sara e nina Foto: Oseias Barbosa/ Divulgação. O projeto Sara e Nina foi o embrião para os atores entrarem em Pega pega

Atores brasilienses brilham como drags em Pega pega

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Alessandro Brandão e Gabriel Sanches vivem as drag queens Rouge e Rúbia na novela Pega pega. Tom de leveza reforça a importância das personagens

Os atores brasilienses Alessandro Brandão e Gabriel Sanches estão mais do que acostumados com o universo drag queen. Titulares do conceituado projeto Sara e Nina, eles foram parar na novela Pega pega (2018), trama de Cláudia Souto que está sendo reprisada às 19h, na Globo, como Rouge e Rúbia.

Três anos depois, a importância das personagens parece ainda maior. “Em Pega pega, as pessoas podem ver questões importantes de forma leve, amorosa e sem banalizar ou enfraquecer nossas questões”, afirma Alessandro, em entrevista ao Correio. “Levar o personagem à novela é oferecer representatividade e inclusão para aqueles que se identificam e, muitas vezes, não se veem fazendo parte de lugares de destaque e importância social”, completa Gabriel.

Na entrevista a seguir, Gabriel Sanches e Alessandro Brandão falam sobre representatividade, adiantam os próximos passos na telinha e se declaram para Brasília. Confira!

Entrevista // Gabriel Sanches e Alessandro Brandão

Fotos: Oseias Barbosa

Pega pega é uma novela leve, das 19h, mas toca em assuntos relevantes. Qual é a importância de um personagem drag queen estar nesse contexto?
Gabriel — Todo assunto pode e deve ser leve. Mas não é para ser leviano ou superficial. Leve, eu quero dizer livre de tabu, livre de preconceito, de estigma. É preciso libertar nosso pensamento dos julgamentos e estigmas. Conceitualmente, o horário das 19h é para histórias leves. Ali também pode ser falado sobre tudo. Desproblematizando as diferenças, libertando as crendices, alargando a reflexão. E tudo isso, muitas vezes, por meio do riso. A Rúbia fez história desse jeito. Uma personagem que entrou despretensiosamente na trama e foi sendo requisitada pelo público. Muita gente, inclusive, torceu e “shippou” o casal Rúbia e Pedrinho (Marcos Caruso).
Alessandro — É muito importante trazer pautas LGBTQIAP+ para todos os lugares, para que as pessoas vejam e se aproximem das nossas demandas. Em Pega pega, as pessoas podem ver questões importantes de forma leve, amorosa, e sem banalizar ou enfraquecer nossas questões. Umas das maiores relevâncias da Rouge/Rogério é esse desvelar da drag queen.

Você acha que trazer uma drag para a novela das 19h tem impacto na aceitação por parte da sociedade?
Gabriel — Claro! Porque traz conhecimento e informação. Tem gente que não conhece por falta de acesso, tem gente que nega, que não quer ver ou saber por preconceito e ignorância. Só que o conhecimento é o que nos liberta. Então, levar uma drag queen ao público de novela — principalmente às 19h, quando a família pode se reunir, o público jovem está junto — é levar possibilidade de descoberta, de acesso ao desconhecido. E é também oferecer representatividade e inclusão para aqueles que conhecem, que se identificam e, muitas vezes, não se veem fazendo parte de lugares de destaque e importância social.

Alessandro Brandão – Sim, e muito. Não só por trazer uma drag queen, mas por revelar a vida dessa drag. Porque as pessoas podem ver que nós não somos desconectados do mundo e isso tira esse estigma de que nós temos sempre assuntos muito duros, que somos agressivos e de difícil trato. Mostra que, apesar de todo o conflito e sofrimento que passamos, nós somos pessoas que também trabalham, estudam, pagam impostos, aluguel e que precisam ser vistas como parte integrante da sociedade. E que, acima de tudo, somos pessoas que amam e que querem ser amadas. E isso a Claudia Souto ( autora da novela) fez com muita destreza.

Rouge é uma drag queen, mas a trama dela vai além disso, com conflitos como outro personagem qualquer. Qual a importância disso?
Alessandro — A maior importância de Rouge e da Rúbia é trazer o olhar da população para o universo íntimo da drag queen. Mostrar que somos pessoas que amam, que querem ser amadas. Que vivem uma vida como qualquer outra pessoa que não esteja sob o guarda-chuva da sigla LGBTQIAP+. É preciso quebrar o estigma de ser excluído, impróprio, proibido. Trazer a público que somos lindes, animades, amoroses, felizes, capazes e queremos mostrar isso pra sociedade. E estar em uma novela das 19 que alcança todas as faixas etárias é maravilhoso e de extrema importância para isso.
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Da primeira vez que a novela foi exibida, como foi a reação do público ao personagem?
Gabriel — Eu só recebi carinho! Em todo o lugar que ia sempre me paravam para comentar alguma coisa. A vez mais marcante, para mim, foi quando eu estava no metrô do Rio e uma mulher me chamou para conversar dizendo que ela assistia à novela todo dia com o filho dela por causa da Rúbia. Ela dizia que o filho era novo ainda, mas que tinha muita vontade de se montar, que assistir à Rúbia na televisão a ajudava a desmistificar a arte drag, o universo LGBTQIA+. Ela me agradeceu com lágrimas nos olhos. E eu me emocionei junto com ela. No final, nos demos um abraço forte e eu só conseguia pensar que o que eu estava fazendo cumpria propósitos até maiores do que eu podia prever.

Espera que desta vez, com a reprise, seja a mesma repercussão? Ou o Brasil está num momento diferente, menos intolerante?
Gabriel — O Brasil está num momento diferente definitivamente. Mas não diria menos intolerante. Aliás, pelo contrário. Vivemos um momento de muita tensão em função da pandemia e da situação política. Ambas são razões de muito desamparo, desespero, frustração, luto. E o nosso contexto político, na verdade, agrava ainda mais a crise sanitária gerada pela pandemia. Num contexto como o que estamos vivendo, honestamente, não sei o que esperar da repercussão da novela. Mas torço para que tenhamos dias melhores em breve, que tenhamos a população vacinada e que saibamos votar melhor nas próximas eleições.
Alessandro — Eu espero que dessa vez seja ainda maior a repercussão. Pois precisamos, a sociedade precisa. Não acho que o Brasil esteja num momento menos intolerante, não. Continuamos a ser o país que mais mata pessoas LGBTQIAP+ e tristemente superamos essa marca a cada ano. O que vejo é que nossa luta e nossa resistência estão mais aparente por causa das redes sociais. Mas o Brasil está longe de superar toda essa LGBTfobia. Somos um dos países mais perigosos para uma pessoa LGBTQIAP+ viver. Ver Pega pega no ar de novo com essas personagens tão lindas me dá um sopro de alegria.

Crédito: Arquivo Pessoal. Gabriel Sanches como Rúbia

Você teme ficar estigmatizado com esse personagem na televisão?
Gabriel — Eu sou um artista tão dedicado, tão diverso, entregue, estudioso. Posso fazer tanta coisa. É triste me reduzir a uma versão só. Eu temo falta de trabalho, falta de oportunidade. Tenho raiva de preconceito. Mas tenho muito orgulho do que faço. Se alguém tentar me reduzir a um estereótipo, ela estará me tratando com o preconceito dela.
Alessandro — Não temo ficar estigmatizado. Eu passei minha vida sendo estigmatizado como o garoto gay, o viadinho da quadra, a criança viada do colégio Objetivo. Quando olhei para mim e vi que sou a potência que sou, eu me livrei do estigma. Meu trabalho como drag queen tem muita relevância. Para mim, é um lugar de luta. Eu quero conquistar mais lugares, fazer personagens diferentes porque eu sei que sou capaz.

Como eram os bastidores de Pega pega? Rouge aprontava muito?
Alessandro Brandão – Era uma delícia. Estou lembrando aqui e dando muita risada (queria colocar um emoji de risada agora, porque sou cringe). A gente se divertia demais, no camarim, no estúdio, na cidade cenográfica. A gente ria muito. Todos nós, diretores, técnicos, atores. Imagina quatro drags aprontando nos camarins. A gente levava umas quatro horas só na maquiagem. Os maquiadores amavam quando a gente chegava para gravar. E todos adoravam estar lá com a gente, Marcos Caruso, Camila Queiroz, Elizabeth Savalla, Guilherme Weber. Era demais. Lembranças maravilhosas eu tenho.

Vocês têm o projeto Sara e Nina, também desse universo de Rúbia e Rouge. Como a estética drag chegou a você?
Gabriel — O convite para fazer o teste para a Rúbia veio justamente por causa desse meu outro trabalho. Em 2010, eu e Alessandro desenvolvemos um projeto chamado O manifesto do bicho, para um festival do Rio de Janeiro. A partir desse espetáculo, descobri um mundo de possibilidades na minha feminilidade e comecei a investigar isso. E descobri o mundo drag. Assistia a todas temporadas de RuPaul’s Drag Race repetidamente. Até que, em 2014, uma amiga estilista nos convidou a posar montados para um catálogo de moda dela. No dia em que nos montamos juntos para essa sessão de fotos, surgiu a dupla Sara e Nina, que, em 2016, se tornou um trabalho musical. De lá para cá, temos essa vertente de nosso trabalho artístico. Sara e Nina, atualmente, são uma banda gravando o segundo álbum.
Alessandro — Eu e Gabriel tínhamos fundado um grupo de estudos e experimentos artísticos, o In.pulso, e nossa pesquisa estava toda se voltando para as questões de gênero. Foi aí que sentimos que era hora de deixar as meninas, que estavam quietinhas em nós desde pequenos, aparecer. Estavam quietinhas porque crescemos ouvindo que isso era errado, mas o teatro, o trabalho artístico nos deu força e chegaram Sara e Nina. Ser drag é uma ato de coragem.

Vocês são brasilienses. Qual é a importância da cidade na formação de vocês?
Gabriel — Eu sou um brasiliense apaixonado! Confesso que quando saí de Brasília aos 17 anos, não imaginava o quanto a cidade era diferente de toda outra que conheci posteriormente e isso me deixou intrigado e até chateado. Pensava “meu Deus, eu estava vivendo numa ilha isolada!” Com o tempo, fui percebendo o que é que me forma enquanto brasiliense. Uma das características mais marcantes pra mim é que convivi a vida toda com gente de tudo quanto é estado desse país. Meus pais são mineiros de BH, meus avós são mineiros do interior. Uma das minhas melhores amigas era da Paraíba, meus primos eram de Goiânia, outros do Rio de Janeiro, uma tia morava em São Paulo, fui apaixonado por uma menina do Acre, meu ex-marido tinha a família entre Salvador e Maceió. Olha quanta diversidade cultural na minha formação! Um dos pilares da cultura brasiliense é justamente ser uma cidade jovem, formada por gente de todos os cantos, uma identidade em formação. Isso sou eu também. Só conheci o teatro formalmente com 15 anos. Antes disso, eu tinha feito teatro sem saber direito o que era. Eu montava peças no quintal da minha avó e vendia entrada para os vizinhos. Eu fazia teatro, mas não sabia que eu poderia fazer aquilo como escolha de vida.
Alessandro — Importância total. Brasília está em mim, me formou, me fez ser quem sou hoje. Eu tive tempo de me formar artista, e acho que só em Brasília isso seria possível porque Brasília tinha espaço. Éramos ainda poucos artistas por aí. A gente conhecia todo mundo. Eu acredito que sou da segunda geração de artistas da cidade. Abracei tudo o que podia: dança, teatro, música. Eu me formei em balé na escola da Norma Lillia; fiz artes cênicas na UnB; tive tempo pra estudar canto. Tive mestres maravilhosos, como Norma Lillia, Hugo Rodas, Genilson Pulccineli, Giselle Rodrigues, Adriano e Fernando Guimarães. Em Brasília, ninguém me colocava em caixinhas, eu fazia de tudo.

São muitas histórias, então…
Alessandro — Tenho muitas histórias divertidas de quando trabalhava aí. As pessoas já sabiam que eu cochilava em qualquer lugar. Adriano Guimarães já sabia: quando eu sumia, ele me procurava por entre as cadeiras da plateia que, com certeza, eu estava dormindo por lá. Uma vez, ensaiando com o Hugo Rodas, tinha um baú em cena que eu precisava entrar. Entrei e dormi. Acordei depois, sozinho na sala de ensaio. Aí me falaram que o Hugo estava chateadíssimo porque eu fui embora do ensaio sem avisar. Imagina!

Deixar Brasília foi uma opção ou uma necessidade?
Alessandro — Se eu falar porque saí de Brasília, ninguém acredita. Não foi por profissão. Foi para casar mesmo. E foi lindo. Que bom que fiz essa mudança. O Rio me abriu para o mercado artístico nacional, fiz muito musical, foi o mercado que primeiro me acolheu. E claro tem Sara e Nina, a cereja do bolo. E o casamento? Foram 12 anos de muito amor, me casei com Gabriel, nos separamos há quatro anos e temos um lindo trabalho juntos. O Rio revelou uma potência em mim.

Como é sua relação com a cidade?
Gabriel — Eu gostaria de visitar mais. Quem sabe até poder passar temporadas maiores. A maior parte da minha família está em Brasília, tenho saudade constante!
Alessandro — Eu amo Brasília. Minha família está aí, mas, por agora, minha vida está aqui no Rio. Tem mais de um ano que não volto a Brasília por causa da pandemia. Estou cheio de saudade dos meus pais e irmãos.

Vocês estarão em Quanto mais vida melhor, a próxima novela das 19h. O que podem adiantar?
Gabriel — A novela gira em torno das histórias de quatro personagens que têm as vidas cruzadas após um acidente. Uma dessas personagens é Paula Terrare (Giovanna Antonelli). Eu sou Roberto Cintra e estarei ao lado de Paula nas operações da empresa.
Alessandro — Minha personagem é uma drag bem diferente de Rouge. Ela é não binária. É linda demais, se chama Chefe, não diz o nome pra ninguém.