágrafo imaginei Mandela em um momento específico da vida, desde a infância até a saída dele da cadeia antes de se tornar presidente. Eu me permiti fazer essa viagem, e procurei viver e trazer para os dias de hoje essa fala que ainda nos afeta. O texto era inteiro original e não acrescentamos nada. Tive que achar meu Bukassa em Mandela.

O especial foi um sucesso de crítica e de público e trouxe de maneira muito poética a questão urgente do racismo. Por que a televisão brasileira tem tão poucos programas como esse?
Vivemos uma estrutura social racista. Não estamos representados nas narrativas, nos profissionais e lugares de poder nos setores criativos e bem como produções, direção e roteiros nos mercados do audiovisual. A televisão brasileira, por anos, vem reproduzindo modelos e formatos de conteúdos que colocam a negritude à margem e estabelecem olhares do lugar que esperam que o negro esteja. Sempre abaixo da soberania branca. Isso para resumir um tema complexo e bastante polêmico. A melhora é pequena e gradual e não corresponde à parcela de 56% da população negra no Brasil. A desigualdade impera, e a reparação é urgente.

Seus trabalhos na televisão/streaming são em séries. Sente vontade de fazer uma novela?
Tive alguns convites nesses dois anos de pandemia. As agendas não bateram e sinto que na hora certa, com mais engajamento e respeito do público, acabarei fazendo algo bacana. Mas a quantidade de projetos que realizei me dá maior liberdade e me permite maior diversidade de temas e para diferentes públicos. Em tempo de fazer uma novela, cheguei a realizar quatro distintos projetos, por exemplo. Para pegar uma novela, tem que valer muito a pena.

Vinícius Nader

Boas histórias são a paixão de qualquer jornalista. As bem desenvolvidas conquistam, seja em novelas, seja na vida real. Os programas de auditório também são um fraco. Tem uma queda por Malhação, adorou Por amor e sabe quem matou Odete Roitman.

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