Intérprete de André em 3%, série da Netflix cuja última temporada estreou em agosto, Bruno Fagundes espera um futuro para o Brasil muito menos caótico do que o mostrado na trama. Leia entrevista com o ator
Quando um ator entra na quarta temporada de uma série ー e na terceira do personagem dele, a gente pode pensar que ele liga o piloto automático e segue. Afinal, ele já conhece aquela pessoa e entende as ações dela. Mas o que poderia ser o facilitador do processo é justamente o que o deixa mais difícil ー e talvez mais saboroso. Assim pensa Bruno Fagundes, ator que vive o André na série 3%, cuja quarta e última temporada estreou dia 14/8 na Netflix.
“A dificuldade é a mesma, senão maior. Você tem que lembrar o que fez nas temporadas anteriores, não pode abandonar o personagem que existiu nas outras temporadas, tem que acrescentar camadas, e isso é um desafio incrível. Ainda mais no caso do André, que ‘virou a casaca’, que aprofundou questões mal resolvidas, que está mais agressivo, mais intolerante. Ao mesmo tempo ele ainda é o André da segunda temporada, que se fragiliza ao ver a irmã, que ficou um ano numa solitária cheia de espelhos”, explica Bruno em entrevista ao Próximo Capítulo.
Bruno continua dizendo que nesta temporada “o André é um líder deposto e está tentando uma negociação com os integrantes da Concha para aderirem ao novo Processo. Enquanto isso esses integrantes estão tentando ir para o Maralto para um golpe final. Essas duas situações estão acontecendo paralelamente e depois disso há mil desdobramentos da história.”
Um dos orgulhos que Bruno sente da trajetória de 3% é que ela “sempre se comprometeu em ser uma série política, mas sem ser panfletária. Ela aborda questões políticas e sociais de forma alegórica, mas muito contundente. Tem muito a ver sobre a questão política atual, polarização, intolerância, agressividade vigente, sobre resolver as coisas a base do grito.”
A ação de 3% se passa num futuro distópico, o que também pode nos levar ao questionamento de como será a sociedade com o passar do tempo. Seremos mais perto da apocalíptica cena da série? “Não tenho ideia como vai ser nosso país no futuro, a evolução de todos nós como seres humanos não é linear, temos momentos bons, de repente retrocedemos. É impossível prever. O que é possível é sonhar que as pessoas tenham mais compaixão, tolerância, aceitação das diferenças que tanto nos une, que nos faz tão especiais”, reflete o ator.
A classe artística é uma das mais atingidas diretamente pela pandemia, que certamente deixará lições para todos os lados. “Acho que a lição pós-pandemia não é para os artistas, é para quem consome a arte. A gente não vai parar, sempre lutamos contra diversas adversidades, por uma maior valorização, espaço, adaptação de linguagens. Temo que talvez a gente não consiga retomar o público. A lição que fica é: Se você gosta de arte, teatro, museu, cinema, quando isso tudo passar, volte massivamente e incentive a produção artística”, convida.
Entrevista// Bruno Fagundes
Quais são as novidades do André para essa temporada de 3%?
Agora que a temporada já está no ar, posso dizer que basicamente o Processo 108 está sendo um processo feito de forma ilegítima. No final da terceira temporada, o André deu um golpe no Conselho, chegou armado na sala da Nair e disse que quem manda no Processo agora é ele. Essa é uma questão bastante importante da quarta temporada, o André é um líder deposto e está tentando uma negociação com os integrantes da Concha para aderirem ao novo Processo. Enquanto isso esses integrantes estão tentando ir para o Maralto para um golpe final. Essas duas situações estão acontecendo paralelamente e depois disso há mil desdobramentos da história. Não vou dar mais detalhes (risos), tem que assistir!
Depois de duas temporadas, fica mais fácil voltar ao personagem?
Não fica mais fácil. É um processo mais complexo que isso, muito artesanal, meticuloso e detalhado. O que fica mais fácil é que há mais intimidade com aquele personagem, quando é bem escrito e bem construído, quanto mais a história avança, mais dados se tem sobre ele. Então, não é necessariamente mais fácil, mas se tem mais ferramentas para trabalhar. A dificuldade é a mesma, senão maior. Você tem que lembrar o que fez nas temporadas anteriores, não pode abandonar o personagem que existiu nas outras temporadas, tem que acrescentar camadas, e isso é um desafio incrível. Ainda mais no caso do André, que ‘’virou a casaca’’, que aprofundou questões mal resolvidas, que está mais agressivo, mais intolerante. Ao mesmo tempo ele ainda é o André da segunda temporada, que se fragiliza ao ver a irmã, que ficou um ano numa solitária cheia de espelhos. Então o desafio é maior, mas muito prazeroso.
A expectativa para a quarta temporada é maior por causa do desfecho?
A expectativa é total e absoluta. Particularmente, o que aconteceu com o André na quarta temporada foi um presente para mim como ator, exatamente porque é muito bom ter tantas ferramentas bem escritas para poder trabalhar. Isso é raro de ver, é raro ter uma oportunidade dessas numa novela, que não tem essa chance de aprofundamento. A novela anda muito mais rápido, são muito mais personagens e histórias. Nesse sentido, minha expectativa é de conseguir desenvolver um trabalho que eu nunca tive a oportunidade de mostrar na televisão, só tive essa oportunidade no teatro. Para mim, 3% é uma vitrine do meu trabalho, de tudo o que sei fazer como ator, a maior parte de todo meu aprendizado eu consegui usar nesse personagem. Além de tudo é a última temporada de uma produção que faz muito sucesso dentro e fora do Brasil, é todo um processo que se conclui.
3% mostra uma divisão social que é muito atual. Qual é a importância de se falar sobre isso?
A série sempre se comprometeu em ser uma série política, mas sem ser panfletária, ela aborda questões políticas e sociais de forma alegórica, mas muito contundente. A série é de ficção científica, mas menos das ciências tecnológicas e mais das ciências sociais. Ela tem muito a ver sobre a questão política atual, polarização, intolerância, agressividade vigente, sobre resolver as coisas a base do grito. A produção foi muito atenta para deixar a série atual, e ao mesmo tempo universal, isso que é incrível. Ela conversa com a situação do nosso país, mas com qualquer regime autoritário, que seja contra a democracia.
A série se passa no futuro. Como você imagina o futuro do Brasil? Em termos de sociedade, estaremos perto do visto em 3%?
Não tenho ideia como vai ser nosso país no futuro, a evolução de todos nós como seres humanos não é linear, temos momentos bons, de repente retrocedemos. É impossível prever. O que é possível é sonhar que as pessoas tenham mais compaixão, tolerância, aceitação das diferenças que tanto nos une, que nos faz tão especiais. Eu espero que de maneira nenhuma cheguemos a uma situação de 3%, até porque é uma série distópica, onde 97% vivem na extrema miséria. Não é muito diferente do que vivemos hoje, mas espero que isso mude, que tenhamos um país menos desigual, menos injusto, com maior distribuição de renda, maiores oportunidades de crescimento para todos.
Você fez no YouTube o Amigo é bom, mas dura muito. Como foi a experiência? É muito diferente estar no Youtube e na televisão ou no teatro?
Foi muito boa, sempre quis desenvolver um trabalho que fosse plural, é muito importante ser um artista assim, os tempos estão mudando e sou ‘’fominha’’, quero fazer parte de tudo o que eu puder. Minha carreira sempre se embasou no teatro, sou um ator de teatro, desde os meus 16 anos, nunca fiquei um ano sem estar em cartaz. Só não estou em cartaz esse ano pela pandemia. A iniciativa do canal surgiu da minha vontade e do Felipe de desenvolver algo juntos, e a forma mais democrática e fácil de criar esse conteúdo, foi no YouTube. No canal sou um Bruno bem mais livre, com muito humor, sem ser levado a sério, em um ambiente de criação espontânea e improvisos. O de 3% é outro, que tem um personagem para defender e um trabalho de responsabilidade surreal. E no teatro é outro processo, sempre produzo as peças que faço, desenvolvo todo o projeto. Os trabalhos são muito distintos e incomparáveis.
Com a pandemia, muitos artistas optaram pela produção remota. Qual é a lição que fica desse período para a arte?
Acho que a lição pós-pandemia não é para os artistas, é para quem consome a arte. A gente não vai parar, sempre lutamos contra diversas adversidades, por uma maior valorização, espaço, adaptação de linguagens. O que temos visto são os artistas fazendo um esforço desumano para transpor a linguagem para uma situação remota. Sinto muito pelo teatro, logo ele que tem sua força na aglomeração, em lotar uma sala com diversas pessoas focadas só no que está acontecendo no palco. Temo que talvez a gente não consiga retomar esse público. A lição que fica é: Se você gosta de arte, teatro, museu, cinema, quando isso tudo passar, volte massivamente e incentive a produção artística.